Frase Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas (explicada)

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura
Tempo de leitura: 7 min.

A frase original, escrita em francês, “Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé” é retirada do clássico da literatura mundial Le petit prince (em português O Pequeno Príncipe).

A primeira tradução para o português (feita pelo imortal Dom Marcos Barbosa) gerou como resultado a famosa frase cristalizada no inconsciente coletivo: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas".

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas

Significado e contexto da frase

A frase em questão é dita pela raposa para o Pequeno Príncipe no capítulo XXI e é uma das passagens mais citadas da obra.

O ensinamento começa algumas páginas antes, quando o rapazinho pergunta para a raposa o que quer dizer "cativar".

A raposa responde que cativar significa criar laços, passar a ter necessidade do outro, e exemplifica:

Tu não és para mim senão um garoto inteiramente igual a cem mil outros garotos. E eu não tenho necessidade de ti. E tu não tens também necessidade de mim. Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo...

O Pequeno Príncipe menciona então uma rosa que o havia cativado. Com o tempo, é o rapazinho cativa a raposa.

Na hora de ir embora, a raposa dá alguns ensinamentos para o jovem por quem já havia se afeiçoado, entre eles diz que "O essencial é invisível aos olhos".

Como sabia que o Pequeno Príncipe nutria profundo afeto pela rosa, a raposa faz questão de lembrá-lo que "Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante."

E logo a seguir cita a pérola:

Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas. Tu és responsável pela rosa...

O autor quer dizer que aquele que é amado passa a ser responsável pelo outro, por aquele que nutre o afeto por si. O ensinamento sugere que devemos ser prudentes com os sentimentos daqueles que nos amam.

A reflexão serve tanto para o bem quanto para o mal: se você gera sentimentos bons, é encarregado por aquilo que emana, se gera sentimentos maus, também deve ser culpabilizado por isso.

A sentença afirma que quando você faz alguém gostar de si, terá de corresponder aquilo que o outro viu na sua pessoa. Uma das máximas fundamentais do Pequeno Príncipe é que devemos cuidar uns dos outros, zelando pelo bem estar recíproco.

É de se sublinhar na frase o termo "eternamente", que parece assustador a primeira vista. A verdade é que, na frase, o advérbio significa "constante", o que quer dizer que, se você conquista o sentimento do outro, é responsável por cuidar, proteger e dedicar-se, sem prazo definido.

A reflexão proporcionada por Exupéry se opõe a noção individualista de cada um por si e fomenta a reciprocidade, a consciência coletiva de que somos responsáveis uns pelos outros, especialmente pelos que cruzam o nosso caminho e nos enxergam com admiração.

Apesar da tradução brasileira ter escolhido transformar o verbo francês "apprivoisé" em "cativar", na realidade a tradução mais literal seria "domar" ou "domesticar".

Dom Marcos Barbosa optou por tirar uma licença poética e adaptou "apprivoisé" para "cativar", um verbo que pode ser tido como sinônimo de encantar, seduzir, atrair, enfeitiçar, fascinar e envolver.

O verbo escolhido por Dom Marcos Barbosa envolve entrega, necessidade um do outro, dedicação. No caso do livro de Exupéry, o Pequeno Príncipe é cativado pela rosa, o que quer dizer que ele se tornará responsável por ela.

Saiba mais sobre o Significado da Raposa de O Pequeno Príncipe.

Edições brasileiras do clássico francês

A publicação traduzida para o português do Brasil foi feita em 1954, pelo monge beneditino Dom Marcos Barbosa, com base na edição francesa de 1945.

Em 2013, a editora Agir, a pioneira que havia lançado a primeira publicação, lançou uma nova tradução, realizada pelo poeta premiado Ferreira Gullar. A nova tradução teve como referência a edição original de 1943.

Gullar disse que o trabalho "foi um convite da editora, nunca tinha pensado em traduzir este livro porque já tem uma tradução, que eu li quando era jovem".

O desejo, segundo o novo tradutor, era atualizar a escrita "para que o leitor de hoje se sinta mais identificado com o modo de narrar do livro e das falas."

A tradução realizada pelo poeta, se diferencia, por exemplo, da feita por Barbosa, no que desrespeito a famosa frase em questão.

Dom Marcos Barbosa afirmava que "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". Ferreira Gullar, por sua vez, optou por uma construção distinta, usando o tempo passado do verbo: "Você é eternamente responsável por aquilo que cativou".

De acordo com Gullar,

É uma questão de opção pessoal, cada um tem lá o seu jeito. O que se comunica melhor, o que fica mais coloquial - porque a gente quando fala não fica rigorosamente seguindo as normas gramaticais, não é isso? Tem que ter uma conciliação aí. Eu não sou a favor do desrespeito às normas gramaticais, mas a pessoa não pode ficar numa rigidez que perca a espontaneidade.

Edição traduzida por Dom Marcos Barbosa e edição traduzida por Ferreira Gullar.
Edição traduzida por Dom Marcos Barbosa e edição traduzida por Ferreira Gullar.

A respeito das duas traduções, separadas por cerca de sessenta anos de intervalo, Gullar confessou:

Só se justificou uma nova tradução porque a linguagem coloquial do livro perde a atualidade. Com o passar do tempo, certas expressões vão saindo de uso. Mas procurei traduzir diretamente do texto francês do Saint-Exupéry.

Após 1 de janeiro 2015, quando o livro entrou em domínio público, outras editoras apostaram em novas traduções. Ivone C.Benedetti assinou a tradução para a L&PM:

Edição traduzida por Ivone
Edição traduzida por Ivone C.Benedetti.

Frei Betto foi responsável pela tradução proposta pela Geração Editorial:

Edição traduzida por Frei Beto.
Edição traduzida por Frei Beto.

Gabriel Perissé traduziu para o Grupo Autêntica:

Edição
Edição traduzida por Gabriel Perissé.

Laura Sandroni foi a escolhida pela Editora Global para traduzir:

Edição traduzida por Laura Sandroni.
Edição traduzida por Laura Sandroni.

A tradução do poeta Mario Quintana foi divulgada pela Melhoramentos:

Edição traduzida por Mario Quintana.
Edição traduzida por Mario Quintana.

No total, no Brasil já foram vendidos mais de 2 milhões de exemplares do livro. Até 2014, a única editora autorizada a reproduzir o livro era a Nova Fronteira (Ediouro).

Após ter caído em domínio público, O Pequeno Príncipe ganhou diversas edições das mais variadas editoras. Lembramos aqui apenas algumas: L&PM, Geração Editorial, Grupo Autêntica, Melhoramentos e Global.

Adaptação para os quadrinhos

O livro de Saint-Exupéry foi adaptado para os quadrinhos por Joann Sfar. No Brasil, a tradução utilizada foi a do Dom Marcos Barbosa.

Quadrinhos.

Exposição sobre O Pequeno Príncipe

Realizada em 2016, a exposição "O Pequeno Príncipe, uma história de Nova York", foi uma homenagem norte-americana ao clássico mundial da literatura infantil.

The Little Prince foi lançado nos Estados Unidos em 1943, três anos antes da edição francesa. Pouca gente sabe que o livro foi escrito em Nova Iorque porque o autor encontrava-se exilado na cidade. Antoine de Saint-Exupéry viveu durante dois anos na América, antes da Segunda Guerra Mundial.

A curadora, responsável pela exposição, Christine Nelson, contou que o Exupéry, apesar de ter um apartamento ao sul do Central Park, escrevia em diversos pontos da cidade.

Exposição.
Registro feito na exposição "O Pequeno Príncipe, uma história de Nova York".

Conheça também

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).