O Conto da Aia, de Margaret Atwood: resumo do livro

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura
Tempo de leitura: 7 min.

The Handmaid's Tale (em português O Conto da Aia) foi escrito pela autora canadense Margaret Atwood em 1985.

Trata-se de um romance distópico passado nos Estados Unidos num contexto bastante catastrófico: um grupo de fundamentalistas religiosos consegue derrubar o governo e assume o poder fundando a República de Gilead.

Apesar de parecer um universo completamente ficcional, a verdade é que em muitos aspectos a produção de Margaret se aproxima de algumas realidades contemporâneas. A obra fala de perto sobre a opressão feminina e o fundamentalismo religioso.

Saiba mais sobre essa obra-prima!

(cuidado, esse artigo contém spoilers)

Resumo

Ponto de partida

A facção fundamentalista Filhos de Jacob consegue dar um golpe de Estado e assumir o comando dos Estados Unidos. É assim que o grupo funda a República de Gilead - o novo nome dado ao país mais poderoso do mundo.

Nesse novo contexto a democracia desaparece, a constituição é suspensa, uma série de líderes políticos são assassinados e as mulheres perdem basicamente todos os seus direitos.

A protagonista

A protagonista de O Conto da Aia é Offred, uma mulher que perde a filha e o marido para a República de Gilead. Também submetida ao regime, por ser uma das poucas mulheres férteis disponíveis, ela passa a ser obrigada a servir a um comandante da alta cúpula do governo.

Seu próprio nome na trama está relacionado a esse homem (Offred quer dizer do Fred).

As mulheres na República de Gilead

Na distopia O Conto da Aia as mulheres dos comandantes não podem ter filhos porque são estéreis e usam trajes verdes. Essas esposas dos comandantes são inférteis por causa da poluição do meio ambiente.

Existem também as Marthas, que representam outra casta desse panorama social. Elas não são férteis por isso limpam e cozinham na casa dos comandantes.

As aias são as poucas mulheres férteis disponíveis e por esse motivo são obrigadas a servirem sexualmente os comandantes. Basicamente durante o período fértil os homens poderosos podem estuprar livremente as aias, inclusive com a conivência das esposas que testemunham o "ritual".

As aias são identificadas pela roupa que usam - uma túnica vermelha e uma touca branca - e são preparadas para exercerem as suas funções pelas Tias, que fazem uma verdadeira lavagem cerebral nas aias.

Se tentarem fugir, tanto as aias quanto as Marthas, são abatidas - assassinadas - visto que as ruas são permanentemente vigiadas.

A perseguição e o dia-a-dia no regime

Não são só as mulheres as vítimas da República de Gilead. Os gays nesse contexto de opressão são considerados traidores e por isso acabam por ser assassinados brutalmente, levados à forca.

Os médicos que praticavam aborto antes da República ser instaurada também não escapam da perseguição e são condenados à morte.

A vida na República de Gilead é vigiada de modo permanente, com controle rigoroso nas ruas feito por um manancial de soldados:

Atrás da barreira, esperando por nós na passagem estreita do portão, estão dois homens, com os uniformes verdes dos Guardiões da Fé, com o escudo de armas nos ombros e nas boinas: duas espadas cruzadas, acima de um triângulo branco.

O romance distópico narra como é viver nessa sociedade opressora, preconceituosa e racista que se divide basicamente em dois grupos: os que comandam e os que são comandados.

Análise de O Conto da Aia

A obra mais famosa de Margaret Atwood levanta uma série de questões que apesar de serem ficcionais infelizmente permanecem atuais nos dias de hoje.

Crítica social

Num contexto extremamente xenófobo, o estado fundamentalista usa a religião como argumento para tirar direitos dos cidadãos.

Vemos também registrado nas páginas literárias o absurdo direito dos homens de possuírem o corpo das mulheres quando bem entenderem, completamente alheios ao desejo delas.

A distopia também insiste muito na repressão dos mais poderosos em relação às minorias.

Para quem acha que essa sociedade imaginária parece inteiramente inventada, basta abrir as páginas nos jornais nos dias de hoje para encontrar algumas comunidades contemporâneas que vivem sob a égide de um regime autoritário e teocrático.

A vigilância constante

Assistimos na ficção de Margaret composta em meados dos anos oitenta uma realista perseguição aos gays e aqueles que contrariam o sistema.

A repressão é fortíssima e os cidadãos são permanente vigiados. Esse excesso de controle gera por vezes assassinatos injustificados:

Na semana passada mataram a tiros uma mulher, bem aqui. Era uma Martha. Estava remexendo em sua túnica em busca do passe, e pensaram que estivesse apanhando uma bomba. Pensaram que fosse um homem disfarçado. Já houve incidentes desse tipo.

As consequências da devastação ambiental

O aumento da degradação do meio ambiente nesse universo paralelo gera consequências na saúde dos seres humanos, especialmente das mulheres, que passam a sofrer de infertilidade.

Convém sublinhar que a obra de Margaret foi criada em 1985, em um contexto mundial completamente distinto, mas que a permitiu antever alguns dos problemas que surgiriam no futuro.

Série The Handmaid's Tale

O romance de Margaret Atwood deu origem a uma série exibida pelo streaming Hulu. A série começou a ser gravada em setembro de 2016 e foi adaptada pelo roteirista e produtor Bruce Miller.

A produção ganhou o prêmio Emmy de melhor drama do ano em 2017.

Confira o trailer:

Protestos com o uso do figurino de O Conto da Aia

O figurino das personagens de Margaret (a capa vermelha e a touca branca) acabaram por se tornar símbolo da opressão contra as mulheres e vem sendo usado por ativistas em uma série de manifestações ligadas à causa, como por exemplo a mobilização a favor do aborto.

Protesto
Mulheres vestidas de aia protestam em Washington contra o corte de verbas no planejamento familiar (2017)

Segundo a própria autora Margaret Atwood:

É uma estratégia de protesto brilhante, porque elas podem entrar em casas legislativas e você não pode expulsá-las, porque elas não estão dizendo nada, estão apenas sentadas despretensiosamente. Também não pode expulsá-las por estarem vestidas de maneira inadequada, estão todas cobertas. Mas todo mundo que olha para elas sabe o que querem dizer.

Sequência do livro

Mais de trinta anos após o lançamento de The Handmaid's Tale, Margaret decidiu escrever uma sequência do livro.

Intitulado The Testaments, o livro foi lançado em setembro de 2019 no Reino Unido e ainda não tem data certa para chegar ao Brasil.

The Testaments
Capa do livro The Testaments, sequência de O Conto da Aia lançado em 2019

Quem é Margaret Atwood?

Margaret Atwood nasceu em Otawa em 1939 e é considerada a maior autora canadense viva. Escritora compulsiva, ela tem publicados mais de quarenta títulos entre ficção, poesia e ensaio e está traduzida para mais de trinta e cinco línguas.

Suas obras mais celebradas são O Conto da Aia (1985) e Vulgo Grace (1996). Ambos foram adaptados para o audiovisual, o primeiro pela Hulu e o segundo pela Netflix.

Além de ser um sucesso de público, Margaret também vem conquistando a crítica ao longo das últimas décadas. Ela arrebatou uma série de prêmios como o Arthur C. Clarke, o Governor General’s Award, o Booker Prize e o Giller Prize.

Margaret Atwood
Retrato de Margaret Atwood.

Margaret levou para casa também o prêmio pela Excelência Literária do Sunday Times (Reino Unido), a Medalha de Honra da Literatura do National Arts Clube (EUA), o título de Chevalier de l’ Ordre des Artes e des Lettres (França) além de ter recebido a primeira edição do Prêmio Literário de Londres.

Margaret atualmente vive em Toronto e é casada com o escritor Graeme Gibson.

Conheça mais sobre a obra de Margaret Atwood e seus livros essenciais.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).