Livro Iracema: resumo e análise do romance de José de Alencar

Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual
Tempo de leitura: 9 min.

Iracema é uma obra literária escrita por José de Alencar e publicada em 1865. Faz parte da primeira fase do romantismo brasileiro, que ficou conhecido como Indianismo, em que aspectos históricos, nacionalistas e indígenas são exaltados.

O romance traz a representação da união entre portugueses e os povos originários de forma idealizada, além de aliar ficção e fatos históricos.

Resumo da obra

No romance, a protagonista Iracema, uma mulher indígena, se apaixona por Martim, um português. Eles têm um filho, Moacir, considerado o primeiro brasileiro, fruto da união entre uma colonizada e um colonizador.

O encontro de Iracema com Martim

Iracema é uma indígena, filha do pajé Araquém, nascida e criada em uma comunidade nos campos dos Tabajara. A jovem vigiava as florestas até um dia atacar aquele que pensava ser um invasor.

Quem recebeu a flechava foi Martim, um aventureiro português.

Diante dela e todo a contemplá-la, está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos ignotos cobrem-lhe o corpo. Foi rápido, como o olhar, o gesto de Iracema. A flecha embebida no arco partiu. Gotas de sangue borbulham na face do desconhecido.

Culpada por disparar a flecha precipitadamente, Iracema socorre Martim e o leva para tratar dos ferimentos.

Martim é apresentado ao povo de Iracema

Como Martim oferece ajuda à Araquém, pai de Iracema, para defender seu povo, ambos criam uma relação estreita e o pajé propõe, em troca da proteção, mulheres e hospedagem.

Quando o guerreiro terminou a refeição, o velho pajé apagou o cachimbo e falou:
— Vieste?
— Vim, respondeu o desconhecido.
— Bem vieste. O estrangeiro é senhor na cabana de Araquém. Os tabajaras têm mil guerreiros para defendê-lo, e mulheres sem conta para servi-lo. Dize, e todos te obedecerão.

Martim não aceita as mulheres que lhe são oferecidas porque só tem olhos para Iracema. Teoricamente nada impediria o casal de ficar junto, exceto o fato de Iracema deter o segredo de Jurema, o que faz com que ela precise se manter virgem.

A paixão entre Iracema e Martim

Martim e Iracema se apaixonam e vivem um amor proibido, migrando para uma cabana afastada. O resultado desse amor surge após alguns meses: nasce Moacir.

A jovem mãe, orgulhosa de tanta ventura, tomou o tenro filho nos braços e com ele arrojou-se às águas límpidas do rio. Depois suspendeu-o à teta mimosa; seus olhos então o envolviam de tristeza e amor.
— Tu és Moacir, o nascido de meu sofrimento.

O romance entre o casal, no entanto, não dura muito tempo. Martim dá sinais que sente falta da sua terra e Iracema percebe que sente saudades do seu povo. Ao final do romance, Iracema morre e Martim leva o pequeno Moacir para viver em Portugal.

Iracema, pintura de José Maria de Medeiros representando mulher indígena
Iracema (1881), pintura de José Maria de Medeiros

Personagens principais e seus significados

Iracema

É filha do pajé Araquém, nasceu e se criou nos campos dos Tabajaras. Fisicamente Iracema é descrita como "a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna, e mais longos que seu talhe de palmeira".

O nome Iracema é um anagrama de América, ou seja, é escrito com as mesmas letras do continente. A jovem simboliza os nativos que viviam no Brasil antes da chegada do colonizador.

Martim

Martim Soares Moreno é um aventureiro português que vem para o Brasil ainda pouco conhecido, povoado por indígenas. Ao conhecer Iracema imediatamente se apaixona por ela. O nome dado ao protagonista referir-se a um personagem histórico real, um sujeito que teria sido o responsável pela fundação do Estado do Ceará. Martim simboliza os portugueses que migraram rumo à colônia para explorar a região, os colonizadores.

Moacir

É o filho do casal Iracema e Martim. Iracema dá à luz a Moacir sozinha, enquanto Poti e Martim saem para uma batalha. Depois da morte da mãe, Moacir é levado pelo pai para viver em Portugal.

Moacir significa a mistura do povo brasileiro: fruto da relação de uma nativa com um europeu.

Poti

O guerreiro Poti é amigo fiel de Martim. A amizade entre os dois é tão forte que Poti abandona seu povo e se muda para a cabana distante a fim de viver com o casal e ajudar o amigo. Assim, Poti também simboliza a subserviência do indígena ao europeu, assim como Iracema.

Análise do livro Iracema

Idealização do povo indígena e exaltação da terra

Na obra-prima de José de Alencar encontramos uma protagonista altamente idealizada. Iracema é uma representante romântica do seu povo, a moça é descrita como corajosa, honesta, generosa, doadora, encantadora, bela, casta e pura. Símbolo do amor e da maternidade, Iracema não vê maldade ao seu redor.

Mas não é apenas a personagem principal feminina que é romantizada, o próprio cenário é idealizado. O Estado que abriga a história, o Ceará, aparece como um espaço paradisíaco, um cenário idílico que serve como pano de fundo para uma paixão proibida e avassaladora.

O simbolismo de Moacir

O pequeno Moacir é o simbolicamente não só o primeiro cearense, como também o primeiro brasileiro. Ele é igualmente tido como o primeiro mestiço, o primeiro indígena e, ao mesmo tempo, não indígena.

Produto do sofrimento, o rapaz é símbolo do encontro e do desencontro. Ele é resultado de uma paixão avassaladora, mas também é a representação do destino de um amor inalcançável.

É importante sublinhar que, na narrativa, para Moacir viver a mãe precisa morrer. Iracema perde a vida logo após dar à luz e o pequeno bebê é levado para o velho continente onde será educado.

Em termos alegóricos, pode-se afirmar que é a partir do sacrifício (voluntário) do indígena que nasce o primeiro brasileiro. Dessa forma, a obra destaca a resignação e submissão dos indígenas aos colonizadores, como se fosse uma qualidade a ser exaltada. É o que sugere o intelectual Alfredo Bosi:

Nas histórias de Peri e de Iracema a entrega do índio ao branco é incondicional, faz-se de corpo e alma, implicando sacrifício e abandono da sua pertença à tribo de origem. Uma partida sem retorno. Da virgem dos lábios de mel disse Machado de Assis em artigo que escreveu logo que saiu o romance: "Não resiste, nem indaga: desde que o olhos de Martim se trocaram com os seus, a moça curvou a cabeça àquela doce escravidão".
O risco de sofrimento e morte é aceito pelo selvagem sem qualquer hesitação, como se a sua atitude devota para com o branco representasse o cumprimento de um destino, que Alencar apresenta em termos heroicos ou idílicos.

A importância da publicação

Iracema foi publicado em 1865 e tinha inicialmente o subtítulo Lenda do Ceará.

Literariamente importante para todo o país, a verdade é que o romance foi ainda mais marcante para a história do Estado cearense. Para se ter uma ideia da importância da publicação, o nome da protagonista serviu de inspiração para uma série de monumentos da região além de ser o nome da sede do governo e de um trecho da orla de Fortaleza.

A criação literária partiu de uma tentativa do autor de criar uma ficção de fundação. Iracema pretende tecer uma construção de identidade nacional e, ao mesmo tempo, racial.

Intelectual preocupado com a política do país, José de Alencar encontrou na composição do romance uma maneira de contribuir para estabelecer um mito de origem. Mito esse bastante idealizado, que exclui a dominação, extermínio e escravização dos povos originários.

Corrente literária: o Indianismo

O Indianismo foi uma das fases do Romantismo. Durante esse período procurou-se voltar ao passado, à gênese do povo brasileiro, evocando o nacionalismo e exaltando as belezas naturais do nosso país.

O movimento romântico preconizava uma fuga da realidade, considerada sem graça e entediante. Nesse sentido foi interessante a solução que o movimento encontrou: voltar os olhares para o indígena como uma figura idealizada. Nesse contexto o indígena se transformou em uma espécie de herói nacional.

Iracema pertence à chamada trilogia indianista de José de Alencar. Os outros dois romances que o acompanham são O Guarani (1857) e Ubirajara (1874).

Iracema no cinema

O romance de José de Alencar foi levado ao cinema em 1979 por Carlos Coimbra com o título Iracema, a virgem dos lábios de mel.

Iracema foi interpretada por Helena Ramos, vista como símbolo sexual da década de 70. A produção tem classificação etária de 16 anos.

Outras produções cinematográficas foram feitas baseadas na obra. Um filme que tomou emprestado o título do romance para tratar da questão indígena é Iracema - Uma transa Amazônica, de 1974, que aborda a prostituição de garotas indígenas, trabalho escravo e devastação da floresta amazônica.

Quer conhecer Iracema?

O romance Iracema está disponível para download gratuito através do domínio público.

Para ouvir o livro acesse o audiobook:

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.