Jean-Michel Basquiat: 10 obras do gênio rebelde
Jean-Michel Basquiat foi um notório artista norte-americano que se tornou uma grande influência no mundo da pintura e um verdadeiro ícone pop.
Na adolescência, iniciou o seu percurso de grafiteiro como parte do duo SAMO, em Nova York. Logo ganhou popularidade e seus quadros neo-expressionistas, atravessados por temas políticos e sociais, foram conquistando o público.
Da arte de rua aos grandes museus e leilões internacionais, a obra e a vida de Basquiat são inigualáveis. Confira, abaixo, a análise de 10 quadros famosos do pintor.
1. Ironia do Policial Negro (1981)
Uma das obras mais famosas de Basquiat, Ironia do Policial Negro carrega mensagens sociais evidentes. Aqui, não existe um recado sutil nem uma insinuação: o pintor tece duras críticas às práticas racistas que vigoravam (e ainda vigoram) nos Estados Unidos.
Negro e filho de imigrantes, ele não tinha medo de "meter o dedo na ferida" e confrontar a sociedade norte-americana com suas falhas e preconceitos.
O quadro em análise, que combina grafite e pintura expressionista, apresenta um indivíduo no centro. O seu chapéu, que se assemelha a uma gaiola, o identifica como um agente da Polícia.
Nos Estados Unidos da América, como em outros países, as forças policiais são conhecidas pela sua brutalidade, sobretudo com os cidadãos negros. A dualidade de padrões e a violência da autoridade têm sido denunciadas em massa nas últimos anos com o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam).
No começo da década de 80, Basquiat já estava alertando para estas questões, se perguntando por quê um homem negro se juntaria a uma polícia racista.
A profissão, neste caso, é vista como uma outra forma de domínio e opressão. Isso fica explícito com a palavra "pawn" (peão, alguém que é manipulado) no canto inferior direito.
2. Pássaro no Dinheiro (1981)
A obra de Jean-Michel Basquiat é atravessada por elementos da cultura afroamericana e personalidades do movimento dos direitos civis.
Pássaro no Dinheiro é uma homenagem ao músico Charlie Parker, um dos seus ídolos. O saxofonista e compositor de jazz, que era conhecido como yardbird (pássaro), está representado como uma ave.
No quadro, há a representação de um cemitério e as palavras "Para Morir" (morrer). Parker, assim como Basquiat, levou uma vida curta, marcada pelo sucesso e pelo consumo de álcool e drogas.
Há, claramente, uma identificação entre as histórias de ambos, algo que é confirmado pela placa que diz "Green Wood" , à esquerda. Este trata-se do local onde o pintor cresceu e veio a ser sepultado.
Apaixonado por música, Jean-Michel chegou mesmo a ter uma banda com o diretor Vincent Gallo. Pensa-se que a forma como as imagens estão organizadas no quadro pretendia representar o próprio som do jazz.
3. Sem título (Caveira) (1981)
Basquiat fez várias representações de caveiras e crânios humanos, entre as quais esta se destaca. Durante a infância, o artista foi atropelado e quebrou o baço, o que levou a uma operação.
Durante o tempo de recuperação, ele ganhou um livro de anatomia que despertou o seu interesse pelos desenhos detalhados do corpo humano.
Na pintura, o rosto parece ser feito de retalhos, partes que não combinam umas com as outras, quase como se fossem montadas ao acaso.
Há também a representação do interior e do exterior do crânio, unidos por pontos, como se estivessem costurados um ao outro. A imagem também pode remeter para o mapa do metrô de Nova York.
O quadro combina as heranças culturais haitianas e porto-riquenhas do artista com o cárater urbano da sua obra (o rosto lembra os autorretratos de grafiteiros anônimos).
O seu significado continua sendo um mistério: as letras no topo parecem em código, rabiscos que não conseguimos decifrar. É evidente, no entanto, que apesar das cores vivas, existe uma carga disfórica e perturbadora.
4. Pescaria (1981)
Pescaria é umas das obras de grafite mais populares de Basquiat, onde fica evidente o estilo neo-expressionista do pintor. Notemos a energia, as cores vivas, as pinceladas rápidas e a figura de grandes dimensões.
No centro, está um homem com espinhos em volta da cabeça, que carrega uma cana nas costas e segura um peixe pela linha. Os traços brancos mostram ainda o seu esqueleto, o interior do seu corpo.
Nesta fase da sua produção artística, a influência da street art ainda está muito presente. O quadro foi pintado na época em que Basquiat tinha acabado de trocar os prédios abandonados pelas telas.
5. Deus, Lei (1981)
Embora este seja um desenho a lápis numa folha de papel, não se trata de um esboço: é a obra em si. Com claras influências do grafite e da arte de rua, Basquiat questiona os conceitos tradicionais de pintura e o próprio mundo das "belas artes".
Estamos perante mais uma criação através da qual o artista denuncia as desigualdades sociais, a injustiça e a pobreza. Ainda durante a adolescência, o pintor integrou a dupla de grafite SAMO, com o amigo Al Diaz.
O tag significava "same old shit" (sempre a mesma merda) e era usado para espalhar mensagens de rebeldia e indignação pela cidade. Este caráter subversivo continuou presente ao longo da sua obra e é evidente no quadro em análise.
Altamente simbólico, ele retrata uma balança, imagem universalmente associada à justiça. Em baixo de cada um dos pratos, estão escritas as palavras "Deus" e "Lei" .
No centro, e acima de ambos, está um cifrão, símbolo amplamente ligado ao dinheiro. A posição de destaque não é por acaso: o pintor quer mostrar a corrupção e a ganância que imperam. Deste modo, sublinha que aquilo que move o mundo é o dinheiro, influenciando até nossas noções de lei e religião.
6. Coroas (Peso Líquido) (1981)
Quem conhece um pouco da obra de Basquiat sabe que a coroa de três pontas é um elemento que se repete incontáveis vezes.
Normalmente lida como um símbolo de poder e riqueza, ligada à realeza branca, ela ganha outra conotação nas suas pinturas. Neste contexto, pode ser entendida como um sinal de autoridade ou valor artístico.
O quadro apresenta várias cabeças coroadas que parecem estar dentro de uma pilha de caixas. Uma delas, contudo, carrega uma coroa de espinhos, numa referência a Cristo, que remete para a ideia de sacrifício.
As flechas espalhadas pela tela, em diversas direções, representam Oxóssi (Òsóòsì), uma divindade da religião iorubá que governava a caça. Esta parece ser uma metáfora para a busca incessante de Basquiat pelo sucesso.
"Peso líquido" é algo que costuma ser anunciado nos produtos, determinando a relação entre a quantidade e o valor monetário de alguma coisa. Em Coroas, o subtítulo confirma que esta obra é um comentário sobre a vida e, sobretudo, a arte.
Na sua visão, é preciso sofrer e se sacrificar para alcançar a fama. Aqui, parece haver uma reflexão do artista, sobre seu próprio trabalho e percurso. Fica patente a impressão de que está "se vendendo", que virou uma mercadoria também.
7. Sem título (Boxeador) (1982)
O box é um tema que surge várias vezes na obra do artista, sendo retratado na famosa sessão fotográfica que Basquiat fez com Andy Warhol.
Em Sem título (Boxeador), vemos um homem grande e musculoso, cujo corpo ocupa quase toda a tela. A sua força física é inegável, com os músculos sublinhados por linhas brancas.
Os braços no alto sugerem comemoração, vitória. Contudo, a coroa de espinhos na cabeça remete para a ideia de sofrimento, confirmada por uma cara quase desfigurada.
É possível que Basquiat se identificasse com esta figura. Afroamericano, filho de imigrantes e parte da classe trabalhadora, o artista batalhou muito para conquistar tudo o que teve.
Por isso, talvez se visse como um boxeador, disposto a levar pancadas da vida para ter sucesso. No box, apesar do racismo da época, reinavam homens negros como Joe Louis e Muhammad Ali, ídolos do pintor.
Assim, os punhos fechados e erguidos no ar também podem ser uma referência ao movimento civil que reclamava o empoderamento negro.
8. Cabeza (1982)
Em Cabeza, temos de novo o interesse de Basquiat pela anatomia humana, que se traduziu em muitos desenhos de corpos e crânios. A obra tem 1,69m de altura, a estatura de um homem comum, dando a sensação que se trata de um indivíduo real.
Assume-se que é um auto-retrato, algo que parece ser confirmado pelos cabelos com tranças penteadas para o lado, como o artista costumava usar.
O rosto, dividido no meio, traduz emoções contrastantes: de um lado, parece sorrir e de outro, carrega uma expressão de tristeza. São também evidentes as heranças culturais africanas que se manifestavam na obra do artista.
9. Dispensador de Pez (1984)
As pinturas de Basquiat são, muitas vezes, reflexos da cultura popular em que vivia. Nesta obra, como em outras, o artista apresenta um tema do cotidiano, algo que o público conhecia bem. Trata-se de uma referência aos doces Pez, uma marca muito popular nos Estados Unidos.
Parte do seu sucesso se devia às embalagens de plástico (dispensadores) com formas de bichos e personagens de filmes de animação, nas quais eram vendidos. A imagem atraente cativava crianças e adultos, aumentando as vendas da marca.
Aqui, a embalagem tem a forma de um dinossauro, animal extinto que apenas continua existindo na nossa imaginação. A criatura usa uma coroa, que pode ser interpretada como um símbolo subversivo para a luta de classes e a pobreza.
Deste modo, podemos pensar que se trata de uma critica à sociedade de consumo, associada à opressão financeira das classes mais desfavorecidas.
10. Cavalgando com a Morte (1988)
Cavalgando com a Morte integrou a última exposição do pintor, que veio a falecer no mesmo ano.
Já longe da energia explosiva e das cores vibrantes do passado, o quadro tem apenas um fundo neutro onde se destacam duas figuras.
O tema da morte é representado numa época em que Basquiat levava um estilo de vida particularmente destrutivo, por causa do consumo de cocaína e heroína.
Quase profético, o artista realmente estava caminhando para o final e acabou morrendo de overdose. A obra mostra que mesmo sem salvação, ele mantinha a consciência do que estava vivendo.
Na pintura, é também notória a influência dos grandes mestres, sobretudo Duas Alegorias da Inveja, de Leonardo da Vinci.
Sobre Jean-Michel Basquiat
Jean-Michel Basquiat (22 de dezembro de 1960 - 12 de agosto de 1988) foi um artista norte-americano e uma das figuras mais emblemáticas do seu tempo.
Iniciando a carreira como grafiteiro, com o pseudônimo SAMO, seu trabalho começou a chamar a atenção nas ruas de Nova York.
Com talentos multifacetados, foi se destacando no meio das artes, trabalhando com pintura, televisão, música e cinema. O seu magnetismo e a força de suas criações tornaram Basquiat um ícone. As suas relações de proximidade com algumas celebridades também contribuíram para o status.
Vale a pena lembrar a sua grande amizade e parceria artística com Andy Warhol, o nome maior da pop art. Acredita-se que o estado de dependência química do pintor piorou depois da morte do amigo, em 1987.
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