Grande sertão: veredas (resumo e análise do livro)
Grande Sertão: veredas (1956), de Guimarães Rosa, é considerado um clássico da literatura brasileira e faz parte do movimento modernista.
A obra apresenta escrita inovadora, valorizando a oralidade e linguagem do sertanejo de Minas Gerais, Goiás e Bahia na primeira metade do século XX.
No livro, com cerca de 500 páginas, a história é narrada por Riobaldo, um ex-jagunço já idoso que rememora sua trajetória, aventuras e sentimento amoroso por Diadorim.
Resumo e análise do livro
O romance é escrito em primeira pessoa em uma espécie de monólogo. Entretanto, sabemos que o personagem-narrador está contando sua vida para um homem que veio visitá-lo e é chamado às vezes de “doutor”, “senhor” ou “moço”.
Riobaldo, o protagonista, logo avisa que sua história é longa e cheia de percalços, e que as pessoas costumam ficar três dias no local para ouvi-la.
Assim, em meio a distrações de pensamento, o homem volta ao passado e relata como se tornou jagunço ao conhecer o bando de Joca Ramiro através de interações na fazenda em que morava com Selorico Mendes.
Nessa obra, Guimarães Rosa apresenta uma narrativa marcada pelo regionalismo típico da segunda fase do modernismo brasileiro ao apresentar um cenário e personagens do sertão.
Entretanto, tal regionalismo é colocado como um pano de fundo para explicitar grandes dilemas da humanidade, o que confere ao clássico uma posição de literatura universal também.
O amor por Diadorim
É em meio ao bando de pistoleiros que o protagonista reencontra Reinaldo, também jagunço do grupo. Riobaldo desenvolve um afeto diferente por Reinaldo, que posteriormente revela que seu nome verdadeiro era Diadorim.
Os dois personagens já haviam se conhecido anos antes (na adolescência), quando realizam juntos uma travessia em um pequeno barco, saindo da barranca do Rio de Janeiro e adentrando o tortuoso Rio São Francisco.
Aqui, podemos entender essa travessia - que sai de águas claras e calmas e vai para águas revoltas - como uma rito de passagem, uma transição para a vida adulta e turbulenta.
Assim, com a convivência, Riobaldo e Diadorim se tornam mais próximos e o sentimento em Riobaldo cresce ainda mais, até que ele aceite e admita que nutre um “amor torto” pelo colega, algo impossível de se concretizar.
E de repente eu estava gostando dele, num descomum, gostando ainda mais do que antes, com meu coração nos pés, por pisável; e dele o tempo todo eu tinha gostado. Amor que amei – daí então acreditei.
As reflexões filosóficas de Riobaldo
Enquanto isso, muitos acontecimentos, lutas e disputas ocorrem até o protagonista se tornar chefe do abnado.
É interessante observar como o escritor constrói um jagunço improvável, pois Riobaldo não era um matador típico, com sangue-frio.
Ao contrário, era uma pessoa com sensibilidade para, em meio ao árido sertão, elaborar reflexões filosóficas e pensar no sentido da vida, se questionando sobre temas como o destino, o poder de escolhas, as frustrações e transformações que estamos sujeitos durante a existência no mundo.
O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem.
O pacto com o diabo
Outra questão importante presente no livro é a ideia de Deus e do Diabo. Essa oposição das forças do “bem e do mal” permeia toda a narrativa e o protagonista coloca sempre em dúvida a existência ou não do maldito, como podemos perceber nesse trecho da obra:
O que não é Deus, é estado do demônio. Deus existe mesmo quando não há. Mas o demônio não precisa de existir para haver – a gente sabendo que ele não existe, aí é que ele toma conta de tudo.
Em dado momento, Riobaldo se vê sem saída e precisa matar o líder do bando inimigo, Hermógenes, para vingar a morte de Joca Ramiro, que é pai de Diadorim.
Assim, o pistoleiro reúne toda a sua coragem e marca um pacto fáustico, ou seja, um acordo com o diabo para que consiga realizar com sucesso a dura tarefa.
O termo “pacto fáustico” aparece na lenda de Fausto, em que o personagem vende sua alma. O acontecimento é explorado no clássico da literatura alemã Doutor Fausto (1947), de Thomas Mann e, por isso, o romance de Guimarães Rosa é comparado frequentemente com a obra de Mann, como sendo um “Doutor Fausto do sertão”.
Em Grande sertão o pacto é descrito de maneira similar ao que acontece em Doutor Fausto, trazendo uma cena onírica, em que sonho e realidade se confundem. Dessa forma, fica uma dúvida se de fato tal acordo aconteceu e permanece a incerteza da existência do demônio.
Urutu Branco e a morte de Diadorim
Após o possível encontro do protagonista com o diabo, seu comportamento muda e seu nome passa de Riobaldo Tatarana para Urutu Branco. É nesse momento que ele assume a liderança do bando.
Diadorim, também inconformado com o assassinato de Joca Ramiro, envolve-se em uma luta com Hermógenes e acaba matando-o. Mas o confronto tira sua vida.
É então que Riobaldo, após a morte do amado, descobre sua verdadeira identidade.
O abandono da vida como jagunço
Por fim, Riobaldo decide deixar a vida na jagunçagem e seguir os conselhos do amigo Quelemém, adotando uma vida de “homem definitivo”.
Ele então se casa com Otacília, descrita como uma mulher idealizada, bem ao estilo dos romances de cavalaria, comuns na literatura medieval.
Personagens principais
Riobaldo: É o protagonista e narrador. Ex-jagunço, conta sua história de vida a um visitante ilustre que permanece por três dias em sua casa.
Diadorim: A princípio apresentado como Reinaldo, mais tarde revela seu nome real, Diadorim. Colega do bando e grande amor de Riobaldo.
Hermógenes: Líder do bando inimigo, Hermógenes mata Joca Ramiro e desperta o desejo de vingança em Riobaldo.
Quelemén: Compadre e amigo de Riobaldo.
Otacília: A mulher com quem Riobaldo se casa. É colocada como o ideal de mulher.
Vídeo de Guimarães Rosa sobre Grande sertão: veredas
Confira o único registro audiovisual de João Guimarães Rosa, em que fala em um canal de televisão alemão sobre a romance. Há também a declamação de um trecho da obra.
Quem foi João Guimarães Rosa
João Guimarães Rosa foi um escritor brasileiro nascido em 1908 na pequena cidade de Cordisburgo, em Minas Gerais. Sua produção literária faz parte do modernismo brasileiro, utilizando elementos da segunda e terceira fase do movimento.
O escritor era fluente em vários idiomas e atuou como diplomata, residindo em países da Europa e América Latina.
Sua maneira de escrever impressionou seus contemporâneos, pois trazia elementos regionalistas, mas tinha também um realismo mágico, profundas reflexões filosóficas, além de neologismos, ou seja, invenção de palavras.
O escritor faleceu em 1967 aos 59 anos de um ataque cardíaco fulminante.
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