Vidas Secas: resumo, personagens e resenha do livro

Carolina Marcello
Revisão por Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes
Tempo de leitura: 12 min.

Vidas Secas é um romance de Graciliano Ramos publicado em 1938. Seus principais temas são a pobreza e as dificuldades na vida dos retirantes no sertão nordestino, narrando a busca de Fabiano e da sua família por mais dignidade.

A forma sensível e dura como retrata a realidade destes personagens tornou Vidas Secas num livro essencial da nossa literatura, criando figuras marcantes que lutam pela sobrevivência num panorama brutal. Com uma escrita regionalista, a obra faz parte da segunda fase do modernismo brasileiro (geração de 1930).

Resumo do livro Vidas Secas

Fabiano, sua mulher, Sinhá Vitória, e seus dois filhos, o menino mais velho e o menino mais novo, além da cadela Baleia, fogem da seca devastadora no sertão nordestino. Após longos dias caminhando, em condições precárias, eles encontram uma fazenda abandonada, onde decidem se abrigar.

Exaustos e famintos, se instalam no local. Poucos dias depois, a chuva finalmente chega ao sertão, trazendo um breve alívio para a família. O dono da fazenda, que estava ausente, aparece e contrata Fabiano como vaqueiro, o que parece garantir alguma estabilidade para o clã.

Na fazenda, a vida de Fabiano e sua família é marcada pela dureza e pelo desejo de uma vida melhor. Ele é um homem de poucas palavras que enfrenta situações de injustiça, como quando é preso após uma discussão com um soldado amarelo, que o humilha e o faz refletir sobre sua insignificância diante do poder.

Capa da primeira edição do romance.
Capa da primeira edição do romance.

Apesar de rude e muitas vezes submisso, Fabiano nutre um orgulho silencioso, mas sente-se impotente diante da opressão que vivencia. Já Sinhá Vitória sonha com algo simples, mas que se torna um símbolo de sua busca por dignidade: uma cama de amarração de couro. Para ela, esse objeto representa uma melhoria na qualidade de vida, algo que a afasta da precariedade em que vivem. Seus pensamentos são um misto de resistência e frustração.

Os filhos do casal também têm suas batalhas e descobertas. O menino mais velho é intrigado pelas palavras, sempre perguntando o significado delas, o que irrita Fabiano que sente-se incapaz de fornecer respostas, por ser analfabeto. Já o menino mais novo tenta montar em um cabrito, na tentativa de imitar o pai e o ambiente que conhece.

A cadela Baleia é um dos personagens mais simbólicos da obra, representando uma companheira fiel. Quando fica doente, é sacrificada por Fabiano, numa cena comovente que retrata as perdas que permeiam a vida no sertão. Em seus pensamentos finais, a sonha com um mundo onde pode correr livre, bem diferente da aridez daquele local.

Ao longo da trama, a vida deles na fazenda continua marcada pela miséria. Quando surge uma nova seca, o ciclo recomeça. Sem condições de permanecer ali, a família é forçada a partir novamente, abandonando tudo. Agora, rumam para o sul, em uma tentativa desesperada de escapar do destino implacável.

Personagens do livro Vidas Secas

Fabiano

É o pai da família, um homem bruto, que muitas vezes se confunde com um bicho. Fala pouco e se comunica mais com grunhidos. É um homem bravo, com o coração perto da goela, porém respeita as autoridades.

Sinhá Vitória

É a mãe, assim como o marido também não fala muito. Seu maior desejo é uma cama de armação de couro.

Os filhos

Os filhos são o menino mais novo e o menino mais velho (atenção para o fato dos meninos em momento algum serem nomeados).

O primeiro tem mais admiração pelo pai e quer ser igual a ele. O segundo gosta mais das palavras, queria que seus pais falassem mais, fica mais perto da mãe porque ela não é tão bruta.

Baleia

Baleia é a cachorra da família e uma personagem que mais se assemelha a um ser humano. É a única que demonstra angústia e que, mesmo sem falar, sabe se comunicar melhor que os outros membros da família.

Personagens secundários

Os outros personagens menores são o Soldado Amarelo, que prende Fabiano injustamente, o patrão de Fabiano e o Seu Tomás, que só aparece nas lembranças da família. Seu Tomás era um homem abastado, inteligente e que lia muito, porém isso de nada lhe serviu quando a seca chegou e ele também teve que abandonar a fazenda.

Resenha e análise do livro

Em Vidas Secas, Graciliano enfatiza a exploração do trabalhador, mostrando como Fabiano é enganado pelo dono da fazenda: seu patrão o rouba nas contas, cobra preços abusivos pelos mantimentos e juros altíssimos.

No final, ele foge da seca e da dívida que tem com o seu patrão. Mesmo após trabalhar mais de um ano, continua sem nenhuma posse.

O autor retrata a miséria e opressão que estes indíviduos precisam enfrentar. Ainda que a pobreza venha pelas condições da natureza (a seca), os homens se aproveitam dela em vez de ajudar aqueles que mais precisam.

Fabiano quer se revoltar contra as injustiças que sofre por parte do patrão e do soldado amarelo, porém, se vê forçado a aceitar os maus-tratos. As crianças seguem pelo mesmo caminho. Sem acesso à educação, aprendem com os pais como viver, ouvindo poucas palavras e levando muitos safanões.

Já a Baleia tem sonhos, se comunica com o seu corpo de forma mais eficaz e salva a família da fome no começo do livro. O capítulo de sua morte é um dos trechos mais bonitos da prosa brasileira.

O livro é cheio de termos regionais e a escrita se aproxima mais da fala. Assim como em outros romances da segunda fase do modernismo, essa obra aborda temas sociais com o propósito de denúncia e questionamento.

A maior liberdade formal presente nesse estilo literário também possibilita novas experiências na narrativa. Em Vidas Secas observa-se isso nos capítulos que são soltos - não há uma linearidade que una os capítulos como costumava acontecer. Eles são quase como contos com as suas narrativas próprias.

Outra característica marcante é o aprofundamento psicológico das personagens: o autor retrata pessoas simples, mas com complexidades, tornando-as personagens profundas.

É importante lembrar que a obra foi escrita durante a década de 30, período de grande turbulência política no Brasil e no mundo. O país era comandado por Getúlio Vargas que, em 1937, instalou o Estado Novo, um regime autoritário e anticomunista.

Já Graciliano Ramos era marxista. O autor chegou a ser preso durante o Estado Novo e se filiou ao Partido Comunista Brasileiro em 1945. Com este romance, deu voz àqueles que muitas vezes eram ignorados ou não tinham sequer forças para denunciar os sofrimentos que passavam, por estarem demasiado ocupados tentando sobreviver.

Capítulos de Vidas Secas (resumidos)

I. Mudança

O primeiro capítulo do livro retrata Fabiano, sua mulher e os filhos andando pelo sertão até a chegada a uma fazenda abandonada. Com muita fome, sede e sem condições de prosseguir viagem, eles se instalam por lá. O capítulo termina com uma façanha da cachorra Baleia, que caça um preá e salva todos da fome.

II. Fabiano

Chove no sertão. Com o fim da seca, o dono da fazenda regressa. Fabiano é contratado como vaqueiro. Ele se questiona se é um homem ou um bicho.

III. Cadeia

Fabiano vai para a cidade comprar mantimentos, se envolve num jogo de cartas com um soldado amarelo e acaba sendo preso. Fabiano não sabe falar direito e a falta de comunicação o coloca na prisão injustamente.

IV. Sinhá Vitória

Nesse capítulo, há uma espécie de apresentação dessa personagem e da sua relação com as pessoas da sua família. Sinhá Vitória narra os seus afazeres domésticos enquanto o marido dorme na rede. O único sonho de Sinhá Vitória é uma cama de armação de couro.

V. O menino mais novo

Narra a admiração que esse personagem tem pelo seu pai, especialmente quando o vê vestido de vaqueiro montando uma égua brava. De tão admirado, o menino mais novo tenta montar uma cabra para imitar o pai, mas sem sucesso.

VI. O menino mais velho

Ele quer saber o que é inferno, uma palavra muito bonita que ele ouve, mas não sabe o que significa. Procura a mãe para ajudá-lo pois seu pai é muito bruto. Porém, a resposta da sua mãe também não o satisfaz. Ele não acredita que uma palavra tão bonita seja o nome de um lugar tão ruim.

VII. Inverno

É o momento em que as chuvas alagam o sertão. A família tem medo de morrer afogada. No entanto, a chuva também afasta o medo da fome e da seca. Enquanto chove, eles ficam dentro de casa ouvindo as histórias de Fabiano, que são inventadas e com pouca verossimilhança.

VIII. Festa

Toda a família se arruma para ir a um evento de Natal da cidade. Porém, no meio do caminho, todos já estão descalços e com lama nos pés. Fabiano bebe muita cachaça, tenta arrumar briga e depois dorme no chão usando as roupas como apoio. Sinhá Vitória admira a quermesse e a beleza das coisas, sonhando em ter uma cama de verdade, e os meninos andam atrás da cachorra.

IX. Baleia

É o nono capítulo e o mais marcante do livro. Fabiano que sacrificar a cachorra que está doente. Mas o tiro não sai preciso e acerta as nádegas da Baleia. Ela consegue escapar até o lamaçal. Ferida e à beira da morte, Baleia pensa no ocorrido de forma confusa: pensa nas suas obrigações de cuidar do gado, das crianças e na sua casa. No final ela morre sonhando com um paraíso, um mundo cheio de preás e um Fabiano enorme.

X. Contas

O patrão trata Fabiano de forma injusta. Ele tem direito a uma parte do gado, mas fora isso tem que recorrer à dispensa do patrão para outros mantimentos. O patrão cobra tudo muito caro e logo Fabiano gasta mais do que ganha. Ele fica endividado com o patrão, que cobra juros. Fabiano esboça uma revolta, mas aceita as contas do patrão por medo de ser demitido.

XI. O Soldado Amarelo

Fabiano reencontra o soldado amarelo sozinho e perdido nas veredas. Ele pensa em se vingar do soldado, mas desiste e o ajuda a achar o seu caminho.

XII. O mundo coberto de penas

As aves estão levantando voo e partindo para o sul. Este é o sinal que a seca está voltando. Fabiano vê as aves e fica com raiva.

XIII. Fuga

A seca volta e a fazenda já não oferece mais subsistência. A família parte pelo sertão em direção ao sul em busca de uma cidade grande.

"O sertão mandaria para a cidade homens fortes, brutos, como Fabiano, Sinhá Vitória e os dois meninos."

Filme Vidas Secas

O romance ganhou uma adaptação cinematográfica em 1963 pelas mãos do diretor Nelson Pereira dos Santos, considerado um dos precursores do movimento do Cinema Novo.

A adaptação do livro recebeu diversos prêmios e foi indicada à Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1964.

Sobre o autor Graciliano Ramos

Graciliano Ramos foi escritor, jornalista e político brasileiro. Nasceu em 27 de outubro de 1882 em Quebrângulo, Alagoas, e morreu em 1953 no Rio de Janeiro.

Além de Vidas Secas (1938), uma de suas maiores obras é São Bernardo (1935), também ambientada no sertão nordestino.

Graciiano Ramos (à direita), segurando o seu livro, acompanhado por Amaral Gurgel.
Graciliano Ramos (à direita), segurando o seu livro, acompanhado por Amaral Gurgel (Fonte: acervo da Família Amaral Gurgel).

O autor viveu em diversas cidades do Nordeste. Quando terminou o ensino médio, se mudou para o Rio onde exerceu a profissão de jornalista. Em 1915, retornou para o Nordeste onde ficou até 1936, quando foi preso pelo governo Vargas. Graciliano foi solto em 1937 e morou no Rio de Janeiro até a sua morte.

Ele era "um homem do seu meio físico e social, ao mesmo tempo que um romancista voltado para a introspecção, a análise, os motivos psicológicos" (Álvaro Lins). Graciliano uniu as suas vivências no sertão com a sua consciência política para escrever Vidas Secas.

O autor ganhou diversos prêmios por sua obra, com destaque para o prêmio da Fundação William Faulkner (Estados Unidos) pelo romance Vidas Secas, como livro representativo da Literatura Brasileira Contemporânea em 1962.

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Carolina Marcello
Revisão por Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.