5 principais obras de Graciliano Ramos
As obras de Graciliano Ramos são conhecidas por sua forte carga social. O escritor pertenceu à segunda geração do modernismo brasileiro e trouxe em suas histórias um retrato do período histórico do país, com seus dilemas e contradições.
Através de uma escrita clara, objetiva, e profundamente reflexiva, Graciliano conseguiu traduzir a seca nordestina, os sentimentos das pessoas exploradas e as transformações sociais e econômicas que ocorriam no início do século XX.
Esses são alguns dos motivos que fazem com que o escritor seja celebrado e reconhecido como um dos maiores da literatura brasileira.
1. Vidas secas (1938)
Vidas secas é considerada a obra-prima do autor. Lançado em 1938, o livro narra a história de uma família de retirantes fugindo da seca que assola o nordeste.
Acompanhamos a trajetória de Fabiano, o pai, sinhá Vitória, a mãe, os dois filhos (chamados de “menino mais velho” e “menino mais novo”) e a cachorra Baleia.
Os personagens são pessoas extremamente simples que saem do local de origem em busca de oportunidades.
No meio da jornada, encontram uma pequena casa abandonada em uma fazenda e lá se instalam. Entretanto, a casa tinha dono e a família precisa trabalhar para permanecer nela. O patrão explora essas pessoas, valendo-se da falta de instrução e desespero dos que lutam pela sobrevivência.
Análise e comentários
Assim, Graciliano denuncia as injustiças e misérias que atormentam grande parte da população, seja pela falta de políticas públicas, exploração presente no sistema capitalista e violência policial. Essa última representada na figura do Soldado Amarelo, com quem Fabiano se envolve em uma confusão e acaba preso.
A obra, que a princípio receberia o título de “O mundo coberto de penas”, é considerada um romance, entretanto, seus capítulos foram estruturados em forma de contos, por isso é possível também lê-los fora da ordem em que são apresentados.
De qualquer forma, o primeiro e o último capítulo estão interligados, pois revelam uma narrativa circular, na qual a família volta para a mesma situação, a fuga da seca.
2. Angústia (1936)
Publicado em 1936, o romance Angústia foi lançado quando o Graciliano esteve preso durante o governo de Getúlio Vargas.
A obra foi feita em primeira pessoa e dá voz ao protagonista Luís da Silva, em uma escrita que intercala pensamentos, lembranças e reflexões.
O personagem/narrador nasceu em uma família de posses em Maceió e durante a infância teve uma vida confortável. Com a morte do pai, o patrimônio da família é retirado por credores de modo a sanar dívidas e o garoto cresce em uma situação financeira difícil.
Ainda assim, devido a sua boa educação, Luís consegue emprego em um jornal ligado ao governo, tornando-se funcionário público.
Sua vida era simples, sem regalias e seu salário era contado. Com muito custo, Luís consegue, entretanto, fazer uma pequena poupança.
O protagonista vive em uma pensão e lá conhece Marina, uma bela jovem por quem se apaixona. Assim, pede a mão da moça em casamento e dá a ela suas economias para que faça a compra do enxoval, dinheiro que Marina gasta em futilidades.
Passado um tempo, Luís percebe que a noiva se envolveu com seu colega do jornal, Julião Tavares, e resolve terminar o relacionamento. Nessa altura Luís já estava sem nenhum dinheiro e com algumas dívidas.
Mesmo se afastando de Marina, desenvolve uma obsessão pela moça, ao passo que decide se vingar do colega.
Luís da Silva, tomado pelo ressentimento, comete então o assassinato de Julião. A partir desse momento, inicia-se um processo ainda mais complexo de pensamentos frenéticos misturados com memórias. O livro termina com o protagonista em desespero e angústia, atormentado pela possível descoberta do crime.
Análise e comentários
Em Angústia, Graciliano Ramos consegue aliar a crítica social a uma narrativa introspectiva, na qual adentramos a mente do personagem e podemos ouvir seus pensamentos e conhecer sua história a partir do seu ponto de vista.
Diferente de outros livros do autor, a obra apresenta uma escrita delirante e fantasiosa em muitos momentos.
A partir de um personagem que transita em muitas camadas da sociedade, podemos entrar em contato com várias realidades do contexto histórico e entender as contradições e disputas existentes no período.
Julião Tavares tinha boa situação financeira e representa a classe burguesa do início do século XX, em contraposição com o protagonista, que vem de uma família tradicional, mas decadente e pobre.
Assim, é colocada em questão é uma crítica à burguesia que despontava na Era Vargas, que pouco a pouco foi tomando o lugar da elite tradicional.
3. São Bernardo (1934)
O livro São Bernardo, publicado em 1934, é uma das obras de destaque de Graciliano. Assim como em Angústia, é contado em primeira pessoa. A narrativa traz o percurso de Paulo Honório, um garoto órfão que consegue se tornar dono da fazenda São Bernardo e ascender socialmente.
Nos primeiros capítulos acompanhamos Paulo em uma tentativa de estruturar a escrita de suas memórias. Para isso convida algumas pessoas para ajudá-lo na tarefa, mas elas se recusam e só o jornalista Godim aceita.
Entretanto, após Godim apresentar algumas páginas, Paulo Honório as descarta e percebe que, se quiser contar sua história como gostaria, ele mesmo teria que escrevê-la.
Então, apenas no terceiro capítulo, entramos em contato de fato com as memórias do personagem.
Por ser um sujeito de pouco estudo, bronco e rude, Paulo apresenta uma linguagem coloquial, bastante fluida e carregada de expressões e gírias da década de 30 no nordeste.
Ele conta de maneira muito honesta como foi sua trajetória até conseguir a fazenda na qual um dia foi empregado.
A ganância e desejo de “subir de vida” levam o personagem a realizar diversas ações controversas, envolvendo-se em encrencas e falcatruas para atingir os objetivos.
Análise e comentários
Esse é um romance psicológico que, como é próprio do autor e da segunda fase do modernismo, apresenta forte crítica social e caráter regionalista.
A obra nos mostra um processo de desumanização do personagem ao mostrar sua visão de mundo, na qual tanto as coisas como as pessoas devem ter alguma “utilidade”. Assim, a relação que desenvolve com sua esposa é marcada por sentimentos de posse e ciúmes. Paulo Honório acaba por retratar a pior face da ganância e do sistema econômico que rege o mundo.
O crítico literário e professor Antônio Cândido fez a seguinte declaração sobre a obra:
Acompanhando a natureza do personagem, tudo em São Bernardo é seco, bruto e cortante. Talvez não haja em nossa literatura outro livro tão reduzido ao essencial, capaz de exprimir tanta coisa em resumo tão estrito.
4. Memórias do cárcere (1953)
Memórias do cárcere é um livro autobiográfico que teve seu primeiro volume publicado após a morte do autor, em 1953.
As memórias se referem ao período em que Graciliano foi um preso político do Governo de Getúlio Vargas, entre 1936 e 1937, por seu envolvimento com a ideologia comunista.
O processo de escrita da obra foi iniciado apenas dez anos depois, em 1946. Na obra, dividida em quatro volumes, o escritor narra as lembranças dos anos vividos na prisão, integrando acontecimentos pessoais e histórias de seus companheiros.
Obviamente, é uma literatura bastante crítica e dura, revelando as injustiças e atrocidades, como censuras, torturas, mortes e desaparecimentos que ocorreram na ditadura de Vargas.
Para melhor compreensão, segue trecho do livro:
O congresso apavorava-se, largava bambo as leis de arrocho – vivíamos de fato numa ditadura sem freio. Esmorecida a resistência, dissolvidos os últimos comícios, mortos ou torturados operários e pequeno-burgueses comprometidos, escritores e jornalistas a desdizer-se, a gaguejar, todas as poltronices a inclinar-se para a direita, quase nada poderíamos fazer perdidos na multidão de carneiros.
5. Infância (1945)
Outro livro autobiográfico de Graciliano é Infância, no qual ele conta sobre seus primeiros anos de vida, até a chegada da adolescência.
Nascido em Quebrângulo, cidade de Alagoas, em 1892, o escritor narra uma infância difícil, em um cenário cheio de repressões e medo, como era típico para as crianças no final do século XIX no nordeste.
Assim, partindo de sua experiência pessoal e lembranças, o autor consegue traçar um retrato comportamental da sociedade no que se refere ao tratamento com as crianças em um determinado período histórico.
O livro apresenta uma crítica ao sistema pedagógico ao qual o escritor foi submetido, entretanto, segundo a pesquisadora Cristiana Tiradentes Boaventura, é também uma retomada à infância a fim de se reconciliar com sua história. Ela diz:
Quando se lê as memórias do autor, o lado sombrio instituído nas relações entre as personagens domina as primeiras leituras. Porém, é muito surpreendente perceber que sua leitura sobre o passado em meio a tanta violência também é atravessada por outros sentidos, como a construção de uma identidade envolta por experiências e sentimentos conciliatórios, o resgate de momentos positivos e afetuosos e a procura pela compreensão do outro.
Quem foi Graciliano Ramos?
O escritor Graciliano Ramos (1892-1953) foi um importante nome da literatura nacional da segunda fase do modernismo, que ocorreu entre 1930 e 1945.
Sua produção foi marcada pela crítica à sociedade e ao sistema vigente, além de apresentar características regionalistas e a valorização do povo e da cultura brasileira.
Além de escritor, Graciliano também exerceu cargos públicos, como em 1928 quando foi prefeito de Palmeira dos Índios, cidade alagoana. Anos depois trabalhou em Maceió como diretor da Imprensa Oficial.
Graciliano teve um vasta produção e recebeu diversos prêmios ao longo de sua carreira. Faleceu aos 60 anos, vítima de câncer de pulmão.
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