O Morro dos Ventos Uivantes: resumo e análise do livro

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura
Tempo de leitura: 12 min.

O Morro dos Ventos Uivantes (título original Wuthering heights) é o único romance da escritora inglesa Emily Brontë.

Escrito em 1847, o livro recebeu fortes críticas na época. Anos mais tarde, veio a se consagrar como um dos maiores clássicos ingleses da literatura.

Resumo do livro

O título O Morro dos Ventos Uivantes é uma homenagem a zona rural onde se encena a história, localizada no interior da Inglaterra. Ficamos sabemos dos fatos principalmente a partir dos relatos da governanta Nelly Dean, que testemunha tudo o que se passa na casa da família Earnshaw. Pode-se dizer, de modo geral, que a narrativa é bastante sombria.

Em 1801, o senhor Earnshaw adota um menino jovem, pobre e desamparado. Possivelmente órfão, descrito como um cigano por ter a pele escura, a criança foi encontrada nas ruas de Liverpool, e foi levada para a fazenda dos ventos uivantes. O trecho que narra a chegada do menino a casa é bastante descritivo:

"O patrão tentou explicar o que acontecera, mas, como estava morto de cansaço, tudo o que consegui entender durante o raspanete da senhora, resumia-se a uma história em que falava de o ter encontrado faminto e sem abrigo, a vaguear pelas ruas de Liverpool, tendo-o tomado ao seu cuidado e tentado encontrar quem o reclamasse. Porém, como ninguém sabia a quem pertencia e o tempo e o dinheiro escasseassem, achou preferível trazê-lo para casa, para não entrar em despesas desnecessárias, pois não desejava devolvê-lo à situação em que o encontrara."

É segundo a perspectiva de Nelly, a governanta, que sabemos o que se passa na casa dos patrões e a reação dos envolvidos. Há uma preocupação em narrar com rigor o espaço físico - sabemos que o menino foi encontrado nas ruas de Liverpool - e a condição do garoto e do senhor que o adota.

Entregue a própria sorte, a descrição do garoto é de cortar o coração: sujo, andrajoso, maltrapilho, faminto, não nomeado, sem ter para onde ir, esmolando na rua. Earnshaw se compadece daquela infância abandonada, tenta encontrar seus responsáveis sem sucesso e pensa que a única forma de efetivamente salvar o garoto é trazendo-o para casa.

Assim que o menino é recebido pela família, o senhor Earnshaw pede que a governanta lhe dê banho, o vista com roupa limpa e o deite junto dos filhos.

A casa da família fazia parte de uma propriedade rural intitulada Alto dos Vendavais, nome nada fortuito visto que o terreno estava localizado em um terreno com forte inclemência climatérica, sendo vítima de diversas e frequentes tempestades. Por ser no topo de um monte, a casa sofria com a força das nortadas.

A propriedade pertencia há gerações a uma mesma família tradicional - os Earnshaw - tanto que, no seu interior, era possível ler o nome de um antepassado (Hareton Earnshaw) seguido de uma data (1500).

O romance é extremamente descritivo, salta aos olhos a riqueza de detalhes narrados durante a visita a propriedade:

"O telhado não tinha forro, exibindo-se em toda a sua nudez aos olhares curiosos, excepto nos locais onde ficava escondido atrás de uma prateleira suspensa cheia de bolos de aveia, ou atrás de presuntos fumados, de vitela, carneiro e porco, que pendiam das traves em fiadas. Por cima da chaminé enfileiravam se velhas escopetas já sem préstimo e um par de pistolas de arção, e, sobre o rebordo, à guisa de enfeite, três latas de chá pintadas de cores garridas. O chão era de lajes brancas e polidas. As cadeiras eram antigas, de espaldar, pintadas de verde, havendo também um ou dois cadeirões negros e pesados, semi-ocultos na sombra."

Nenhum detalhe escapa a descrição. O olhar do narrador percorre desde o chão até o teto, passando pelo detalhe do feitio e da cor da mobília e pelos mantimentos exibidos.

Após levá-lo para a fazenda, o casal Earnshaw dá ao garoto abandonado nas ruas de Liverpool o nome de Heathcliff, um filho que morrera. O menino, de pele escura como um cigano, é criado pela família como um filho, ao lado dos outros dois rebentos do casal, Catherine e Hindley.

Hindley, na altura com catorze anos, rejeita Heathcliff assim que o rapaz chega devido a sua origem humilde e permanece detestando-o anos a fio. Catherine, por sua vez, possui alguma resistência inicial, mas logo aceita o novo membro da família e tornam-se grande amigos.

Apesar de ter recebido a mesma criação dos irmãos, a narradora sublinha que persiste nele qualquer coisa da sua origem trágica. Ao descrevê-lo são usadas as seguintes palavras:

"É um cigano de pele escura no aspecto e um cavalheiro nos modos e no trajar, ou melhor, tão cavalheiro como tantos outros fidalgotes rurais um pouco desmazelado talvez, sem contudo deixar que essa negligência o amesquinhe no seu porte altivo e elegante, se bem que taciturno."

O que ninguém poderia imaginar é que o menino iria se apaixonar pela irmã adotiva, a bem nascida Catherine Earnshaw. Catherine também adorava Heathcliff, dizia-se que o maior castigo que lhe podiam dar era separá-la do rapaz.

Após a morte do pai, Hindley, que desde sempre detestou Heathcliff, deslocou-o para viver com os criados. Depois, gradativamente foi apertando o certo: privou-o de ir as aulas, foi incumbindo-o de tarefas desgastantes como qualquer outro criado.

Numa época em que os casamentos eram mais acordos comerciais do que propriamente gestos de amor, o destino de Catherine já estava traçado pela família: arrumar um marido oriundo de uma família com posses. O eleito foi Edgar Linton, dono da Granja dos Tordos, filho de uma família cara e de nome, vizinho da propriedade dos Earnshaw.

Catherine aceita casar-se com Linton apenas porque percebe que não poderá casar com o irmão adotivo. Durante um dia comum, Heathcliff escuta uma conversa entre Catherine e a governanta Nelly onde a moça confessa que apenas não se casaria com Heathcliff porque a união estragaria a sua reputação e status social.

Frustrado com o que ouviu da amada e com o enlace com outro, Heathcliff deixa a fazenda. Quando retorna, já se trata de um verdadeiro cavalheiro poderoso e repleto de rancor. Catherine fica então dividida entre dois homens: o marido, Edgar Linton, e o irmão adotivo.

Infelizmente o destino da moça é trágico, Catherine morre quando está dando a luz a uma bela menina. Heathcliff, inconformado com a perda da amada, promete se vingar de todos aqueles que proibiram a relação.

Apesar de ter um enredo bastante simples, centrado em um triângulo amoroso, chama a atenção a riqueza de detalhes com que a história é contada e a complexidade sentimental dos personagens principais.

Personagens principais

Hareton Earnshaw

Pai biológico de Catherine e Hindley. Um belo dia Hareton vai a Liverpool e encontra um menino desamparado pelas ruas. Sem saber o que fazer, leva a criança para casa e o adota.

Heathcliff

É o protagonista de O morro dos ventos uivantes. Tem um passado trágico marcado pelo abandono, pelo preconceito, pelos maus tratos e pela negligência. A vida muda quando o rapaz é levado para o morro dos ventos uivantes, onde conhece a sua irmã adotiva, Catherine, por quem irá se encantar. Heathcliff é, ao mesmo tempo, um misto de herói (perdidamente apaixonado pela mocinha) e vilão (amargo e vingativo).

Catherine Earnshaw

Também protagonista da história, a moça é filha do casal Earnshaw e irmã de Hindley. Catherine é apresentada, quando tem seis anos, ao irmão adotivo Heathcliff. Apesar da primeira reação da menina ter sido de desconfiança, logo Catherine se torna bastante próxima do irmão.

Hindley Earnshaw

Irmão biológico de Catherine, Hindley não aceita a chegada do menino Heathcliff e sente ciúmes da relação dos pais com o jovem.

Nelly Dean

Governanta da casa dos Earnshaw. Por testemunhar todos os eventos da casa, acaba tornando-se a principal narradora da história.

A respeito da publicação do livro

Wuthering heights (em português O morro dos ventos uivantes) foi publicado com o pseudônimo masculino Ellis Bell.

A primeira tradução brasileira foi realizada pela editora Globo em 1938, o tradutor responsável foi Oscar Mendes. Uma segunda tradução foi feita nove anos mais tarde, em 1947, por Rachel de Queiroz, a pedido da Editora José Olympio. A editora L&PM veio a lançar igualmente uma versão do romance, traduzida por Guilherme da Silva Braga.

O livro também já foi traduzido para o português como A Colina dos Vendavais.

Uma das revoluções impulsionadas por Emily Brontë foi o uso de uma linguagem mais coloquial.

A maior inovação, contudo, foi o fato da autora ter colorido seus personagens com traços reais, seres repletos de defeitos, provocadores de intrigas, e carregados de raivas muitas vezes injustificadas. Se pensarmos que naquele período histórico os livros serviam apenas como literatura de formação e os personagens eram figuras exemplares, perceberemos o impacto que Wuthering heights causou no público leitor.

Primeira página da primeira edição.
Primeira página da primeira edição de Wuthering heights.

Em 2007, foi leiloado em Londres um exemplar da primeira edição de Wuthering heights, datado de 1847. O valor inicial proposto era 60 mil dólares, no entanto, o livro acabou superando as expectativas ao ser vendido por 230 mil dólares.

Curiosidade: O morro dos ventos uivantes e a saga Crepúsculo

Bella Swan, protagonista de Crepúsculo, menciona o romance de Emily Brontë como seu livro favorito. No terceiro livro da série de Stephenie Meyer, Bella faz diversas referências ao clássico Wuthering heights.

Bella chega a citar um trecho do clássico inglês para o amado Edward Cullen:

Se tudo o mais perecesse e enquanto ele perdurasse, eu ainda continuaria a existir; e se tudo o mais restasse e ele fosse aniquilado, o universo se tornaria muito mais estranho.

A publicação de Crepúsculo impulsionou as vendas da obra-prima de Emily Brontë. Diante do sucesso de vendas, a editora HarperCollins criou uma nova capa - mais gótica - para O morro dos ventos uivantes, de modo a que o livro ficasse com o aspecto mais próximo da saga Twilight.

A edição brasileira chegou a incluir um selo dizendo: "o livro favorito de Bella e Edward - Crepúsculo".

Edição que traz na capa uma referência a Twilight.
Edição que traz na capa uma referência a Twilight.

Adaptações para o cinema

Wuthering Heights (1920)

A primeira adaptação para o cinema de O morro dos ventos uivantes foi realizada no Reino Unido, em 1920, pelo diretor A. V. Bramble.

Wuthering Heights (1939)

Dirigida por William Wyler no ano de 1939, o filme trazia como protagonistas Merle Oberon, Laurence Olivier e David Niven.

Wuthering Heights (1970)

Dirigido por Robert Fuest, a adaptação do romance inglês foi ao ar em 1970 com Anna Calder-Marshall e Timothy Dalton como protagonistas.

Cartaz Wuthering Heights.

O Morro dos Ventos Uivantes (1992)

Dirigido por Peter Kosminsky, a adaptação norte-americana trazia como protagonistas Juliette Binoche (no papel de Catherine Earnshaw) e Ralph Fiennes (no papel de Heathcliff).

O Morro dos Ventos Uivantes (1998)

A versão norte-americana dirigida por David Skynner em 1998 é bastante fiel ao livro.

O Morro dos Ventos Uivantes (2011)

A última versão cinematográfica existente foi realizada pela diretora Andrea Arnold, e tem James Howson como Heathcliff e Kaya Scodelario como Cathy.

Novela brasileira

No Brasil, o canal de televisão Excelsior lançou, em 1967, uma novela inspirada no romance de Emily Brontë. O diretor responsável foi Lauro César Muniz. Altair Lima interpretou Heathcliff e Irina Greco a mocinha Catarina.

Cartaz da novela

Leia na íntegra

O livro O morro dos ventos uivantes está disponível para download gratuito.

Quem foi Emily Brontë (pseudônimo Ellis Bel)

Emily Brontë nasceu em um vilarejo rural chamado Thornton (em Yorkshire, Inglaterra), no dia 30 de julho de 1818 e teve uma trajetória de vida bastante breve.

O fato de ter nascido em um lugar tão distante foi um fator essencial para que Emily se aproximasse do mundo dos livros. Seu principal refúgio era a biblioteca do pai, segundo a própria autora:

Dependíamos totalmente de nós mesmos e uns dos outros, dos livros e do estudo para encontrar diversões e ocupações na vida. O estímulo mais elevado, bem como o prazer mais vivo, que conhecemos da infância em diante residia em nossos primeiros esforços na composição literária.

A escritora britânica morreu prematuramente, aos 30 anos de idade, no dia 19 de dezembro de 1848, deixando apenas um romance escrito, a obra-prima Wuthering heights.

O livro foi publicado em dezembro de 1847, um ano antes da morte da sua morte, com o pseudônimo masculino Ellis Bel.

Emily Bronte
Retrato de Emily Brontë.

Conheça também

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).