Lenda da Iara: completa e analisada
Iara é uma das personagens mais importantes do folclore brasileiro. A criatura, que é metade humana e metade peixe, vive no rio Amazonas e fascina os pescadores com a sua beleza e com o seu canto hipnotizador que leva os homens à desgraça.
A lenda, que tem origem europeia e elementos indígenas, foi recontada por autores importantes como José de Alencar, Olavo Bilac, Machado de Assis e Gonçalves Dias.
Lenda da Iara
Protetora dos rios e da pesca e conhecida como a “mãe das águas”, a sereia Iara é também muito temida pelos homens que pescam e navegam nos rios do norte do País e pelos que caçam em regiões próximas.
Contam que Iara, uma bela índia, viveu durante muitos anos em uma tribo daquela região. O trabalho era dividido: os homens saíam para caçar e pescar; e as mulheres cuidavam da aldeia, dos filhos, do plantio e da colheita.
Certo dia, a pedido do pajé, Iara foi colher em uma nova plantação de milho, que até então não conhecia. A índia mais velha da tribo explicou o caminho para Iara, que saiu cantando pela trilha que a levaria até o local da colheita.
A indiazinha seguiu observando o canto dos pássaros e o colorido das aves que voavam perto de um lindo igarapé. Entusiasmada e com muito calor, ela resolveu se banhar naquelas águas claras, tranquilas e cristalinas.
Iara ficou por muito tempo dentro do rio, brincando com os peixes e cantando para os pássaros. Horas mais tarde, esquecendo-se completamente do trabalho, ela se deitou para descansar um pouco e adormeceu profundamente. Quando despertou, já era noite e percebeu que não conseguiria voltar para casa.
No dia seguinte, estava cantando, sentada sobre as areias claras do rio, sacudindo seus lindos cabelos, quando duas onças famintas apareceram e partiram para o ataque. Iara correu rapidamente em direção ao rio.
Os peixes, com quem Iara havia passado o dia todo brincando, a avisaram do perigo e disseram para ela entrar rápido na água. Foi então que Iara, para fugir das onças, mergulhou nas águas e nunca mais voltou à tribo.
Ninguém sabe, ao certo, o que aconteceu. Algumas pessoas dizem que ela virou uma linda sereia que, por detestar ficar sozinha, usa o seu canto e a sua beleza para atrair os pescadores e outros homens que se aproximam dos rios para levá-los para o fundo das águas.
Segundo uma das histórias contadas pelos habitantes daquela tribo, certo dia, num final de tarde, um jovem índio voltava para sua aldeia, após mais um dia de pesca, quando derrubou o remo de sua canoa nas águas do rio.
Muito corajoso, o jovem mergulhou naquelas águas, pegou o remo e, quando estava subindo na canoa, Iara apareceu e começou a cantar.
Hipnotizado pelo canto da linda sereia, o índio não conseguiu se afastar. Foi nadando em sua direção e, impressionado, ainda pôde ver que as aves, os peixes e todos os animais à sua volta também estavam paralisados com o canto da Iara.
Por um momento, o jovem ainda tentou resistir, agarrando-se ao tronco de uma árvore que estava na margem, mas não adiantou: ele logo foi parar nos braços da linda sereia. E afundou com ela, desaparecendo para sempre nas águas do rio.
Um velho cacique que passava pelo local viu tudo, mas não conseguiu ajudar. Dizem que ele é o contador da história e que até inventou um ritual para livrar-se do feitiço da Iara. Mas os poucos que conseguiu retirar do fundo das águas ficaram alucinados por causa dos encantos da sereia.
Texto retirado e adaptado do livro Lendas Brasileiras - Iara, de Mauricio de Souza (editora Girassol, 2015).
Análise da Lenda de Iara
A lenda da região amazônica tem como personagem principal uma criatura híbrida, assim como muitos personagens da mitologia. Iara é metade animal (peixe) e metade humana (mulher). Fisicamente descrita como sendo uma índia, com pele morena, cabelo liso, longo e castanho, a origem de Iara remonta histórias de origem europeia que ganharam um colorido local.
Significado do nome Iara
Iara é uma palavra indígena que quer dizer “aquela que vive na água”. A personagem é também conhecida como Mãe-d’Água. Outra versão para o nome da personagem principal da história é Uiara.
Explicações sobre a personagem
A personagem Iara pode ser lida, por um lado, como o ideal da mulher desejada e inacessível. Essa leitura faz referência ao fato dos portugueses terem deixado para trás, em terra, as mulheres que amavam. Essa ausência fez com que imaginassem uma mulher platônica, Iara. A moça seria então o símbolo de uma mulher linda, cobiçada, mas ao mesmo tempo inatingível.
Por outro lado, Iara também desperta a leitura de ser uma imagem materna, especialmente por muitas das suas representações enfatizarem o seio nu, que alude à amamentação.
Mário de Andrade, fez uma análise de Iara baseado na teoria psicanalítica e constatou que a presença da moça irresistível fala do “desejo inconsciente de voltar ao regaço materno. Mas, como no inconsciente o incesto é tabu, é punido terrivelmente com a morte daquele, que se deixa iludir pela atração fatal da mãe d’água! (...) É o castigo de Édipo que violou o tabu do incesto materno!”. Iara, seria assim, ao mesmo tempo, símbolo da maternidade e da punição daqueles que ousaram cruzar a fronteira para se relacionarem com ela.
Iara era inicialmente um personagem masculino
As primeiras versões da lenda que conhecemos hoje em dia tinham como protagonista um personagem masculino chamado Ipupiara, uma criatura mítica com tronco humano e cauda de peixe que devorava os pescadores e levava-os para o fundo do rio. Ipupiara foi descrito por uma série de cronistas colonizadores entre os séculos XVI e XVII.
A transformação de Ipupiara em personagem feminino, com toques sedutores que vieram da narrativa europeia, só aconteceu no século XVIII. Foi só a partir de então que o protagonista da lenda passou a ser a bela jovem Iara (ou Uiara).
A origem europeia da lenda
Embora o nome da protagonista seja indígena, a origem da lenda famosa do folclore nacional é pode ser encontrada no imaginário europeu - como, por sinal, grande parte do imaginário folclórico brasileiro.
Havia, sim, uma lenda indígena cujo protagonista era Ipupiara, uma criatura humana e marinha que devorava os pescadores. Esse registro foi feito pelos colonizadores cronistas entre os séculos XVI e XVII.
A versão que conhecemos, da sedutora Iara, foi trazida para cá pelos colonizadores, tendo se misturado com a narrativa local e ganhado traços originais.
Podemos rastrear a raiz de Iara nas sereias gregas. A história de Iara se assemelha muito com aquela protagonizada por Ulisses. Nessa versão, a feiticeira Circe aconselhou o rapaz a se amarrar no mastro do navio e a tapar as orelhas dos marinheiros com cera, para que não fossem encantados com as vozes das sereias. Olavo Bilac confirma a origem europeia do mito:
“A Iara é aquela mesma Sereia dos primeiros gregos, metade mulher, metade peixe, que o avisado Ulisses um dia encontrou nas suas peregrinações pelo mar”.
O etnógrafo João Barbosa Rodrigues também escreveu em 1881 na Revista Brasileira sobre a origem da nossa sereia que veio certamente do velho continente:
“A Iara é a sereia dos antigos com todos os seus atributos, modificados pela natureza e pelo clima. Vive no fundo dos rios, à sombra das florestas virgens, a tez morena, os olhos e os cabelos pretos, como os filhos do equador, queimados pelo sol ardente, enquanto que a dos mares do norte é loura, e tem olhos verdes como as algas dos seus rochedos.”
É possível localizar também a origem do mito de Iara na cultura portuguesa, onde havia a lenda das mouras encantadas, que cantavam e encantavam os homens com as suas vozes.
O mito era muito popular especialmente nas regiões do Minho e do Alentejo em Portugal, e uma parcela dessa população se transferiu para o norte do Brasil no período da colonização.
Escritores e artistas brasileiros que divulgaram a lenda da Iara
Especialmente durante os séculos XIX e XX a lenda da Iara foi muito popularizada e estudada.
José de Alencar, o grande nome do Romantismo brasileiro, foi um dos maiores responsáveis pela divulgação da lenda de Iara. Em várias produções ele incluiu a imagem da sereia que cativava os homens com a sua voz confirmando a sua intenção de divulgar aquilo que considerava ser a “expressão legítima da cultura nacional”.
Gonçalves Dias também foi outro grande autor que perpetuou a imagem de Iara através do poema A mãe d’água (incluído no livro Primeiros cantos, 1846).
Sousândrade igualmente deu visibilidade à sereia na sua principal obra, O Guesa (1902).
Machado de Assis, por sua vez, falou sobre Iara no poema Sabina, presente no livro Americanas (1875) com o mesmo objetivo dos colegas que o antecederam: resgatar e louvar a cultura nacional.
Mas não foi só na literatura que a personagem Iara foi reproduzida. Também nas artes visuais Iara foi retratada por alguns artistas de peso, como é o caso de Alfredo Ceschiatti, que teve a missão de fazer as esculturas de bronze situadas à frente do Palácio da Alvorada:
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