Filme Vida Maria: resumo e análise
O curta-metragem “Vida Maria” é uma belíssima animação em 3D, lançada no ano de 2006, produzida, escrita e dirigida pelo animador gráfico Márcio Ramos.
A narrativa de Márcio Ramos se passa no interior do sertão do nordeste brasileiro e conta a história de três gerações de mulheres de uma mesma família.
O filme recebeu uma série de prêmios nacionais e internacionais, entre eles o 3º Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo.
Assista ao curta-metragem Vida Maria na íntegra
Resumo
A história começa com uma menina de cinco anos chamada Maria José no sertão cearense. Enquanto aprende a escrever e a exercitar a caligrafia, a garota é interrompida pelos gritos da mãe que a convoca para ajudá-la nas tarefas da casa.
A garota, que fazia o contorno do nome no papel, é interrompida pelos gritos insistentes da mãe. As feições de deleite, descontração e cuidado com as letras que preenche no caderno é imediatamente substituído pelo olhar assustado e amedrontado quando a mãe se aproxima.
A menina, concentrada na escrita, não responde de primeira aos chamados da mãe e, quando ela se aproxima, leva a seguinte bronca:
"— Maria José. Oh, Maria José, tu não tá me ouvindo chamar não, Maria? Tu não sabe que aqui não é lugar pra tu ficar agora? Em vez de ficar perdendo tempo desenhando nome, vá lá pra fora arranjar o que fazer. Vá. Tem o pátio pra varrer, tem que levar água pro bicho. Vai menina, vê se tu me ajuda, Maria José."
Maria José imediatamente baixa a cabeça diante do olhar duro que a encara, obedece prontamente a mãe e se dirige para o trabalho na roça.
Enquanto trabalha, a câmera, que se movimenta aos poucos, irá enfocar o desenrolar da vida da menina que se tornará moça, engravidará, terá filhos e envelhecerá.
A Maria José criança que abandonará os cadernos para puxar água do poço logo crescerá e conhecerá Antônio, que também trabalha na roça ao lado do pai da moça.
Através das sutilezas trocadas, percebe-se que os dois jovens se apaixonam, ficam juntos e dão início a uma nova família seguindo o padrão da família onde Maria José cresceu.
Rígida com a filha assim como a sua mãe fora consigo, Maria José dirige-se a única filha mulher, Maria de Lurdes, e faz um discurso semelhante ao que a mãe lhe fez na altura:
"Em vez de ficar perdendo tempo desenhando nome vá lá pra fora arranjar o que fazer! Tem o pátio pra varrer, tem que levar água pros bichos, vai menina! Vê se tu me ajuda, Lurdes! Fica aí fazendo nada, desenhando o nome"
E assim, a partir do exemplo aprendido, a mãe outrora criança, passará o ensinamento a frente, desestimulando a filha das tarefas da escola e impulsionando-a para a lide no campo.
A história é cíclica portanto e mostra a reação de uma mãe com a filha e depois dessa filha que irá tornar-se mãe com a menina que sairá do seu ventre. Nas cenas finais, vê-se o destino da então avó, sendo velada em um caixão dentro de casa.
Apesar da presença física da avó se extinguir pela morte, vemos os ensinamentos perdurarem e atravessarem gerações:
Análise do filme Vida Maria
A reação da mãe, Maria José, que grita com a filha Maria de Lurdes para que ela abandone os exercícios da escola, é explicada ao pormenor para o espectador conforme a sua própria história de vida é contada. O filme apresenta, portanto, uma circularidade narrativa, ou seja, vemos a sina se repetir em gerações distintas da mesma família.
Em termos técnicos, o curta metragem tem uma caracterização muitíssimo bem realizada, tanto em termos de cenografia quanto em relação a descrição dos próprios personagens.
Detalhes como a cerca da casa, por exemplo, conferem com exatidão com as típicas cercas utilizadas no nordeste. Os vestidos floridos das personagens e até mesmo o tipo de amarração do cabelo imprimem um ar de realidade impressionante.
Vale observar como as personagens femininas se distinguem umas das outras. Enquanto as meninas carregam vestidos florais e coloridos, feições leves e tranquilas, as respectivas mães usam vestidos escuros e sóbrios e carregam uma linguagem mais brusca e dura.
Deixando de lado a semelhança dos aspectos visuais, a história narrada por Márcio Ramos reproduz de modo fiel a realidade de gerações e gerações de mulheres do sertão nordestino.
O nome do filme, Vida de Maria, não é por acaso. A cena final, focada no caderno de caligrafias da garota, mostra a multiplicidade de Marias e de histórias que se repetem: são Marias de Lurdes, Marias Josés, Marias da Conceição...
Maria José e Maria de Lurdes são apenas duas dessa longa lista de Marias que perpetuam a cultura do trabalho e do não estudo no sertão. Nomes carregados pelo peso da religião que simultaneamente ecoam o destino trágico de tantas mulheres diferentes embora com sinas extremamente parecidas.
Vemos no filme etapas da vida bastante distintas: a infância, a adolescência, a juventude, o amadurecimento e a morte. Não é a toa que o filme começa com uma criança e se encerra com a avó falecida, no caixão, sendo velada dentro da casa. Temos com essa sequência a noção de que um ciclo se encerra enquanto outro continua, dando seguimento ao fado das mulheres da família.
O curta-metragem mostra como os trágicos destinos se repetem e como as gerações reproduzem aquilo que aprenderam sem qualquer mudança ou crítica.
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