Mito de Narciso explicado (Mitologia Grega)
A figura central de uma das histórias mais célebres da Grécia Antiga, Narciso é um jovem que ficou eternizado pela beleza e também pela vaidade. Apaixonado pelo próprio reflexo, que via nas águas de um lago, ele acabou morrendo nas margens.
Repleto de interpretações e simbologias, o mito permanece entre nós, reinventado por inúmeros autores e artistas, ganhando novas leituras com a passagem do tempo.
A beleza divina de Narciso
Narciso era filho de Cefiso e Liríope: ele era um rio e ela uma ninfa. Talvez pelas suas origens divinas, a criança nasceu dotada de uma beleza extraordinária. Esse fato assustou os pais, desde o nascimento, já que tamanha perfeição física poderia ser encarada como uma afronta aos deuses.
Preocupada, a mãe resolveu consultar o profeta Tirésias, um idoso que era cego, mas conseguia enxergar o futuro. Ela perguntou se a vida do filho seria longa. O oráculo respondeu que sim, contanto que ele nunca visse o próprio reflexo, já que seria a sua perdição.
Na cultura clássica, qualquer qualidade em exagero poderia ser um perigo, porque despertaria a chamada hybris, traduzida como arrogância ou orgulho extremo. Foi isso que aconteceu com o jovem, que cresceu e se tornou o centro das atenções em todos os lugares onde passava.
O herói era tão belo que conquistava o amor de todo mundo: até de divindades imortais. Segundo Ovídio, na obra Metamorfoses, ele era desejado por mulheres da Grécia inteira. Até as ninfas lutavam pelo seu amor, mas Narciso era frio e soberbo, sempre indiferente às suas investidas.
Eco e Narciso: amor e tragédia
Eco era uma ninfa do lago que foi expulsa do Olimpo por Hera, devido aos seus ciúmes. Antes, ela falava muito e distraia a deusa com as suas conversas, enquanto Zeus se afastava para traí-la. Furiosa, Hera resolveu castigá-la e determinou que apenas poderia a se comunicar por repetições.
A pobre ninfa nutria uma enorme paixão pelo herói, mas sempre era rejeitada; assim, ela se isolou no lago e seu corpo se transformou num rochedo. Revoltadas com a conduta de Narciso, as outras ninfas se reuniram e pediram a ajuda de Nêmesis. A filha de titãs era uma deusa conhecida por representar a vingança.
Nêmesis determinou que a punição seria viver um amor impossível, ficando enamorado pela sua imagem. Mais tarde, quando se debruçou para beber água no lago, ele viu o seu rosto pela primeira vez e descobriu o tamanho da sua beleza. Incapaz de abandonar o local, passava os dias se admirando nas águas e até parou de se alimentar, acabando por morrer.
Do corpo de Narciso nasceu uma flor
Afrodite, deusa do amor, ficou com pena de Narciso. Assim, depois da sua morte, ela transformou o corpo do rapaz numa flor amarela que nasceu na margem do lago e ganhou o seu nome.
Muitas vezes, a flor cresce inclinada para baixo, o que se acreditava que representaria a posição do jovem olhando o seu reflexo. Ela também é comparada à figura de Narciso porque, apesar de ser muito bela, é frágil e tem um tempo de vida curto.
Interpretações e significado do mito
Existem também outras versões que modificam o enredo do mito. Numa delas, a vingança não foi causada por Eco, mas por Amínias, um homem que estava tão apaixonado por Narciso que tirou a própria vida. Já na história contada por Pausânias, o herói tinha uma irmã gêmea que morreu. Apaixonado por ela, era o rosto da moça que estava vendo nas águas.
Com essas variações na trama, foram surgindo novas análises e interpretações. Importa lembrar que o nome desta figura surgiu da palavra narke, que significava "entorpecimento". Estamos perante alguém que estava encantando, hipnotizado consigo mesmo. De alguma forma, ele é o oposto de Eco, que só consegue repetir as palavras dos outros.
No segundo volume da sua Mitologia Grega, Junito de Sousa Brandão cita o psiquiatra Carlos Byington, a esse respeito:
Se Narciso, argumentou Byington, vai ser um símbolo central de permanência em si mesmo, Eco, ao revés, traduz a problemática da vivência de seu oposto. Para se compreender o mito, é preciso frisar que Narciso e Eco estão em relação dialética de opostos complementares, (...) de algo que permanece em si mesmo e de algo que permanece no outro.
A leitura mais consensual acerca do mito é a de um homem que é sujeito e objeto do seu amor. Assim, a história pode ser encarada como uma reflexão metafórica sobre identidade e individualidade, narrando um processo de autoconsciência. É essa descoberta que condena Narciso: ele passa a ser seu próprio universo e esquece o resto do mundo.
Há também uma forte carga simbólica, em diversas mitologias, que associa espelhos e reflexos ao mundo sobrenatural. A imagem refletida pode ser encarada como um duplo, uma sombra ou até a manifestação da alma.
Durante o século XIX, o mito de Narciso começou a ser estudado por outros campos do saber. O termo "narcisismo" nasceu na Psiquiatria e depois foi incorporado pela Psicanálise.
Freud desenvolveu um estudo sobre o tema, afirmando ser uma fase do nosso desenvolvimento, em que a libido de um indivíduo estaria focada nele mesmo. Para Jung, a história retrata a complexidade da psique humana: Narciso mergulha tão profundamente na auto-reflexão que perde todo o resto.
Atualmente, a Psicologia fala de Transtorno de Personalidade Narcisista, uma condição através da qual o sujeito adquire uma imagem exagerada e grandiosa de si mesmo.
Representações do mito de Narciso
Ao longo dos séculos, têm sido incontáveis as representações e reinvenções do mito, nas mais variadas épocas e disciplinas. A figura é uma presença assídua na literatura desde Ovídio; um dos exemplos mais famosos é a peça de teatro Narciso ou o Auto-Admirador (1752) de Jean-Jacques Rousseau.
O herói com um final trágico também surge nas artes visuais, pintado por nomes célebres como John William Waterhouse e Caravaggio (nas imagens mais acima) ou Salvador Dalí.
Outra referência que os brasileiros conhecem bem é a canção "Sampa", de Caetano Veloso, e seus inesquecíveis versos: "É que Narciso acha feio / o que não é espelho".
Fontes bibliográficas:
- ÁVILA, Lazslo Antonio. "Psicanálise e mitologia grega" in Pulsional Revista de Psicanálise, Anos XIV/XV.
- BRANDÃO, Junito de Sousa. Mitologia Grega, volume II. Petrópolis: Editora Vozes, 1987.
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