Livro Helena, de Machado de Assis

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura
Tempo de leitura: 12 min.

Publicado em 1876, o romance Helena foi escrito pelo maior ficcionista da literatura brasileira, Machado de Assis (1839-1908) e pertence à primeira fase da carreira do autor, considerada romântica.

Dividido em 28 capítulos, o romance urbano, que faz duras críticas à sociedade do século XIX, foi originalmente publicado em formato de folhetim, no jornal O Globo, entre agosto e novembro de 1876.

Resumo

A história contada por Machado de Assis tem como cenário o tradicional bairro do Andaraí, localizado no Rio de Janeiro.

Narrado em terceira pessoa por um narrador onisciente, o romance machadiano ambientado durante o século XIX narra as surpresas e desgraças um amor proibido.

O capítulo I se inicia com a morte do Conselheiro Vale, um homem rico, viúvo, de cinquenta e quatro anos, que falece naturalmente.

O Conselheiro Vale morreu às 7 horas da noite de 25 de abril de 1859. Morreu de apoplexia fulminante, pouco depois de cochilar a sesta, — segundo costumava dizer, — e quando se preparava a ir jogar a usual partida de voltarete

O senhor que abandona a história já na primeira página do livro por morte instantânea deixa um único filho, Dr. Estácio, e uma irmã solteira, de cerca de cinquenta e poucos anos, chamada D. Úrsula, que dirigia a casa desde o falecimento da cunhada.

Tratava-se de um sujeito muito popular na região, o Conselheiro ocupava elevado lugar na sociedade e vinha de uma família tradicional. Seu velório reuniu um público composto das mais diversas classes sociais, foram cerca de duzentas pessoas acenar um último adeus ao falecido.

Dr.Camargo, médico e amigo de longa data, encontrou um testamento e abriu na manhã seguinte ao falecimento, na companhia dos outros dois testamenteiros, Estácio e padre Melchior.

Foi o médico o primeiro a ler o testamento e a constatar: "Sabem o que estará aqui dentro? Talvez uma lacuna ou um grande excesso". Sem saber o que dizer à família do falecido, o amigo reflete sobre o assunto e no dia seguinte promete retornar com mais conclusões. Provocar o suspense foi a maneira encontrada pelo médico de preparar os espíritos para a notícia inesperada.

No dia seguinte, Dr.Camargo retorna, abre o testamento com toda a formalidade legal exigida, e comunica que o documento continha uma peça inesperada: a menina Helena.

Para a surpresa de todos, o Conselheiro Vale reconhecia no testamento a existência de uma filha natural, chamada Helena, de dezessete anos, que havia tido com D. Ângela da Soledade.

A jovem estaria em um internato em Botafogo e, segundo as instruções do morto, deveria ir viver com a família sendo legítima herdeira da sua fortuna, assim como o filho Estácio. O Conselheiro ainda pedia que a menina fosse tratada com desvelo e carinho, como se de seu matrimônio fosse.

Estácio e Úrsula jamais haviam ouvido falar em Helena. A primeira reação de Úrsula foi rejeitar completamente a sobrinha, aceitando apenas entregar-lhe parte da herança, mas jamais recebendo-a em casa. A tia, mesmo antes de conhecer a jovem, já a considerava uma intrusa, uma menina qualquer que não deveria ter direito ao amor dos parentes.

Estácio, por sua vez, aceitou de pronto a decisão do pai ("Receberei essa irmã, como se fora criada comigo. Minha mãe faria com certeza a mesma coisa"). A falecida mãe do jovem era conhecida por sua generosidade e capacidade de perdão, de modo que o filho teria herdado características semelhantes as da genitora.

O filho demonstra a mesma disposição ao dizer ao amigo do pai, durante a abertura do testamente, que "essa menina deve achar nesta casa família e afetos de família".

Apesar de não ter conhecido a mãe da nova irmã, D. Ângela da Soledade, Estácio não se preocupou com o futuro: "Quanto à camada social a que pertencia a mãe de Helena, não se preocupou muito com isso, certo de que eles saberiam levantar a filha até à classe a que ela ia subir". Vale lembrar que na época descrita por Machado de Assis o berço era elemento essencial para se perceber o lugar do sujeito na sociedade.

Helena era descrita fisicamente como uma moça delgada, magra e elegante, apesar de possuir atitudes modestas. As feições da moça são altamente idealizadas pelo narrador, confira abaixo o pormenor da descrição dos traços de Helena:

A face, de um moreno-pêssego, tinha a mesma imperceptível penugem da fruta de que tirava a cor; naquela ocasião tingiam-na uns longes cor-de-rosa, a princípio mais rubros, natural efeito do abalo. As linhas puras e severas do rosto parecia que as traçara a arte religiosa. Se os cabelos, castanhos como os olhos, em vez de dispostos em duas grossas tranças lhe caíssem espalhadamente sobre os ombros, e se os próprios olhos alçassem as pupilas ao céu, disséreis um daqueles anjos adolescentes que traziam a Israel as mensagens do Senhor. Não exigiria a arte maior correção e harmonia de feições, e a sociedade bem podia contentar-se com a polidez de maneiras e a gravidade do aspecto. Uma só coisa pareceu menos aprazível ao irmão: eram os olhos, ou antes o olhar, cuja expressão de curiosidade sonsa e suspeitosa reserva foi o único senão que lhe achou, e não era pequeno.

Mas a jovem não era louvada apenas pelos seus atributos físicos, a sua personalidade também era de arrebatar afetos dos que estavam ao redor:

Helena tinha os predicados próprios a captar a confiança e a afeição da família. Era dócil, afável, inteligente. Não eram estes, contudo, nem ainda a beleza, os seus dotes por excelência eficazes. O que a tornava superior e lhe dava probabilidade de triunfo, era a arte de acomodar-se às circunstâncias do momento e a toda a casta de espíritos, arte preciosa, que faz hábeis os homens e estimáveis as mulheres.

Apesar da resistência inicial da tia, Helena é acolhida pela casa e pela família. Por fim, quando Úrsula adoece, finalmente cede a gentileza e a disponibilidade da recém sobrinha e a passa a amparar, como era o desejo do inicial exposto pelo irmão, o Conselheiro.

Em meio a esse turbilhão de acontecimentos, Estácio noiva com Eugênia, a filha do Dr.Camargo, unindo, desse modo, as duas famílias dos grandes amigos. No entanto, a verdade é que o rapaz passa cada vez mais tempo com a irmã, Helena, e se desencanta com a respectiva prometida, que não apresenta os mesmos atributos físicos e psicológicos da parente recém descoberta.

Mendonça, por sua vez, um amigo de longa data de Estácio, ao conhecer a nova irmã do rapaz, Helena, encanta-se perdidamente. O sujeito pede a mão da moça em casamento, mas, enciumado, Estácio não permite que a relação se desenvolva.

A verdade é que, aos poucos, Estácio começa a criar sentimentos por Helena. A angústia cresce porque o afeto parece ir além de uma simples admiração proporcionada pela amizade e o jovem teme se apaixonar pela própria irmã. O autor, deste modo, encena um amor socialmente proibido.

Por fim, Estácio descobre que Helena, na verdade, era filha de criação do Conselheiro Vale, por isso os dois não eram, na verdade, irmãos de sangue. O Conselheiro criou a menina desde pequena com D.Ângela, o afeto e o senso de obrigação teriam surgido apenas do convívio, uma vez que Vale não era o pai biológico da garota.

Como um homem de bons valores, Estácio resolve obedecer ao testamento do pai, mesmo sabendo que Helena não era sua filha biológica.

Com a notícia bombástica, finalmente o amor romântico entre Estácio e Helena poderia se concretizar.

No entanto, o final não promete ser feliz para o jovem casal. Helena adoece subitamente e morre, deixando Estácio desesperado.

O romance se encerra com um final tráfico, exibindo o lamento desesperado do rapaz:

- Perdi tudo, padre-mestre! gemeu Estácio.

Advertência do autor

Assinada por M. de A. , a advertência do autor inaugura a, na altura, nova edição de Helena. No breve texto, composto por apenas dois parágrafos, Machado esclarece as alterações realizadas de uma edição para a outra.

Vale sublinhar que o autor não faz nenhuma alteração em termos de conteúdo, apesar de sublinhar que o livro foi composto em um passado longínquo, tornando-se ele, autor, um compositor de outro tipo de obra. É bonito que o público leitor possa assistir o reconhecimento do criador acerca dessa transformação do seu trabalho.

Trata-se de um ato generoso de Machado ter optado por não alterar a história, tendo reconhecido que "cada obra pertence ao seu tempo" e que a escrita jovial presente em Helena deveria ser conservada tal como havia sido concebida na altura.

Esta nova edição de Helena sai com várias emendas de linguagem e outras, que não alteram a feição do livro. Ele é o mesmo da data em que o compus e imprimi, diverso do que o tempo me fez depois, correspondendo assim ao capítulo da história do meu espírito, naquele ano de 1876.

Não me culpeis pelo que lhe achardes romanesco. Dos que então fiz, este me era particularmente prezado. Agora mesmo, que há tanto me fui a outras e diferentes páginas, ouço um eco remoto ao reler estas, eco de mocidade e fé ingênua. É claro que, em nenhum caso, lhes tiraria a feição passada; cada obra pertence ao seu tempo.

Personagens principais

Conselheiro Vale

Viúvo, pai de Estácio e irmão de Úrsula, o Conselheiro Vale falece de morte natural aos cinquenta e quatro anos e deixa um controverso testamento até então desconhecido dispondo de parte da sua herança para a filha bastarda, Helena. A decisão do morto tem impactos imediatos e radicais no filho, Estácio, e na irmã, Úrsula.

Helena

É a protagonista da história. Supostamente filha do Conselheiro Vale com D. Ângela da Soledade. A menina de dezessete anos estudava em um colégio em Botafogo quando a vida mudou completamente: graças ao testamento deixado pelo Conselheiro, Helena tinha direito a receber não só parte da herança, como também deveria ser abrigada pela família do pai.

Estácio

Filho legítimo do Conselheiro Vale, Dr.Estácio tinha vinte e sete anos e era formado em matemáticas. Apesar dos esforços do pai, nunca entrou para a política nem sequer para a diplomacia. Assim que recebe a notícia da existência de Helena, acolhe imediatamente a ideia de que teria uma irmã.

D. Ângela da Soledade

Mãe de Helena, se relaciona com o Conselheiro Vale durante anos.

Úrsula

Irmã do Conselheiro Vale, Úrsula tinha cinquenta e poucos anos e vivia com o irmão e com o sobrinho desde que a cunhada faleceu. Sua função era gerir a casa. Quando recebe a notícia de uma sobrinha inesperada rejeita veementemente a menina.

Dr.Camargo

Grande amigo do Conselheiro Vale, tinha a mesma idade do amigo (cinquenta e quatro anos) era de total confiança da família, com quem mantinha relações estreitas e antigas, e encontrou o testamento do falecido que deixava clara as suas intenções. Era descrito como pouco simpático à primeira vista, fisicamente tinha as feições duras e frias.

D.Tomásia

Vivia no Rio Comprido com o marido, o Dr.Camargo, e com a filha única do casal, Eugênia.

Eugênia

Filha única do Dr.Camargo com D.Tomásia. Era considerada a flor dos olhos do casal. Fica noiva de Estácio.

Mendonça

Amigo de Estácio, pede a mão de Helena em casamento, mas não tem o pedido acolhido.

Padre Melchior

Antigo amigo da família Vale e um dos testamenteiros designado pelo Conselheiro.

Sobre a publicação

Helena foi um romance inicialmente publicado sob formato de folhetim no jornal O Globo entre os meses de agosto e novembro de 1876. No mesmo ano, no entanto, o texto foi reunido e publicado sob forma de livro.

Helena foi o terceiro romance publicado por Machado de Assis. O primeiro foi Ressurreição, em 1872, e o segundo A mãe e a luva, em 1874.

Primeira edição do romance.
Primeira edição do romance.

Leia na íntegra

O romance Helena está disponível para download gratuito em formato PDF.

Adaptação para mangá

Em julho de 2014, o romance machadiano Helena foi adaptado para história em quadrinho pelo Studio Seasons. Os artistas responsáveis pela adaptação foram Montserrat, Sylvia Feer, Simone Beatriz e Maruchan. A editora que esteve a frente do projeto foi a NewPOP e a publicação contém 256 páginas.

Mangá

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).