Macunaíma, de Mário de Andrade: resumo e análise do livro
Macunaíma, livro de Mário de Andrade publicado em 1928, é considerado um dos principais romances modernistas.
A obra é uma rapsódia sobre a formação do Brasil, em que vários elementos nacionais se cruzam numa narrativa que conta a história de Macunaíma, o herói sem nenhum caráter.
[atenção, o texto abaixo contém spoilers]
Resumo da obra
Macunaíma nasceu no fundo do mato-virgem, filho do medo e da noite, uma criança birrenta, preguiçosa e de mente ardilosa. Passa a infância em uma tribo amazônica até que toma banho de mandioca brava e se torna um adulto. Apaixona-se por Ci, a Mãe do Mato, e com ela tem um filho que morre ainda bebê.
Após a morte do filho, Ci sobe aos céus de desgosto e vira uma estrela. Macunaíma fica muito triste por perder a sua amada, tendo como única recordação dela um amuleto chamado muiraquitã. Porém ele o perde. Macunaíma descobre que o amuleto está em São Paulo na posse de Venceslau Pietro Pietra, o gigante Piamã comedor de gente.
Para recuperar o muraiquitã, Macunaíma parte para São Paulo com seus dois irmãos. Após algumas tentativas, ele consegue de volta o amuleto e retorna para a sua tribo na Amazônia. Algumas aventuras depois e ele perde novamente a muiraquitã. Decepcionado, Macunaíma também sobe aos céus.
Principais personagens
O livro de Mário de Andrade está cheio de personagens que retratam as características do povo brasileiro. Muitos deles fazem uma passagem rápida pela narrativa e servem de alegoria para defeitos ou qualidades do caráter nacional. Outros personagens fazem parte de todo o enredo e têm um papel importante para o desenvolvimento do livro.
Macunaíma
É o personagem principal, o herói sem nenhum caráter. É um amálgama da formação do Brasil. É índio, negro e, depois de tomar banho na poça do pé do gigante Sumé, vira europeu.
Individualista e muito preguiçoso, seu bordão é "ai que preguiça". As ações de Macunaíma são fruto de uma mistura de malandragem, egoísmo, vingança e inocência.
É difícil prever qual decisão ele vai tomar diante de um dilema, suas escolhas nos rendem algumas surpresas ao longo do romance. Macunaíma também é muito lascivo e apegado à vida fácil e de prazeres.
Jiguê
Irmão do meio. Suas companheiras sempre acabam dormindo com Macunaíma. Jiguê é um homem forte e bravo, se vinga das traições batendo nas suas mulheres, porém raramente dá uma sova no irmão.
Ele também tenta se lavar depois que vê seu irmão se transformar em branco, mas a água já estava suja e ele se lava pouco, ficando com a pele cor de cobre.
Maanape
É o irmão mais velho, é feiticeiro e revive o herói algumas vezes. Muito sábio, passa boa parte do romance cuidando de Macunaíma. Ele também tenta se lavar na poça mágica depois de Jiguê, mas já não restava quase nada de água, então ele continua negro, só com as palmas do pés e das mãos brancas.
Venceslau Pietro Pietra
Fazendeiro peruano abastado que vive em São Paulo. Ele tem a posse da muraiquitã que Macunaíma quer recuperar.
Venceslau também é o gigante Piaimã comedor de gente, que mora numa casa grande no Pacaembu e tem hábitos europeus. Faz uma viagem para a Europa e sai na coluna social.
Ci
Mãe do Mato, ela faz parte da tribo das icamiabas, que são mulheres guerreiras que não aceitam a presença de homens. Torna-se a mulher de Macunaíma depois do herói forçá-la a ter relações sexuais. Ele passa a ser o novo Imperador do Mato-Virgem. Junto eles têm um filho que morre ainda bebê e se torna o planta do guaraná.
Análise da Obra
Macunaíma e a formação da cultura brasileira
Mário de Andrade queria produzir uma obra que refletisse o Brasil como uma unidade, fazendo com que as múltiplas características nacionais se unissem criando uma identidade para a cultura brasileira.
O autor recorreu ao seu vasto conhecimento do folclore nacional e aos preceitos da produção literária modernista para realizar essa tarefa.
Assim ele faz de Macunaíma uma rapsódia: uma colagem das lendas, mitos, tradições, religiões, falares, hábitos, comidas, lugares, fauna e flora do Brasil. A grande genialidade da obra foi conseguir unir esses muitos elementos em uma narrativa coesa.
Para isso, Mário de Andrade lança mão de algumas características da composição modernista. O espaço em Macunaíma não segue as regras da verossimilhança dos romances realistas. O herói passa de um lugar distante para o outro em poucos passos e foge do gigante Piamã, correndo por todo o continente sul-americano. O que dá unidade ao espaço no romance não é a distância física entre os lugares e sim suas características.
O autor usa elementos nacionais para dar unidade a esses espaços. Como no trecho em que Macunaíma quer se vingar dos irmãos e coloca um bichinho no café de Maanape e uma taturana na cama de Jeguê, os irmãos são picados e arremessam os insetos longe. Para se vingarem, eles jogam uma bola de couro em Macunaíma, que também atira a bola para longe. Mário de Andrade continua:
"O bichinho caiu em Campinas. A taturana caiu por aí. A bola caiu no campo. E foi assim que Maanape inventou o bicho-do-café, Jiguê a lagarta-rosada e Macunaíma o futebol, três pragas."
Os espaços estão unidos porque a própria narrativa os une. As ações também seguem este preceito. Por mais absurdas que pareçam, elas possuem uma relação tamanha com a narrativa que passam a ser verossímeis.
O método de construção do romance como colagem possibilita que o autor faça uma exposição sincrética da cultura nacional. Misturando lendas indígenas com inovações tecnológicas, inserindo personagens históricos em contextos diferentes e criando raízes e justificativas para alguns símbolos nacionais. Mário de Andrade consegue dessa forma criar uma obra que é um compêndio da cultura brasileira.
A linguagem usada para tornar isso possível é uma grande mistura de termos indígenas com falares regionais e até mesmo estrangeirismos.
A linguagem se aproxima muito da oralidade. Carta pras icamiabas, é uma carta escrita por Macunaíma em linguagem muito formal e gera uma estranheza muito grande no leitor. Desta forma, Mário de Andrade nos mostra que o uso de termos regionais e de uma escrita que se aproxima mais da fala, tendo inclusive erros de português, é a forma mais adequada de contar a estória de Macunaíma e da formação da cultura brasileira.
Macunaíma é uma obra complexa e todos os seus elementos estão ligados ao propósito de criar uma cultura nacional. O enredo é uma colagem de elementos da cultura brasileira na qual Macunaíma se move, modificando e adaptando conforme a necessidade. Suas aventuras são os desafios de um povo que começava a se identificar como nação, com um enorme território e inúmeras influências externas.
Resumo por capítulo
Macunaíma
Macunaíma nasceu filho do medo e da noite. Até os seis anos não fala por pura preguiça e, ainda criança, vai para o mato “brincar” com a companheira do seu irmão Jiguê.
Quando sua família começa a passar fome, o herói consegue alimento, porém a sua mãe quer dividir a comida com os seus irmãos. Macunaíma não quer compartilhar a comida e a faz sumir.
Maioridade
Sua mãe o expulsa de casa e, no mato, ele encontra a cotia que, ao ouvir as suas peripécias de criança, o transforma em adulto e Macunaíma volta para casa.
Em uma caçada ele mata uma veada que tinha acabado de ter crias. Porém, quando se aproxima, descobre que a veada era a sua mãe. Ele e seus irmãos, Jiguê e Maanape, partem para o mato.
Ci, Mãe do Mato
Macunaíma encontra Ci, a Mãe do Mato e tem vontade de “brincar” com ela. Como a Ci era guerreira, o herói toma uma sova, mas os seus irmãos o ajudam a dominá-la.
Macunaíma se transforma no Imperador do Mato Virgem e tem um filho com Ci. O filho morre envenenado ao mamar no mesmo peito que uma cobra havia mamado. Ci fica muito triste, dá a muiraquitã para Macunaíma e sobe aos céus.
Boiúna Luna
Muito triste, Macunaíma parte novamente com os seus irmãos. No caminho ele encontra Capei, luta com o monstro e perde a muiraquitã na batalha. Mais tarde, um pássaro conta para ele que o talismã foi encontrado e vendido para Venceslau Pietro Pietra, um rico fazendeiro peruano que mora em São Paulo. Macunaíma e os seus irmãos vão para a grande cidade recuperar a muiraquitã.
Piaimã
Os irmãos descem o Araguaia para chegar em São Paulo com um barco cheio de cacau, a moeda corrente na época.
Ao chegar na cidade, eles descobrem que o cacau não tem tanto valor e que Venceslau Pietro Pietra é também o Piaimã, o gigante comedor de gente.
Macunaíma vai até a rua Maranhão, na casa do gigante, para tentar recuperar a muiraquitã. Entretanto, acaba morto pelo gigante e picado para ser cozido em uma polenta. Seus irmãos conseguem recuperá-lo e revivem o herói.
A francesa e o gigante
Após a tentativa frustrada, Macunaíma se veste de francesa para tentar enganar Piaimã, contudo, o gigante quer “brincar” com a francesa em troca da muiraquitã. Com medo de ser descoberto, o herói foge de Venceslau por todo o território brasileiro.
Macumba
Com duas tentativas frustradas, o herói vai até o Rio de Janeiro procurar um terreiro de macumba. Lá, Macunaíma pede para Exu maltratar o gigante, a entidade consente e o herói dá uma sova em Piaimã.
Vei, a Sol
No Rio de Janeiro, Macunaíma ainda tem mais algumas aventuras. No final delas, encontra Vei, a Sol. A deusa queria que o herói casasse com alguma de suas filhas, e pede para ele não sair "brincando" com outras mulheres.
Macunaíma promete não fazer nada, porém, quando Vei sai com suas filhas, o herói encontra uma portuguesa e vai “brincar” com ela.
Carta pras Icamiabas
De volta a São Paulo, o herói manda uma carta as amazonas pedindo mais dinheiro. Conta como vai a vida na cidade e sobre as mulheres que “brincam” com ele em troca de dinheiro.
A carta é escrita em linguagem extremamente formal, uma crítica ao paulistano que fala em uma língua e escreve em outra.
Pauí-pódole
Piaimã está de cama devido à surra que ele levou da macumba e esconde a muiraquitã deitando em cima dela.
Macunaíma não tem possibilidades de recuperar a pedra, então ele resolve se dedicar ao estudo das duas línguas de São Paulo, o português escrito e o brasileiro falado.
A velha Ceiuci
Macunaíma quer enganar os irmãos e diz que viu rastro de caça no centro de São Paulo. Os irmãos acreditam e os três vão para a frente da bolsa de valores caçar. Uma confusão é armada e até a polícia aparece e tenta prender o herói, que consegue fugir.
Depois ele vai pescar no mesmo lugar que a esposa do gigante, a Ceiuci, que também é canibal. Ela captura o herói e o leva à casa para ser servido no jantar. Macunaíma é resgatado pela filha da canibal, “brinca” com ela e depois foge. Segue uma perseguição por toda a América do Sul entre Ceiuci e o herói, que consegue escapar.
Tequeteque, chupinzão e a injustiça dos homens
Venceslau viaja para a Europa com a sua família e Macunaíma fica sem a chance de recuperar a muiraquitã. O herói quer ir para o velho continente para recuperar a muiraquitã. Para não gastar todo o dinheiro que tinha, ele se transforma em pintor.
Macunaíma decide ir ao parque pintar e é enganado por um golpista, ficando sem dinheiro. Quando volta para casa, descobre que já há muitos pintores indo para a Europa, então o governo não vai pagar a sua viagem.
A piolhenta do Jiguê
Macunaíma está doente e de cama. Seu irmão, Jiguê, tem uma nova namorada, e Macunaíma também "brinca" com ela.
Jiguê descobre e tenta impedir que ela passe tempo com seu irmão e a manda caçar piolho. Macunaíma arranja uma forma de ficar com ela. Seu irmão então resolve mandá-la embora.
Muiraquitã
O gigante Piaimã volta para São Paulo e Macunaíma está disposto a matá-lo para recuperar o talismã. O herói vai à casa de Venceslau, que tenta enganá-lo. Contudo, o herói é mais esperto, reverte a situação e o mata. Piaimã acaba no molho de uma macarronada e Macunaíma recupera a muiraquitã.
A pacuera de Oibê
Macunaíma e seus irmãos estão voltando para o Amazonas. No meio do caminho, eles param para Macunaíma pegar Irique, que já tinha sido a companheira de seu irmão Jiguê. Eles “brincam” muito no caminho até que o herói se lembra de dormir em terra firme.
Macunaíma vai para a terra e encontra um monstro. Na fuga, descobre uma bonita princesa, volta com ela para o barco e segue viagem deixando Irique com muitos ciúmes.
Uraricoera
Todos estão de volta à Aldeia. Enquanto os irmãos saem para caçar e pescar, Macunaíma passa o dia descansando. Seu irmão Jiguê fica muito incomodado, os dois tem uma desavença e, para se vingar, Macunaíma envenena um anzol.
Seu irmão fica muito doente e vai sumindo até virar uma sombra envenenada. A sombra quer se vingar de Macunaíma, o impede de comer e, quando o herói está com muita fome, ela se transforma em comida para o envenenar.
Macunaíma acha que vai morrer e resolve passar a doença para o maior número de animais possíveis para não morrer sozinho. No final, ele se cura por ter passado o veneno para tantos outros bichos.
A sombra Jiguê acha o irmão muito inteligente e, com saudades da família, volta para casa, come a cunhada princesa e o irmão Maanape. Macunaíma consegue enganar a sombra envenenada e escapa.
Ursa maior
O herói agora está sozinho e com fome, pois não há ninguém para caçar ou pescar por ele. A casa também está caindo e Macunaíma tem que abandoná-la.
Na mata, ele sofre de calor e de vontades, e procura uma água gelada para se refrescar. Depara-se com uma dona muito bonita, que na verdade é a Uiara. O herói não resiste e entra na água.
Após uma luta, ele consegue fugir, mas perde novamente a muiraquitã. Sozinho e sem o talismã, Macunaíma resolve subir aos céus e virar estrela.
Epílogo
Este capítulo apresenta o narrador. Ele conta que todos que sabiam da história já estavam mortos e que ele tomou conhecimento da mesma por meio de um pássaro.
Mário de Andrade e o Modernismo
Mário de Andrade foi um dos intelectuais brasileiros mais importantes do século 20. Era poeta, romancista, cronista, musicólogo, fotógrafo e pesquisador do folclore brasileiro.
Teve contato pela primeira vez com o modernismo na exposição de arte de Anita Malfatti. Ao conhecer Oswald de Andrade, passou a ser influenciado pelo movimento modernista.
Mário de Andrade se juntou ao "grupo dos cinco" e passou a fazer parte da vanguarda da arte brasileira. O ano chave para Mário de Andrade e para a cultura brasileira foi 1922. Naquele ano, ele colaborou com a revista Klaxon, participou da Semana de Arte Moderna e lançou um dos seus principais livros, o Paulicéia Desvairada, que se tornou um marco para a literatura brasileira moderna.
Enquanto na Europa nasciam diversas vanguardas artísticas que defendiam a liberdade de criação, no Brasil o parnasianismo era a escola literária mais influente. Os parnasianos pregavam uma poesia metrificada, com rimas ricas e temas que contemplassem o belo.
Mário de Andrade, que era influenciado pelas vanguardas, se tornou um grande crítico do movimento parnasiano. Ele não queria apenas copiar o que era feito na Europa, e sim usar os conceitos das vanguardas europeias para criar uma literatura nacional.
Ele defendeu esta posição no Prefácio Interessantíssimo, uma espécie de manifesto onde reafirma o uso de versos sem métrica, sem rima, e uma linguagem mais simples e próxima do português falado no Brasil. Neste texto, Mário de Andrade também critica as regras rígidas e a linguagem difícil do parnasianismo.
Macunaíma foi o principal livro de Mário de Andrade. Nele estão todos os preceitos que defende. A narrativa é fluída e com muita liberdade, está cheia de elementos nacionais e de palavras originárias do Brasil. Mário conseguiu usar de fato as vanguardas europeias para criar uma literatura nacional.
Sobre o filme Macunaíma
Macunaíma foi adaptado para o cinema em 1969 por Joaquim Pedro de Andrade. O filme é considerado um dos pioneiros do movimento Cinema Novo.
Por detrás da comicidade existe uma temática e uma linguagem audiovisual que buscam representar a obra de Mário de Andrade e as suas intenções no cinema.
O filme foi muito elogiado pelo público e pela crítica. Como o livro é cheio de ações, a adaptação para o cinema não é totalmente fidedigna, porém a releitura do cineasta Joaquim Pedro de Andrade tem êxito em transmitir a essência da obra de Mário de Andrade.
Sobre o autor Mário de Andrade
Mário de Andrade foi escritor, musicólogo e pesquisador do folclore brasileiro.
Nasceu em São Paulo, em 1893, e faleceu em 1945. Viajou por todo o Brasil para estudar o folclore nacional. Macunaíma é uma obra cheia de referências à cultura popular brasileira e é o resultado das pesquisas de Mário de Andrade.
Ele também foi um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922, o evento promoveu uma quebra da estética clássica e inaugurou o modernismo no Brasil. Também participaram da Semana grandes nomes da cultura brasileira como Heitor Villa-Lobos, Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Oswald de Andrade.
Seus livros de destaque são Macunaíma, Paulicéia Desvairada e Amar, Verbo Intransitivo.