Teto da Capela Sistina com análise detalhada

Laura Aidar
Revisão por Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual
Tempo de leitura: 9 min.

Na Capela Sistina encontra-se uma das obras mais emblemáticas de toda a Renascença Italiana: o teto da Capela Sistina.

As pinturas foram feitas com a técnica afresco por Michelangelo Buonarroti (1475-1564), e encomendadas pelo Papa Júlio II (1443- 1513).

Como Michelangelo se reconhecia como um escultor acima de tudo, foi com relutância que ele aceitou o convite do Papa.

A obra começou a ser realizada em 1508 e terminou em 1512, naquilo que foi um impressionante feito, considerando que o artista fez o trabalho sozinho e deitado.

Análise das Pinturas do Teto

A divisão do teto apresenta nove painéis que representam cenas do livro do Gênesis. A escolha do tema bíblico estabelece uma ligação entre os primórdios da humanidade e a vinda de Cristo, que não se encontra presente na composição.

Teto da Capela Sistina
Teto da Capela Sistina

Os desenhos são influenciados pela escultura e percebe-se a importância que eles têm na obra do artista. Da mesma forma, as imagens revelam o domínio de Michelangelo na representação e conhecimento da anatomia humana.

As figuras são predominantemente fortes, enérgicas e poderosas, mas também elegantes. São seres musculosos que se contorcem quase de forma impossível, atribuindo movimento e energia a toda a composição.

Essa vivacidade da composição é certamente um reflexo do momento histórico que a Itália vivia e que em breve se espalharia por toda Europa. Não era apenas a renascença da arte clássica que se respirava, mas também uma redescoberta da filosofia grega e do humanismo romano.

Uma nova Europa estava nascendo, deixando para trás a Idade Média e entrando na Idade Moderna, onde o centro do 'mundo' passa a ser o Homem.

Os nove painéis contam a história da criação. O primeiro representa a luz sendo separada das trevas; o segundo retrata a criação do sol, da lua e dos planetas e o terceiro representa a terra sendo separada do mar.

A criação de Adão

O quarto painel é a criação de Adão, uma das imagens mais difundidas e reconhecidas mundialmente. Aqui Adão está recostado, como se com preguiça. Ele parece obrigar Deus a um último esforço para conseguir tocar em seus dedos e assim lhe dar a vida.

Ao contrário da figura "preguiçosa" de Adão, Deus é dotado de movimento e energia e até os seus cabelos se movem com uma brisa invisível.

Debaixo do seu braço esquerdo, Deus leva a figura de Eva, que segura no seu braço e pacientemente espera que Adão receba a centelha da vida para também ela poder recebê-la.

Criação de Adão
Criação de Adão

Veja a análise mais detalhada da obra A Criação de Adão.

No quinto painel (e central) vemos por fim a criação de Eva. No sexto, temos a expulsão do paraíso de Adão e Eva, No sétimo está representado o sacrifício de Noé. No oitavo vemos o dilúvio universal e no nono, que é o último, a embriaguez de Noé.

Contornando os painéis temos ainda a representação alternada de Profetas (Zacarias, Joel, Isaías, Ezequiel, Daniel, Jeremias e Jonas) e Sibilas (Délfica, Eritrea, Cumana, Pérsica e Líbica). Esta é uma justaposição entre cristianismo e paganismo, naquilo que alguns historiadores consideram ter sido uma forma sutil encontrada pelo artista para criticar a Igreja.

Os painéis estão emoldurados por elementos arquitetônicos pintados (incluindo figuras escultóricas) com extremo realismo e com os quais as figuras interagem. Alguns sentam-se, outros recostam-se, nesses elementos de arquitetura falsa.

Nos quatro cantos do teto temos ainda a representação das grandes salvações de Israel.

Espalhadas pelo centro da composição, vemos também vinte figuras masculinas nuas sentadas, conhecidas como os “Ignudi”, nome atribuído pelo próprio artista.

Afresco na Capela Sistina representando figuras masculinas nuas
Ignudis, figuras masculinas nuas, na Capela Sistina

Estas figuras aparecem rodeando cinco dos nove painéis do teto, nomeadamente no “embriaguez de Noé”, no “sacrifício de Noé”, na “criação de Eva”, na “separação da terra do mar” e na “separação da luz e da escuridão”.

Porém, não se sabe exatamente o que representam nem qual a razão da sua inclusão.

O Juízo Final

Mais de vinte anos depois, Michelangelo regressou à Capela Sistina para executar O Juízo Final (1536-1541) um afresco pintado na parede do altar da Capela.

Este trabalho foi encomendado a Michelangelo pelo Papa Clemente VII (1478- 1534), mas a obra só teria início após a morte desse Papa e já sob o pontificado de Paulo III (1468- 1549).

Contrastando com a vitalidade, o ritmo e a energia radiante dos afrescos do teto, a representação do Juízo Final é sombria. No total estão exibidos trezentos e noventa e um corpos, originalmente retratados a nu (incluindo a Virgem).

O Juízo Final
O Juízo Final, pintado posteriormente à criação dos afrescos no teto da capela

A composição é dominada pela figura central de um Cristo implacável e temível. Ao fundo temos um céu que se rasgou e na parte inferior vemos como os anjos tocam as trombetas anunciando o Juízo Final.

Ao lado de Cristo a Virgem olha para o lado, se recusando a enxergar o caos, a miséria, o sofrimento e como todos os pecadores serão lançados no inferno.

Uma das figuras representadas é São Bartolomeu, que em uma mão segura a faca do seu sacrifício e na outra a sua pele esfolada.

Acredita-se que Michelangelo elaborou seu autorretrato na imagem do santo. Assim, o rosto deformado da pele esfolada é a do próprio artista, talvez uma metáfora para representar a sua alma torturada.

São Bartolomeu
São Bartolomeu em detalhe do Juízo Final

As diferenças entre as pinturas do teto e da parede do altar estão relacionadas com a diferente contextualização cultural e política na época em que a obra foi realizada.

A Europa vivia uma crise espiritual e política, começavam os anos da Reforma que dariam lugar à separação dentro da Igreja. Parece que a composição serve como aviso de que os inimigos da Igreja estão condenados. Não há perdão, pois Cristo é implacável.

Como todas as figuras desta obra foram pintadas sem roupas, nos anos que se seguiram houve polêmica. Muitos acusaram a Igreja de hipocrisia e consideravam a pintura escandalosa.

Durante mais de vinte anos os acusadores da obra espalharam a ideia de que a Igreja estava incluindo em uma das suas principais instalações uma obra obscena, fazendo campanha para que as pinturas fossem destruídas.

Temendo o pior, a Igreja, na pessoa do Papa Clemente VII (1478- 1534) encomendou que alguns nus fossem repintados. A tentativa era de preservar a obra original, impedindo assim a sua destruição. Esse trabalho foi realizado por Daniele da Volterra no ano da morte de Michelangelo.

Trabalhos de Restauração

As mais recentes intervenções (1980 e 1994) de restauração na Capela Sistina, focadas na limpeza dos afrescos, revelaram um lado de Michelangelo que estava sendo ignorado pelos historiadores, não intencionalmente.

Até então, apenas a forma e o desenho eram valorizados nessa obra, atribuindo-se o foco ao desenho em detrimento da cor. Porém, a limpeza de séculos de sujeira e fumo de velas, revelou uma vibrante paleta de cores na obra original de Michelangelo.

Assim, foi provado que o artista não só era um gênio do desenho e da escultura, mas também um excelente colorista ao nível do próprio Leonardo Da Vinci.

Restauração
Detalhe do Antes e Depois da Restauração

A Capela Sistina

A Capela Sistina (1473-1481) situa-se na residência oficial do Papa, no Palácio Apostólico no Vaticano. Sua construção foi inspirada no Templo de Salomão. É lá que o Papa conduz as missas pontualmente, e é também onde o Conclave se reúne para eleger um novo Papa.

A Capela serviu de atelier para alguns dos maiores artistas da Renascença italiana, não só Michelangelo, mas também Rafael, Bernini e Botticelli.

Mas é inegável que hoje a simples menção do nome da Capela nos remete para os seus grandiosos afrescos do teto e altar executados por Michelangelo.

Imagem do teto da Capela Sistina

Michelangelo Buonarotti

Michelangelo (1475-1564) foi um dos ícones da Renascença e é considerado um dos maiores gênios da arte de todos os tempos. Ainda em vida já era assim considerado.

Visto como um sujeito de trato difícil, a sua genialidade foi, no entanto, reconhecida quando ele era ainda muito jovem. Frequentou a oficina de Domenico Ghirlandaio e aos quinze anos Lourenço II de Médici o tomou sob a sua proteção.

Humanista e fascinado pela herança clássica, a obra de Michelangelo centra-se na imagem humana como essencial meio de expressão, o que é evidente também em suas esculturas.

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Laura Aidar
Revisão por Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.
Sónia Cunha
Edição por Sónia Cunha
Licenciada em História da Arte pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto (2003), e em Conservação e Restauro pelo Instituto Politécnico de Tomar (2006).