Soneto As pombas, de Raimundo Correia (análise completa)
O soneto As pombas, de autoria do poeta brasileiro Raimundo Correia, é um dos destaques do movimento Parnasiano brasileiro.
A crítica especializada considera o poema como a obra-prima do autor, através dele é possível conhecer os elementos mais caros ao grupo de autores parnasianos.
Análise do poema As Pombas na íntegra
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
Das pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.
E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais, de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Também dos corações onde abotoam
Os sonhos, um a um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.
O tema do soneto é inicialmente o revoar das pombas que acaba por estabelecer uma comparação com as fases da vida humana.
A pomba, animal escolhido por Raimundo Correia para protagonizar seu soneto, é símbolo da pureza, da paz e da elevação espiritual.
Assim como todos os pássaros, a pomba pode ser lida como sinônimo de liberdade e de conexão do céu e da terra, visto que frequenta os dois ambientes.
As pombas, nos versos parnasianos acima, trazem também a tona a efemeridade da vida e o sentimento de transitoriedade do tempo.
Os dois quartetos iniciais são apenas descritivos da rotina dos pássaros:
Vai-se a primeira pomba despertada...
Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas
Das pombas vão-se dos pombais, apenas
Raia sanguínea e fresca a madrugada.E à tarde, quando a rígida nortada
Sopra, aos pombais, de novo elas, serenas,
Ruflando as asas, sacudindo as penas,
Voltam todas em bando e em revoada...
Os oito primeiros versos são basicamente ilustrativos da movimentação das pombas, se iniciam com o despertar dos animais, o voo em conjunto para o exterior, e o posterior retorno ao ninho também em bando.
Os dois tercetos finais, por sua vez, se direcionam a uma abordagem distinta.
Também dos corações onde abotoam
Os sonhos, um a um, céleres voam,
Como voam as pombas dos pombais;
No azul da adolescência as asas soltam,
Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam,
E eles aos corações não voltam mais.
Nos seis últimos versos, o autor faz uma associação com o desabrochar do ser humano e o movimento de ida e vinda das pombas.
O soneto carrega uma forte preocupação existencial, e demonstra versos compostos a partir de uma profundidade psicológica. O viés da escrita é, sem sombra de dúvida, pessimista (enquanto as pombas efetivamente voltam para os pombais, os corações humanos parecem não retornar ao local de origem).
Em relação a estrutura da composição, Raimundo Correia optou por aderir a uma forma cara ao movimento a que pertencia. O soneto é uma forma fixa de origem italiana. A estrutura dos sonetos é imutável, composta por quatro estrofes (as duas primeiras estrofes carregam quatro versos - são os quartetos - e as duas últimas três - os tercetos).
Em termos sintáticos, o poema é encadeado a partir de enjambement (em português encavalgamento), ou seja, os versos se sucedem sem pausas no final de cada um. Esse tipo de criação é bastante frequente entre os parnasianos.
O simbolismo da pomba
A pomba é um animal caro ao cristianismo porque simboliza a Virgem Maria. Na arte cristã, a pomba é muitas vezes a representação do Espírito Santo.
Na Bíblia também há passagens que dão protagonismo as pombas. Após o dilúvio, Noé libertou três pombas. Uma dessas três retornou para Noé trazendo o ramo de um oliveira, que era um sinal de reconciliação com Deus. Por esse motivo, a pomba tornou-se símbolo da paz.
Mas o Cristianismo não foi o primeiro a eleger a pomba como um pássaro especial. Na Ásia Menor, ela estava associada a deusa da fertilidade Ichtar e na Fenícia com o culto de Astarte. Na Grécia, a pomba era consagrada a Afrodite. O islamismo vê nela uma ave sagrada porque supostamente protegeu Maomé durante a sua fuga.
O parnasianismo no Brasil
O estilo Parnasiano teve início no Brasil no ano de 1882, com a publicação da obra Fanfarras, de Teófilo Dias.
O nome Parnasianismo tem origem na revista francesa Parnaso Contemporâneo (Le Parnase Contemporain), revista literária que resumia os ideais da Escola e onde os poetas brasileiros foram beber.
O mote do grupo brasileiro influenciado pelos autores franceses era era:
A Arte pela Arte.
O lema do grupo sublinhava a noção de que a arte deveria ser um fim em si mesma, e não estar em função da moral, da religião ou de algum outro valor externo.
Os adeptos do movimento literário almejavam alcançar a perfeição através do uso de versos com métrica e rima, havia uma obsessão formal nas produções assim como a preferência pelo uso da ordem indireta. O modelo clássico de composição, muitas vezes com versos decassílabos, eram os preferidos pelos escritores. O soneto, estrutura de poema com contornos rígidos, era uma das formas mais escolhidas entre os parnasianos.
O perfeccionismo era um elemento chave para o sucesso do poema, assim como a riqueza de vocabulário que procura ilustrar o belo, o sublime e a natureza.
Precisão, clareza e objetividade eram nortes muitos caros aos poetas, assim como a atitude de observação do mundo ao redor e a total impassibilidade e controle emocional, uma contenção total. Essa foi claramente uma reação contra o romantismo, movimento que o antecedeu.
O lirismo objetivo, como assim o chamavam, preconizava uma poesia descritiva do real, e não analítica.
Quem foi Raimundo Correia
Raimundo da Mota Azevedo Correia, conhecido no universo literário apenas como Raimundo Correia, nasceu no dia 13 de maio de 1859, a bordo do navio brasileiro São Luís, que estava ancorado no Maranhão, e faleceu na capital da França no dia 13 de setembro de 1911.
Era filho de desembargador e teve acesso as melhores escolas. Em 1884, casou-se com Mariana Sodré.
Entre as suas composições consagradas estão As Pombas, A Cavalgada e Mal Secreto. As suas principais obras literárias são:
-
Primeiros Sonhos (1879);
-
Sinfonias (1883);
-
Versos e Versões (1887).
O poema As pombas lhe rendeu tamanho sucesso que em vida Raimundo Correia passou a ser identificado como "O poeta das pombas".
Além de escritor literário, colaborou com uma série de jornais e revistas, foi promotor de justiça, juiz, secretário da presidência da Província do Rio de Janeiro, diretor da Secretaria de Finanças de Ouro Preto. Depois da proclamação da República, Raimundo Correia veio a ser preso mas, logo depois, ganhou liberdade.
Ouça a leitura de As pombas
Conheça também