Livro Os sertões de Euclides da Cunha: resumo e análise
Os sertões, publicado em 1902, é uma das principais obras da literatura e da historiografia brasileira. Euclides da Cunha (1866-1909), autor pré-modernista, retratou na obra muito do que assistiu na Guerra de Canudos, que aconteceu no interior da Bahia, liderada por Antônio Conselheiro.
Resumo e análise de Os sertões
Euclides da Cunha escolheu escrever na sua obra mais famosa o que se passou na Guerra de Canudos (1896-1897), local onde esteve enquanto fazia uma cobertura para o jornal Folha de São Paulo, onde trabalhava na época.
O livro mais reconhecido de Euclides da Cunha é dividido em três partes: a terra, o homem e a luta. O desejo de descrever com precisão o meio estava relacionado com a sua crença determinista. Para Euclides da Cunha, assim como para outros intelectuais do seu tempo, o meio determinava o homem, por isso era tão importante descrever o espaço se quiséssemos saber mais sobre o sertanejo e, mais tarde, sobre o conflito.
Em termos de linguagem, a obra, extensa, é composta por uma linguagem rebuscada, barroca, erudita, pouco acessível. Apesar da dificuldade da leitura, Os sertões é um livro importantíssimo para a literatura brasileira porque faz um retrato não só de um local como dos seus habitantes e dos interesses que os moviam.
A terra - primeira parte
Na primeira parte do livro Euclides da Cunha descreveu com rigor científico o ambiente do sertão: a aridez, a vegetação, o clima desértico. Os sertões é uma obra regionalista, que se preocupa em retratar com extremo detalhe um espaço determinado.
O escritor, que era um homem das ciências, um engenheiro além de um literato, fez questão de descrever com precisão o que observou no meio. Euclides narra, por exemplo, pormenores da caatinga e teoriza sobre os motivos do clima seco.
O escritor, que era um profundo conhecedor de mapas, escreve muito também sobre a cartografia da região. Essa primeira parte do livro é bastante descritiva: da flora, da fauna, do clima, dos contornos da planície.
A serra do Grão Mogol raiando as lindes da Bahia, é o primeiro espécimen dessas esplêndidas chapadas imitando cordilheiras, que tanto perturbam aos geógrafos descuidados; e as demais que a convizinham, da do Cabral mais próxima, à da Mata da Corda alongando-se para Goiás, modelam-se de maneira idêntica. Os sulcos de erosão que as retalham são cortes geológicos expressivos.
O homem - segunda parte
Depois de falar sobre o meio ambiente do sertão, na segunda parte do livro o autor se debruça sobre a figura do sertanejo, que chamou de “raça forte”, até então pouco conhecida pelo resto do país. O que Euclides da Cunha fez foi praticamente um ensaio antropológico e sociológico, apontando as características desse homem do interior.
O sertanejo é, antes de tudo, um forte.
Ele falou tanto sobre aspectos exteriores - a aparência do sertanejo, o rosto, o corpo, a cor da pele -, até sobre a sua origem, os traços culturais, a forma como se relacionavam, os papéis sociais que desempenhavam. Euclides da Cunha abordou aspectos dos mais variados, desde como a dança até o sentimento da servidão inconsciente.
O seu objetivo maior, descrito na nota preliminar do livro, era preservar a imagem desse homem do sertão, que, segundo o autor, estava em vias de extinção:
Intentamos esboçar, palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil. E fazêmo-lo porque a sua instabilidade de complexos de fatores múltiplos e diversamente combinados, aliada às vicissitudes históricas e deplorável situação mental em que jazem, as tomam talvez efêmeras, destinadas a próximo desaparecimento ante as exigências crescentes da civilização e a concorrência material intensiva das correntes migratórias que começam a invadir profundamente a nossa terra. O jagunço destemeroso, o tabaréu ingênuo e o caipira simplório serão em breve tipos relegados às tradições evanescentes, ou extintas.
Vale sublinhar que Euclides da Cunha olhou para o sertanejo com um ar de superioridade, o que pode ser explicado pelo contexto histórico em que viveu. Devemos lembrar que, no seu tempo, o Brasil estava dividido em duas partes: o eixo Rio-São Paulo, das elites, do desenvolvimento financeiro e intelectual, e o sertão, desconhecido, acometido pela miséria, pela fome e pela pobreza. Euclides da Cunha participava do primeiro grupo.
A república brasileira, recém criada, não tinha olhos para o sertão, assim como a maior parte da imprensa que se resumia a noticiar o que se passava nas grandes cidades. Euclides da Cunha foi das primeiras vozes a falar desse homem então pouco conhecido.
A luta - terceira parte
Quando se tornou urgente pacificar o sertão de Canudos, o governo da Bahia estava a braços com outras insurreições. A cidade de Lençóis fora investida por atrevida malta de facínoras, e as suas incursões alastravam-se pelas Lavras Diamantinas; o povoado de Brito Mendes caíra às mãos de outros turbulentos; e em Jequié se cometiam toda a sorte de atentados.
Na parte final da sua longa obra, Euclides da Cunha narra o que o levou a conhecer o sertão: o combate entre os militares e os sertanejos. O exército brasileiro levou, ao todo, quatro expedições para combaterem na Guerra de Canudos, e Euclides narra todo esse processo de enfrentamento.
A primeira delas, pequena, contou com apenas cem homens. Os militares foram dizimados rapidamente porque, apesar de estarem munidos com armas de fogo, não conheciam a região (o clima, o contexto). Os sertanejos tinham a vantagem de saberem os detalhes do terreno como a palma da mão.
Por conta desse fracasso da primeira expedição, o governo mandou uma segunda expedição, dessa vez com 500 homens. Essa segunda expedição também perdeu, levando a uma terceira expedição com 1.500 homens. Essa terceira expedição teve igualmente um fim trágico para os militares, inclusive o próprio comandante, o Coronel Moreira César, morreu em campo.
A república, já com uma imagem enfraquecida depois de três expedições fracassadas, enviou uma última expedição muito mais numerosa. Em 1897 foram enviados para o sertão cerca de 8000 militares. Euclides da Cunha foi ao campo de batalha nessa quarta expedição, ou seja, já para o final do confronto.
Nessa última parte do livro o autor fala sobre as causas da luta, os combates em si, a incompreensão da campanha militar, as consequências da batalha sangrenta e, principalmente, o desequilíbrio de forças em combate. Enquanto os sertanejos guerreavam, com muita bravura, mas munidos apenas de pedras e materiais rústicos como facas, os militares portavam armas de fogo e granadas. Uma luta desigual, portanto, e que gerou enorme derramamento de sangue.
Contexto histórico
Os sertões surgiram das anotações que Euclides da Cunha fez numa caderneta que carregava nos bastidores do conflito que envolveu o beato Antônio Conselheiro. O religioso, que era monarquista, reunia cada vez mais fiéis na sua comunidade no sertão, o que acabou gerando incômodo no contexto de uma república recém instaurada.
O governo, querendo suprimir rapidamente a comunidade monarquista, enviou uma expedição do exército para combater no local. Antônio Conselheiro, por sua vez, guiava a população local, que se defendia apenas com armas simples (pedras, paus, facas).
A princípio a Guerra de Canudos era lida como uma revolta local daqueles que queriam novamente a monarquia, mas logo que chegou a campo Euclides da Cunha percebeu que estava diante de uma outra questão, muito mais profunda: o desconhecimento do sertanejo e de uma região importante do Brasil.
Foi a partir dessa percepção da ignorância pessoal e coletiva que Euclides decidiu falar sobre a realidade do sertão, até então desconhecida para grande parte do Brasil.
Ao todo, Euclides da Cunha passou cerca de vinte dias no campo de batalha em Canudos, o suficiente para que pudesse recolher material para escrever não só as suas publicações pontuais como correspondente de jornal como também o livro.
Euclides da Cunha foi de fundamental importância por mostrar o povo do sertão, deslocado e rejeitado, um Brasil marginal (fora do eixo Rio-São Paulo), para o resto do país.
O autor teve o mérito de dar visibilidade para aqueles que sofriam no interior com a aridez e as péssimas condições de vida. Euclides corajosamente de mostrou o choque entre dois Brasis: um da elite, “civilizado”, com muito capital, e um Brasil do interior, onde se passava fome e se sofria com a seca.
A relação de Euclides da Cunha com Canudos
Antes de embarcar para Canudos, onde ficou cerca de vinte dias, Euclides da Cunha já tinha escrito dois ensaios importantes construídos com base naquilo que ele estava lendo sobre o sertão - mais ainda sem a vivência prática, local.
Quando chegou a Canudos, o autor tinha a opinião de que se tratava de uma rebelião monarquista e que precisava ser suprimida. Euclides da Cunha era um republicano, lutou pela democracia no Brasil, e estava, portanto, a princípio contra uma rebelião a favor da monarquia. O jornalista chegou ao território junto com a quarta expedição militar enviada pelo governo.
Assim que chegou na região, porém, percebeu que não se tratava daquilo que ele imaginava e que havia estudado nos livros e artigos que consultou.
Do campo de batalha Euclides escreveu uma série de artigos curtos, telegramas que enviou para o Estado de São Paulo. Esse material compôs a obra Diário de uma expedição, reunindo pequenos relatos que recolheu enquanto estava em Canudos. Esses são os relatos mais fidedignos do conflito. As suas anotações, que ficaram na caderneta e se transformaram em Os sertões, se transformaram, no entanto, em outro tipo de produção literária.
Na nota preliminar de Os sertões, Euclides da Cunha assume que a vocação inicial da sua obra era escrever exclusivamente sobre o conflito em Canudos, mas que o contexto transformou o livro em outra coisa.
O que era para ser um relato sobre o confronto, acabou se tornando um ensaio antropológico, sociológico e cultural do sertão do Brasil, especialmente do sertanejo, ainda pouco conhecido.
Escrito nos raros intervalos de folga de uma carreira fatigante, este livro, que a princípio se resumia à história da Campanha de Canudos, perdeu toda a atualidade, remorada a sua publicação em virtude de causas que temos por escusado apontar. Demos-lhe, por isto, outra feição, tomando apenas variante de assunto geral o tema, a princípio dominante, que o sugeriu. Intentamos esboçar, palidamente embora, ante o olhar de futuros historiadores, os traços atuais mais expressivos das sub-raças sertanejas do Brasil.
Os Sertões em formato pdf
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