A Cidade e as Serras: resumo do livro de Eça de Queirós
A Cidade e as Serras é um romance do escritor português Eça de Queirós, publicado em 1901, e é um desenvolvimento do conto Civilização.
O livro conta a história de Jacinto, um descendente de portugueses que nasce e cresce em Paris. O romance é narrado pelo seu melhor amigo, Zé Fernandes.
Resumo
O princípio da narrativa
O romance começa com a história do antigos Senhores de Tormes. Dom Galeão, ao andar pelas ruas de Lisboa, escorrega em uma casca de laranja e é socorrido por Dom Miguel. Desse dia em diante ele passa a ser simpatizante e defensor do monarca.
Em 1831 D. Pedro volta para Portugal e reivindica o trono. Mais que uma disputa pelo poder, os dois irmãos representavam ideias diferentes: D. Miguel era conservador e absolutista e D.Pedro era liberal.
A mudança para Paris
Com a vitória do liberalismo e a queda de Dom Miguel, Dom Galeão sai de Portugal e se muda para Paris, num palácio no número 202 da Avenida de Champs-Élysées (Campos Elísios).
Nasce na capital francesa o seu filho Cintinho, uma criança fraca que se torna um adulto doente. Cintinho tem uma paixão pela filha do desembargador e não arreda de Paris para se casar com ela. Morre pouco tempo depois do casamento, mas tem com Teresinha Velha um filho, Jacinto.
Jacinto é uma criança forte, muito inteligente e com muita sorte. Passa a infância sem contrair doenças e faz o seu percurso no liceu com boas notas. Na adolescência não sofre de sentimentalismos exacerbados.
Jacinto, por sua vez, tem uma vida ideal: seus amigos são leais, independentemente das suas posses, sua inteligência e seu talento são reconhecidos e do amor só havia provado o mel.
Sem interesse pela sua festa, Jacinto não se afadigou em a compor com relevo ou brilho.
O bem aventurado Jacinto
A sorte de Jacinto é tanta que o narrador e seu amigo do liceu, Zé Fernandes, o apelida de Príncipe da Grã-Ventura. Jacinto é um cidadão de Paris, cosmopolita e com toda a sorte a seu favor. É fortemente influenciado pelas ideias positivistas e pelo avanço da civilização.
Ele desenvolve algumas teorias que demonstram a superação das cidades em relação à vida no campo. Estas ideias impressionavam as pessoas em seu círculo pois todos acreditavam que o desenvolvimento tecnológico e a erudição era o caminho para a felicidade dos indivíduos. E somente na cidade que se poderia aproveitar a máxima potência desses dois fatores.
Dois impulsos únicos, correspondendo a duas funções únicas, parecia estarem vivos naquela multidão — o lucro e o gozo.
Jacinto é a representação dessa máxima felicidade que a cidade pode dar ao homem. Com posses quase ilimitadas e uma grande sorte, ele vive Paris envolto nas mais recentes inovações e acumula uma grande erudição.
Zé Fernandes e Jacinto convivem em Paris até que Zé Fernandes tem que voltar para a sua aldeia em Guidões, no Douro, onde passa sete anos administrando a propriedade da sua família.
O regresso a Paris
Quando retorna a Paris, Zé Fernandes encontra seu Príncipe da Grã Ventura em uma situação totalmente diferente de quando deixou a capital francesa. Jacinto está magro e pálido, com uma agenda cheia de afazeres e compromissos mundanos que não parecem dar nenhum prazer ao Príncipe.
O palácio de Jacinto está cheio das mais diversas inovações tecnológicas. São inúmeras invenções feitas para facilitar algumas tarefas do cotidiano, mas que parecem ter vida própria e ameaçam os seus usuários. Ao percorrer a escrivaninha de Jacinto, Zé Fernandes se corta ao tentar mexer em um desses equipamentos.
A biblioteca do 202 está cheia de livros. São mais de 30 mil volumes que ocupam todas as paredes do cômodo, que se torna escuro com as pilhas de livros tampando as janelas.
E libertado enfim do invólucro sufocante da sua Biblioteca imensa, o meu ditoso amigo compreendia enfim a incomparável delícia de ler um livro.
Um cotidiano infeliz
Porém, mesmo com todas as inovações e todas as erudições possíveis, Jacinto não parece feliz em Paris. A sua filosofia parece não ter o efeito desejado. O máximo avanço e a máxima erudição não trouxeram a máxima felicidade.
A narrativa segue com alguns encontros mundanos que mais aborrecem que entretém. Os avanços tecnológicos da casa causam mais transtornos que facilidades. Durante um importante jantar com o Grão Duque o elevador que levaria a comida da cozinha para a copa trava e os convivas ficam sem o prato principal que ficou encalhado.
Outro acontecimento é um vazamento dos encanamentos de água quente, que transformaram o palácio em um rio de água escaldada. Jacinto, porém, não parece se abalar com essas falhas e ainda segue a sua filosofia. Promove uma reforma na casa, compra mais livros e enche de mais invenções o seu palacete, na esperança de que algo daquilo lhe traga a satisfação que ele acredita só ser possível encontrar na cidade.
O burguês triunfa, muito forte, todo endurecido no pecado — e contra ele são impotentes os prantos dos Humanitários, os raciocínios dos Lógicos, as bombas dos Anarquistas.
Jacinto insiste no máximo avanço e na máxima erudição. Enquanto continuar a equipar a casa com novas invenções, ele recebe uma carta que conta sobre uma tempestade em Tormes, que levou a pequena igreja da sua propriedade a desbarrancar junto com os ossos de seus antigos familiares.
O Príncipe ordena a reconstrução da igreja e começa a surgir a ideia de ir à Tormes para a reinauguração do espaço. No meio tempo a vida em Paris segue e até Zé Fernandes começa a ser influenciado pela cidade. Ele se apaixona por uma prostituta de luxo, gasta todo seu dinheiro com essa mulher, até que ela desaparece e o deixa acabado em Paris.
O retorno à Tormes
Jacinto resolve ir mesmo às serras para a inauguração da igreja. Os preparativos para a viagem começam. O Príncipe se mostra mais animado com os planos para a viagem. Ele tem a intenção de levar a sua grande civilização para Tormes.
Caixas e mais caixas são despachadas de Paris para às serras com meses de antecedência para que Jacinto chegasse à propriedade e encontrasse os mesmos confortos de seu palácio no 202.
No dia viagem, Jacinto e Zé Fernandes partem de Paris com ainda mais bagagem para a longa viagem de trem até Tormes. Por conta de uma tempestade, o trem se atrasa para chegar na Espanha, e os dois amigos são transferidos às pressas de vagão para poder seguir viagem.
Durante a transferência de trens as malas e o criado ficam para trás. Jacinto e Zé Fernandes chegam em Tormes usando apenas a roupa do corpo. Depois da longa e cansativa viagem, os dois amigos esperam encontrar na estação o administrador da propriedade de Tormes ou o caseiro com os cavalos para subir a serra em direção à propriedade de Jacinto.
Com certeza, Zé Fernandes! Com a certeza de Descartes. “Penso, logo fujo!” Como queres tu, neste pardieiro, sem uma cama, sem uma poltrona, sem um livro?...
Porém ninguém aparece na estação. Surpresos, Jacinto e Zé Fernandes conseguem um burro para subir a serra. Ao chegarem na casa de Tormes, eles têm mais uma surpresa. As obras na casa ainda não acabaram e as caixas enviadas de Paris ainda não haviam chegado.
A desilusão e uma grata surpresa
Já muito tarde e cansados os dois resolvem pernoitar na propriedade desprovida de qualquer luxo. Jacinto encontra-se extremamente incomodado com a falta de luxos e com a tamanha confusão que a sua tão planejada viagem se tornou. Tanto que resolve partir para Lisboa no dia seguinte.
Porém, mesmo em meio a tantas decepções, Jacinto tem a sua primeira boa experiência na serra, um jantar simples, porém extremamente saboroso. No dia seguinte, Zé Fernandes parte para Guidões e manda para Jacinto uma muda de roupa limpa.
Zé Fernandes volta a sua rotina nas serras e passa meses sem receber notícia de Jacinto, que ele acredita que está ficando em Lisboa. Até que ele toma o conhecimento que o seu Príncipe não havia deixado Tormes.
Porque o dono de trinta mil volumes era agora, na sua casa de Tormes, depois de ressuscitado, o homem que só tem um livro.
O reencontro de Fernandes e Jacinto
Fernandes parte para Tormes para encontrar o seu amigo. Lá encontra Jacinto forte e feliz como há tempos ele não ficava em Paris. Jacinto está se estabelecendo nas serras, mas seu espírito ainda está ligado à cidade.
O Príncipe tem planos mirabolantes para a propriedade, como uma queijaria toda importada da Suíça e uma horta com todas as espécies do mundo. Porém, aos poucos, vai compreendendo a simplicidade da serra e aceitando-a.
Descobrindo Portugal
Jacinto fica deslumbrado com a terra até que conhece a miséria e a fome que também existem na sua propriedade. Ele promove uma melhoria em todas as casas de sua propriedade. Sua benevolência com os pobres começa a ser conhecida por toda a serra.
Em dezembro Zé Fernandes faz aniversário e, para comemorar a ocasião, prepara um jantar e um bailado em casa. Essa é a oportunidade que ele tem para apresentar Jacinto aos seus vizinhos, amigos e familiares.
O jantar não ocorre como o esperado, os convivas não se animam e parecem um pouco desconfiados com o seu convidado especial. Logo, ele descobre que corre nas serras a desconfiança que Jacinto seja miguelista, como seu avó.
E eu agora, furioso com aquela disparada invenção, que cercava de hostilidade o meu pobre Jacinto, estragava aquela amável noite de anos...
Jacinto acha graça na história. Uma das intenções de Zé Fernandes era poder apresentar seu Príncipe para a sua prima, porém, ela não pode ir ao jantar por causa da doença de seu pai. Fernandes leva Jacinto para a casa de sua prima no dia seguinte para apresentá-los.
Poucos meses depois eles se casam e passam a morar em Tormes, onde têm dois filhos, uma menina e um menino. A civilização avança um pouco nas serras, mas de forma muito discreta, com telefones ligando a casa de Tormes a alguns serviços essenciais e ao amigo Zé Fernandes em Guidões.
Zé Fernandes ainda volta para Paris, mas só para confirmar que a civilização continua a mesma, com suas propagandas, suas caras cheias de pó de arroz e seus teatros de variedade.
O romance A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, pode ser lido na íntegra em formato pdf.
Interpretação
A Cidade e as Serras é um livro que nos apresenta dois cenários diferentes, Paris e Tormes. A unidade destes cenários nos é dada pelo personagem principal Jacinto e o seu estado de alma.
A narrativa propõe uma leitura de valores que não é estática. No começo a tese de Jacinto e do romance é que a civilização é a suma potência e a suma felicidade. Em contrapartida, a antítese é que as serras são um lugar onde a natureza floresce e oprime o homem, que tem que disputar com ela os espaços e os alimentos.
Ao longo do romance, a teoria de Jacinto começa a se provar errada. Apesar de estar na cidade e cercado da suma potência civilizatória, Jacinto não se sente feliz. A tese inicial é negada, logo a antítese também é.
Então compreendi que, verdadeiramente, na alma de Jacinto se estabelecera o equilíbrio da vida, e com ele a Grã-Ventura, de que tanto tempo ele fora o Príncipe sem Principado.
A ida de Jacinto às serras apresenta a síntese do romance. As serras em seu estado natural também apresenta males, como a fome e a miséria. Mas a intervenção civilizatória de Jacinto remedia a situação.
A suma potência da civilização oferece tantas possibilidades e tantos caminhos que o indivíduo não consegue ser feliz pois a tamanha oferta impede uma ação. Já a serra, com a sua natureza, é um convite para a ação. Porém, não dispõe dos aspectos positivos que a civilização oferta.
A síntese é a vida nas serras com alguns confortos da civilização que permitem que Jacinto usufrua de "alguma" potência para alcançar a suma felicidade.
Personagens Principais
Jacinto
É o personagem principal, o Príncipe da Grã Ventura. Rico, com saúde e inteligência, tem uma infância afortunada em Paris. Entusiasta da civilização, das novas tecnologias e da erudição.
Zé Fernandes
É o narrador e o melhor amigo de Jacinto. Tem uma pequena propriedade nas serras perto de Tormes. Conhece Jacinto na escola em Paris e frequenta o seu palácio nos Campos Elísios.
Grilo
É o mais antigo criado de Jacinto, o acompanha desde a infância.
Dom Galeão
É o avô de Jacinto, que deixou Portugal para mudar-se para Paris.
Joaninha
É a prima de Zé Fernandes e vive nas serras. Casa com Jacinto, com quem tem dois filhos.
Produção literária de Eça de Queirós
Este é um romance póstumo de Eça de Queirós, publicado em 1901 (o escritor havia morrido no ano anterior). A obra de Eça pode ser divida em três fases: a pré-realista, a realista e a pós-realista. A Cidade e as Serras se encontra na última.
Suas maiores obras são da segunda fase, na qual o romancista faz duras críticas à sociedade portuguesa, pelas suas relações de interesse e hipocrisia. Na última fase o autor parece ter uma reconciliação com o seu país. Podemos observar isso neste romance.
O campo português é exaltado pelo autor, com a sua exuberância natural e o seu povo simples, porém trabalhador e correto.
Dentro do contexto da obra de Eça, essa exaltação do campo também pode ser entendida como uma crítica à sociedade urbana de Portugal, que era extremamente influenciada pelos hábitos franceses.
Mas o que sobretudo a cativou foi o tremendo apetite de Jacinto, a entusiasmada convicção com que ele, acumulando no prato montes de cabidela, depois altas serras de arroz de forno, depois bifes de numerosa cebolada, exaltava a nossa cozinha, jurava nunca ter provado nada tão sublime.
A cidade deste livro é Paris. Isso pode ser entendido como uma analogia com a elite portuguesa que se inspirava nos modos parisienses. Esta cidade também foi a última residência do autor, onde ele faleceu.
Contexto histórico
O final do século XIX e o começo do século XX foram marcados pela ascensão das ideias positivistas e teorias civilizatórias. O método científico e as inovações tecnológicas, que vinham da industrialização, mostravam um futuro brilhante pela frente.
Porém, ao mesmo tempo que as cidades cresciam e a elite prosperava, uma massa de proletários expulsos do campo tomavam a periferia dos grandes centros urbanos, vivendo em situações precárias.
Análise de A Cidade e as Serras
A obra de Eça nos mostra uma visão crítica de Paris e da elite positivista, que acredita que a tecnologia e o conhecimento levarão a sociedade a uma época de felicidade e prosperidade. Porém, esta mesma elite vive entediada em meio à cidade, travando relações banais, baseadas em interesses e sem nenhuma profundidade.
As teorias filosóficas apresentadas pelo autor servem, acima de tudo, para justificar a atitude do personagem principal Jacinto. No começo do romance a sua máxima filosófica pode ser resumida numa formula matemática: suma ciência vezes suma potência é igual a suma felicidade.
O romance apresenta inicialmente um personagem cheio de fortuna e felicidade, apelidado como Príncipe da Grã Ventura pelo narrador. No entanto, a vida em Paris se mostra cheia de aparências e com poucos significados.
Uma noite no meu quarto, descalçando as botas, consultei o Grilo:
— Jacinto anda tão murcho, tão corcunda... Que será, Grilo?
O venerando preto declarou com uma certeza imensa:
— Sua Excelência sofre de fartura.
Jacinto vai ser tornando deprimido e começa a se interessar pelo pessimismo. Essa corrente filosófica serve como justificativa para explicar o mal-estar de Jacinto, que abandona as suas atividades para ficar em casa.
O panorama da cidade fica completo quando Jacinto e Zé Fernandes tem uma visão de cima de um morro de Paris. A cidade é cinza, sua periferia é enorme e sem vida, o avanço da civilização parece trazer mais miséria que felicidade.
Mas quê, meu Jacinto! a tua Civilização reclama insaciavelmente regalos e pompas, que só obterá, nesta amarga desarmonia social, se o Capital der Trabalho, por cada arquejante esforço, uma migalha ratinhada. Irremediável, é, pois, que incessantemente a plebe sirva, a plebe pene!
Eça não nega os confortos da civilização nem o aspecto positivo de uma sociedade cosmopolita, que aceita a diferença com mais facilidade que a sociedade rural.
Já nas serras do Douro, Jacinto é visto com desconfiança no começo. Por causa do passado da sua família ele é considerado um miguelista pelos seus vizinhos.
Em Paris, o circuito de amigos de Jacinto é mais receptivo e é constituído por uma enorme variedade de pessoas. Mesmo assim, o que está em jogo nessas relações são interesses mundanos, não afinidades.
Em oposição a esse lugar infértil que é a cidade, Eça nos apresenta as serras do Douro como um lugar fértil, cheio de vida e de felicidade. A descrição das serras é extensa e minuciosa, principalmente da sua exuberância natural.
Na serra ou na cidade cada um espera o seu D. Sebastião. Até a lotaria da Misericórdia é uma forma de Sebastianismo.
A comida na serra também é exaltada como algo natural e bom em comparação com a comida em Paris, cheia de molhos e caldos, que escondem a verdadeira essência do alimento.
Na serra de Eça de Queirós também existe a fome e a miséria. Porém nesse caso Jacinto pode remediar a situação e prover dignidade às pessoas simples da terra.
Conheça também: