Filme Vida Maria: resumo e análise

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura
Tempo de leitura: 6 min.

O curta-metragem “Vida Maria” é uma belíssima animação em 3D, lançada no ano de 2006, produzida, escrita e dirigida pelo animador gráfico Márcio Ramos.

A narrativa de Márcio Ramos se passa no interior do sertão do nordeste brasileiro e conta a história de três gerações de mulheres de uma mesma família.

O filme recebeu uma série de prêmios nacionais e internacionais, entre eles o 3º Prêmio Ceará de Cinema e Vídeo.

Assista ao curta-metragem Vida Maria na íntegra

Resumo

A história começa com uma menina de cinco anos chamada Maria José no sertão cearense. Enquanto aprende a escrever e a exercitar a caligrafia, a garota é interrompida pelos gritos da mãe que a convoca para ajudá-la nas tarefas da casa.

A garota, que fazia o contorno do nome no papel, é interrompida pelos gritos insistentes da mãe. As feições de deleite, descontração e cuidado com as letras que preenche no caderno é imediatamente substituído pelo olhar assustado e amedrontado quando a mãe se aproxima.

A menina, concentrada na escrita, não responde de primeira aos chamados da mãe e, quando ela se aproxima, leva a seguinte bronca:

"— Maria José. Oh, Maria José, tu não tá me ouvindo chamar não, Maria? Tu não sabe que aqui não é lugar pra tu ficar agora? Em vez de ficar perdendo tempo desenhando nome, vá lá pra fora arranjar o que fazer. Vá. Tem o pátio pra varrer, tem que levar água pro bicho. Vai menina, vê se tu me ajuda, Maria José."

Maria José imediatamente baixa a cabeça diante do olhar duro que a encara, obedece prontamente a mãe e se dirige para o trabalho na roça.

Enquanto trabalha, a câmera, que se movimenta aos poucos, irá enfocar o desenrolar da vida da menina que se tornará moça, engravidará, terá filhos e envelhecerá.

A Maria José criança que abandonará os cadernos para puxar água do poço logo crescerá e conhecerá Antônio, que também trabalha na roça ao lado do pai da moça.

Através das sutilezas trocadas, percebe-se que os dois jovens se apaixonam, ficam juntos e dão início a uma nova família seguindo o padrão da família onde Maria José cresceu.

Rígida com a filha assim como a sua mãe fora consigo, Maria José dirige-se a única filha mulher, Maria de Lurdes, e faz um discurso semelhante ao que a mãe lhe fez na altura:

"Em vez de ficar perdendo tempo desenhando nome vá lá pra fora arranjar o que fazer! Tem o pátio pra varrer, tem que levar água pros bichos, vai menina! Vê se tu me ajuda, Lurdes! Fica aí fazendo nada, desenhando o nome"

E assim, a partir do exemplo aprendido, a mãe outrora criança, passará o ensinamento a frente, desestimulando a filha das tarefas da escola e impulsionando-a para a lide no campo.

A história é cíclica portanto e mostra a reação de uma mãe com a filha e depois dessa filha que irá tornar-se mãe com a menina que sairá do seu ventre. Nas cenas finais, vê-se o destino da então avó, sendo velada em um caixão dentro de casa.

Apesar da presença física da avó se extinguir pela morte, vemos os ensinamentos perdurarem e atravessarem gerações:

Maria José velando o corpo da mãe. Apesar da morte, a mãe permanece de certa forma viva porque Maria José reproduz com a filha a mesma atitude que aprendeu quando era criança.
Maria José velando o corpo da mãe. Apesar da morte, a mãe permanece de certa forma viva porque Maria José reproduz com a filha o mesmo comportamento que aprendeu quando era criança.

Análise do filme Vida Maria

A reação da mãe, Maria José, que grita com a filha Maria de Lurdes para que ela abandone os exercícios da escola, é explicada ao pormenor para o espectador conforme a sua própria história de vida é contada. O filme apresenta, portanto, uma circularidade narrativa, ou seja, vemos a sina se repetir em gerações distintas da mesma família.

Em termos técnicos, o curta metragem tem uma caracterização muitíssimo bem realizada, tanto em termos de cenografia quanto em relação a descrição dos próprios personagens.

Detalhes como a cerca da casa, por exemplo, conferem com exatidão com as típicas cercas utilizadas no nordeste. Os vestidos floridos das personagens e até mesmo o tipo de amarração do cabelo imprimem um ar de realidade impressionante.

Cena do curta metragem Vida Maria.
Cena do curta metragem Vida Maria.

Vale observar como as personagens femininas se distinguem umas das outras. Enquanto as meninas carregam vestidos florais e coloridos, feições leves e tranquilas, as respectivas mães usam vestidos escuros e sóbrios e carregam uma linguagem mais brusca e dura.

Deixando de lado a semelhança dos aspectos visuais, a história narrada por Márcio Ramos reproduz de modo fiel a realidade de gerações e gerações de mulheres do sertão nordestino.

O nome do filme, Vida de Maria, não é por acaso. A cena final, focada no caderno de caligrafias da garota, mostra a multiplicidade de Marias e de histórias que se repetem: são Marias de Lurdes, Marias Josés, Marias da Conceição...

Maria José e Maria de Lurdes são apenas duas dessa longa lista de Marias que perpetuam a cultura do trabalho e do não estudo no sertão. Nomes carregados pelo peso da religião que simultaneamente ecoam o destino trágico de tantas mulheres diferentes embora com sinas extremamente parecidas.

Vemos no filme etapas da vida bastante distintas: a infância, a adolescência, a juventude, o amadurecimento e a morte. Não é a toa que o filme começa com uma criança e se encerra com a avó falecida, no caixão, sendo velada dentro da casa. Temos com essa sequência a noção de que um ciclo se encerra enquanto outro continua, dando seguimento ao fado das mulheres da família.

O curta-metragem mostra como os trágicos destinos se repetem e como as gerações reproduzem aquilo que aprenderam sem qualquer mudança ou crítica.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).