Filme Up: Altas aventuras - sinopse e análise
O filme Up (2009), da Pixar, conta a história de Carl Fredricksen, um viúvo solitário e ranzinza de 78 anos, que embarca numa aventura para realizar um sonho de juventude que mantinha com a mulher, Ellie. Os dois queriam descobrir o Paraíso das Cachoeiras, um ponto pouco conhecido situado na América do Sul.
Quem acompanha Carl nessa jornada é o menino Russell, um escoteiro de 8 anos que, sem querer, embarca na casa voadora.
(atenção, esse artigo contém spoilers)
Sinopse do filme
Carl Fredricksen é um viúvo de 78 anos que, durante a juventude, foi um vendedor de balões. Foi ainda na infância que ele conheceu Ellie, o seu grande amor, com quem veio a se casar. Aventureira, o maior sonho da moça era conhecer o Paraíso das Cachoeiras, um lugar remoto situado na América do Sul.
O casal não pode ter filhos e viveu uma vida plena, cheia de amor e cumplicidade. O grande sonho de Ellie, no entanto, não chegou a ser realizado porque o casal vivia em apertos financeiros.
Depois da morte da companheira, o viúvo se isolou completamente em casa. Solitário, ele virou um velho ranzinza ensimesmado. É uma obra na vizinhança que o obriga a mudar de rumo, literalmente.
Um edifício começa a ser erguido na vizinhança do viúvo e o construtor deseja, a qualquer custo, comprar a casa de Carl.
Fredricksen se recusa veementemente a vende-la, não só por comodidade, mas especialmente porque a casa é também a memória da relação dos dois.
Os empreiteiros, inconformados com a decisão irredutível de Carl, arrumam forma de o interná-lo compulsoriamente num asilo.
Assustado com essa possibilidade de ser interditado, ele bola um plano: fazer a sua casa subir pelos ares através de balões rumo à América do Sul para conhecer o tão sonhado destino de Ellie.
O que Carl não contava é que a sua viagem seria acompanhado. Russell, um escoteiro de oito anos, que tocou na campainha da casa do senhor, se escondeu e acabou embarcando sem querer na viagem rumo à América do Sul.
A interação entre os dois, difícil, acaba por ser permeada de muito aprendizado. É o cotidiano com Russell que faz com que Carl mude a sua forma de encarar o mundo e permite que ele consiga tirar as amarras do passado para poder experimentar as aventuras do presente.
Análise de Up
O filme, que recebeu o Óscar de Melhor Animação, encanta tanto crianças como adultos e fala de temas duros como a perda, a saudade e a solidão permitindo várias camadas de leitura.
Carl Dredricksen, o declínio na velhice e a sua transformação pessoal
O protagonista de 78 anos representa alguns idosos que são marginalizados, incompreendidos e, de certa forma, isolados da sociedade.
Após perder a mulher Ellie, Carl tem uma postura mais negativa, ensimesmada, que não permite trocas com o mundo ao redor. Ao se descobrir sozinho, Carl se fecha no próprio mundo.
Antes da chegada do escoteiro Russell, o personagem simbolizava a casmurrice. A velhice vivida por Carl, no princípio do filme, é representada por um olhar negativo, da invalidez e da decadência. Carl é rabugento, teimoso, não tem mais tanta independência física e não deseja interagir socialmente.
A bengala e os óculos pesados que carrega são símbolos da velhice e da crescente fragilidade física.
Além de ir perdendo o seu vigor físico e mental, Carl também se vê diante da perda da autonomia de escolher onde quer viver, uma vez que é praticamente expulso da própria casa.
A percepção de Fredricksen muda depois de decidir embarcar na viagem e de manter um contato mais estreito com Russell.
É o menino de apenas oito anos que, cheio de energia e entusiasmo, ajuda a despertar no protagonista a vontade de viver, de conhecer o novo, de interagir com o mundo ao redor
A venda da casa de Carl pode ser lida como uma crítica ao mundo contemporâneo
A desapropriação da casa de Carl, feita a contragosto pela enorme construtora, tece uma crítica ao mundo contemporâneo, capitalista, que prioriza os lucros e enxerga na casa do viúvo apenas um espaço para aumentar o edifício que pretende construir.
Ao olhar para o espaço e ver apenas um terreno bom para a obra, o empresário nega toda a história de vida de Carl e de Ellie, a forma como reabilitaram o lugar e transformaram o edifício abandonado na residência da família durante décadas.
Antes do casal comprar a construção abandonada, Carl e de Ellie, ainda crianças, costumavam brincar na casa, que já tinha ganhado, portanto, um enorme peso afetivo por estar ligada à memória do princípio do relacionamento do casal.
Sem saber da história de vida dos dois, o empresário faz de tudo para tirar Carl da casa, e, diante do categórico não do senhor, o grupo usa um golpe baixo tentando internar Fredricksen num asilo alegando que ele se tratava de uma ameaça para a comunidade.
Carl é lido por aqueles homens apenas como um ser teimoso e improdutivo, que atrapalha as obras, e cujo destino deve ser dar a vez ao mundo novo.
A casa como um símbolo do amor de Carl e Ellie
A imaginação aqui é que acaba por salvar Carl, que usa as habilidades da profissão que teve - ele era um vendedor de balões -, para fazer, literalmente, levantar voo a sua própria casa.
A casa possui uma simbologia muito forte na trama: as paredes da casa testemunharam toda a relação, desde o primeiro dia de encontro - quando os dois brincavam juntos de aviadores - até os últimos dias da esposa.
A residência é, portanto, uma síntese da vida a dois.
Ao tirar a residência do lugar, Carl a salva de ser demolida e, ao mesmo tempo, realiza o sonho da juventude que partilhava com a esposa, que era conhecer a América do Sul.
A subida da casa pelos balões representa uma solução dupla: por um lado Carl consegue resguardar a casa tal como ela é, protegendo-a do interesse daqueles que a queriam demolir, e, por outro, consegue, de dentro do seu conforto e espaço, realizar também o seu sonho.
A ficção tem a capacidade de transformar o imóvel em móvel e levar Carl fisicamente e emocionalmente para um novo lugar.
Os balões, que foram o sustento de Carl durante a vida, permitiram que a casa subisse aos céus simbolicamente representando um momento de liberdade do senhor que antes vivia recluso e sozinho.
A casa representa também o amor que Carl nutre por Ellie, que não terminou com a morte da esposa. Levar a casa para a América do Sul também significa, de uma certa forma, transportar Ellie para conhecer o seu tão ansiado lugar dos sonhos e homenageá-la.
Up nos mostra que é sempre tempo para realizarmos o que desejamos
O desejo de viver na América do Sul era partilhado com Ellie, que nunca chegou a ver o sonho realizado porque a morte interrompeu antes o seu caminho.
Carl, no entanto, jamais desistiu de realizar o maior desejo da esposa - que se tornou posteriormente também seu. A vontade de descobrir o Paraíso das Cachoeiras era cultivada desde o primeiro álbum de aventuras de Ellie, criado quando a menina tinha cerca de sete anos. É através do álbum que Carl fica conhecendo o lugar, e também se encanta. Ao longo da jornada a dois, no entanto, não foi possível viajarem para tão longe.
Mesmo depois da morte de Ellie, Carl continuou obcecado para conhecer o lugar, o Paraíso das Cachoeiras representou, no seu inconsciente, uma espécie de éden, de lugar perfeito onde poderia voltar a encontrar a felicidade.
É Russelll, o menino, que do auge da sua infância, é capaz de tirar Carl do passado, onde vivia estagnado, e o convida a experimentar o presente.
O cotidiano de Carl era marcado por cuidar da casa, simbolizando assim o seu apego ao passado.
A entrada do personagem na nova fase da sua vida pode ser sintetizada pelo momento em que ele consegue se desapegar da casa, jogando fora os móveis e outras lembranças que provavam a sua resistência ao passado. O novo, aqui, só é possível depois que Carl aprende a lidar com a memória do que ficou para trás.
O filme nos prova que nunca é tarde demais para realizarmos os nossos sonhos, ainda que o caminho para o nosso sonho seja diferente do que havíamos suposto a princípio.
Up mostra que a velhice pode ser também um espaço para se experimentar uma nova vida, aprender novas coisas e conhecer lugares diferentes.
Carl, Russell e a troca de experiências entre as gerações
Quem se torna o fiel companheiro de Carl nessa viagem é, acidentalmente, o pequeno escoteiro Russell, um menino de 8 anos que entra na casa e embarca sem querer na viagem.
Explorador, o menino tem o viço e a energia que Carl já não tem. Ele é, de certa forma, o seu oposto, e lembra Carl dos sentimentos que nutria na infância. Se Carl simboliza a decadência, Russell é a potencialidade, o crescimento.
Quando descobre que não está sozinho na sua empreitada, Carl fica furioso e cogita pendurar o menino através de uma corda de lençóis para deixá-lo numa cidade a meio do caminho.
É com grande resistência, portanto, que o viúvo permite que o prestável escoteiro passe a fazer parte do seu sonho pessoal. O primeiro sentimento que surge na interação de Carl para Russell é o do ódio.
A recusa em aceitá-lo possivelmente tem origem no fato de Carl não ter podido ser pai e Russell o lembrar das suas próprias frustrações.
O menino, no entanto, pacientemente vai ganhando terreno no coração de Carl no dia a dia, com o seu jeito atencioso e tagarela:
Carl: “Escuta, vamos brincar de uma coisa, vamos brincar de quem fica quieto mais tempo.”
Russell: “Legal, minha mãe adora brincar disso.”
Ao final da aventura, fica claro que Carl desenvolve pelo menino um amor paternal, com um misto de gratidão e desejo de protegê-lo.
De uma forma original, é Russell, no auge da sua infância, que ajuda Carl a encontrar o seu lugar no mundo.
O filme levanta a questão da relação da troca de conhecimento entre as gerações que se encontram nos dois extremos da vida.
As interações entre Carl e Russell permitem o amadurecimento de ambos os personagens. Esse intercâmbio de vivências promove uma enorme identificação com o público e desperta a memória do espectador para as relações entre avós e netos ou idosos e crianças de modo geral.
É interessante observar que as animações infantis até meados dos anos 2000 não tinham protagonistas crianças ou idosos. Uma enorme geração de crianças foi formada a partir de filmes adultocêntricos como A pequena sereia, Aladdin, A bela e a fera e O corcunda de Notre Dame. Up quebra um certo padrão ao trazer para a cena dois tipos de personagens que vinham sendo sistematicamente negligenciados pela indústria: uma criança e um idoso.
Um panorama da infância através das crianças Carl, Ellie e Russell
O filme começa com o ranzinza Carl ainda criança. Nas primeiras cenas entendemos a sua origem, espiamos a sua infância, vemos o seu desejo de aventura e a vontade de se tornar um aviador como assistia nos filmes. O menino é descrito como uma criança quieta, tímida, mas curiosa, e com enorme desejo de aventura.
Vemos também o encontro com aquela que virá a se tornar a sua futura mulher, Ellie. Ainda criança, Ellie já era uma corajosa aventureira com quem Carl partilhava as brincadeiras do mundo da aviação.
A personalidade de Ellie é desde a primeira infância descrita como mandona, com um estilo espalhafatoso, que grita, salta janelas, é destemida. O seu jeito assusta - e depois encanta - o calado Carl.
Ainda criança, Ellie partilha com o amigo o seu livro de aventura, que nunca havia mostrado a ninguém, e nesse momento cria-se um espaço de cumplicidade e nasce o princípio do amor.
Russell, a terceira criança representada na tela, é inicialmente descrita como sendo super cordial e muito tagarela (uma característica frequentemente atribuída às meninas). Como Carl foi uma criança muito silenciosa e se tornou um adulto igualmente calado, a personalidade dele entra em confronto com Russell.
É curioso as três crianças representadas Up subvertam o senso comum que costuma interpretar as meninas como criaturas mais tranquilas, recatadas e quietas. Dos três personagens de Up, Ellie é, sem dúvida, aquela que tem mais vida e energia se comparada aos meninos. É Ellie, uma menina, inicialmente que faz mover a trama, uma vez que o sonho de ir para a América do Sul é inicialmente só dela.
Ao apresentar três crianças completamente diferentes, Up traça um panorama de distintas formas de infância. Esse espectro de infâncias muito distintas é também importante para que o espectador possa de identificar com os personagens.
Trailer e ficha técnica de Up
Título original: Up
Diretores: Pete Docter, Bob Peterson
Roteiristas: Pete Docter, Bob Peterson e Tom McCarthy
Data de lançamento: 16 de maio de 2009
Duração: 1h36min
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