O Cortiço: resumo e personagens do livro naturalista

Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes
Tempo de leitura: 8 min.

O Cortiço é um romance naturalista de Aluísio Azevedo, publicado em 1890. Focada numa habitação coletiva, o cortiço São Romão, a obra retrata o cotidiano dos moradores e suas lutas diárias pela sobrevivência.

O livro tem um cariz de crítica social, denunciando as más condições de vida nos cenários urbanos e a exploração dos trabalhadores. Centra-se ainda na ascensão social de João Romão, o proprietário, um imigrante português disposto a tudo para enriquecer.

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Resumo do livro O Cortiço

João Romão é um homem do povo que imigrou para o Brasil em busca de uma vida melhor. Dono de uma pedreira e de uma venda, ele consegue comprar algumas casas: primeiro são três e depois passam a ser noventa. Sua preocupação em acumular riqueza o leva a economizar de maneira quase obsessiva, privando-se de uma vida confortável.

Ele conta com a ajuda de Bertoleza, a sua companheira, uma antiga mulher escravizada que conseguiu se libertar. Contudo, essa liberdade é ilusória, pois ela é explorada no relacionamento e precisa trabalhar incansavelmente para Romão.

Com pequenos furtos de materiais de construção, eles conseguem ir aumentando as dimensões do cortiço. À medida que vai crescendo, o espaço se transforma quase num personagem coletivo que reflete as durezas da vida para as classes mais baixas.

Capa do livro.

Miranda também é um imigrante português que vive num sobrado do lado do cortiço São Romão. Pelo seu estatuto social, desperta a inveja do protagonista e os dois entram numa disputa por um pedaço de terra. Representando a classe burguesa em ascensão e a classe trabalhadora que batalha por tudo que tem, Miranda e Romão ecoam as tensões sociais daquele tempo.

Mais tarde, quando Miranda se torna barão, Romão decide se aliar a ele, pedindo sua filha Zulmira em casamento. Além de querer ascender socialmente, o homem pretende "apagar" o passado e suas origens humildes, integrando a alta sociedade como sempre sonhou.

Para se livrar de Bertoleza, que seria um obstáculo à união, ele resolve denunciar a companheira como escrava fugida. Esta traição deixa explícito que se trata de alguém sem limites, capaz até mesmo de sacrificar a mulher que o ajudou a construir tudo, em prol da sua ambição desmedida. Em desespero, a mulher acaba cometendo o suicídio para não ter que voltar à vida de escravidão.

Enquanto tudo isso acontece, também vamos assistindo à rotina das pessoas que habitam aquele local, percebendo melhor a vida que levam e aquilo que as condiciona. É o caso de personagens como Rita Baiana e Firmo, entre outros.

Rita Baiana, descrita como "uma mulata sensual", representa a liberdade e também o desejo. Sua presença, o modo como dança e sua relação como Firmo provocam tensão entre os moradores.

O cortiço é, então, como uma pequena amostra da sociedade, deixando claro que os comportamentos de cada um podem ser condicionados pelo meio onde vive.

Personagens principais da obra

Antes de explorarmos as características das principais figuras da obra, é importante salientar que elas não têm uma grande profundidade emocional. Pelo contrário, funcionam como personagens tipo que pretendem representar imagens estereotipadas da sociedade brasileira.

João Romão

João ilustra a ambição, a ganância e os indivíduos capazes de tudo para enriquecer. Após ter trabalhado, dos treze aos vinte e cinco anos, para um vendeiro, ele conseguiu reunir algumas economias. Interesseiro e sem escrúpulos, trai a própria companheira para melhorar os seus negócios.

Miranda

Miranda é um negociante português, dono de uma loja de fazendas. Ele é casado com Estela, mulher que já o traiu várias vezes, mas que ele não pode abandonar, por conta de seu dinheiro e estatuto social.

Bertoleza

Bertoleza trabalhava como quitandeira e tinha sido escravizada, mas se libertou. Vizinha de João Romão, começou um relacionamento com ele, mas era explorada, trabalhando nos seus negócios de sol a sol. Traída e "descartada" por Romão, tem um final trágico.

Estela

Estela é esposa de Miranda e já deu vários desgostos ao marido devido aos seus adultérios, que começaram no segundo ano do casamento. Mãe de Zulmira, ela jura que Miranda é o pai, mas o homem duvida.

Firmo

Firmo é um capoeirista, representante da malandragem carioca, que usa sempre um chapéu de palha. É apaixonado por Rita Baiana, com quem chega a viver um romance passageiro. Por ciúmes, briga com Jerônimo e morre nas suas mãos.

Rita Baiana

Lavadeira e mulher de bom coração, Rita Baiana simboliza um estereótipo da mulher brasileira naquela época: alegre e sensual, despertando amores e invejas.

Piedade e Jerônimo

O casal de portugueses parece ter sido “contagiado” pelos costumes do cortiço e cai em desgraça. Jerônimo se envolve com Rita e acaba destruindo o seu casamento. Piedade, após ser abandonada, sucumbe ao alcoolismo.

O Cortiço: movimento literário e características

O Cortiço é uma obra de grande importância para a literatura nacional, já que representa um marco do Naturalismo no Brasil. Ela também acabou se tornando um documento que nos ajuda a compreender os quadros mentais da época.

Idealizada por Émile Zola, esta corrente procurava mostrar os instintos humanos, suas fraquezas, vícios e defeitos. Também chamados de "romances de tese", os romances naturalistas pretendiam provar uma teoria: o indivíduo é produto da sua hereditariedade, do meio e do momento histórico em que vive.

Um olhar atual classificaria esses determinismos como formas de tentar justificar, com supostos argumentos científicos, vários preconceitos raciais e de classe.

Algumas características naturalistas que encontramos na obra de Aluísio Azevedo são:

  • Narrador onisciente: com acesso às ações e pensamentos de todos os personagens, ele pode julgar e analisar os mesmos para comprovar a sua tese.
  • Descrições escatológicas: como acontece nas obras de Zola, temos imagens desconcertantes, como a comparação dos moradores do cortiço a vermes se mexendo no meio de dejetos.
  • Determinismo e fatalismo: segundo a teoria determinista, os indivíduos inseridos em meios pobres estavam condenados à miséria e ao sofrimento, sem oportunidades de mudar de vida.
  • Crítica social: através destas personagens, o autor pretende representar toda a sociedade brasileira, apontando suas injustiças e violências.
  • Ambiente como personagem: o cortiço surge quase como uma entidade coletiva, um ser que vive e se transforma com o tempo.

Análise e interpretação de O Cortiço

O Cortiço aborda as duras condições de vida enfrentadas pelos personagens, retratando os contrastes e desequilíbrios sociais no espaço urbano. A obra, relevante até hoje, reflete o capitalismo emergente do século XIX e a exploração das classes mais vulneráveis, com destaque para a opressão do pobre pelo rico e do negro pelo branco.

Com uma visão sociológica e determinista, Aluísio Azevedo mostra como o ambiente molda o comportamento humano e influencia o destino dos personagens. Jerônimo, um trabalhador dedicado, é um exemplo disso, pois se corrompe ao se envolver com Rita Baiana, comete adultério e acaba assassinando Firmo, influenciado pela violência do local.

O cortiço, que acaba incendiado, é reconstruído como o edifício Avenida São Romão, habitado por pessoas de maior poder aquisitivo. No entanto, os moradores mais pobres se mudam para outro cortiço, o Cabeça de Gato, evidenciando que a desigualdade social e os ambientes corruptores continuam a existir, perpetuando um ciclo vicioso de exploração.

Livro disponível em PDF

O Cortiço já se encontra em Domínio Público e pode ser lido, na íntegra, em formato PDF.

Aluísio Azevedo, o autor

Aluísio Azevedo (1857-1913) foi um escritor, jornalista, caricaturista e diplomata brasileiro. Em 1879, ele publicou Uma lágrima de mulher, que mostrava ainda todas as influências do estilo romântico.

Três anos depois, no entanto, o autor entrou para a história da literatura nacional com a publicação de O Mulato, livro que marcou o início do movimento naturalista no Brasil. Na obra, eram evidentes as questões raciais e a postura abolicionista de Aluísio Azevedo.

O seu trabalho de influências naturalistas conquistou a atenção de seus leitores e pares; ele também foi um dos membros fundadores da Academia Brasileira de Letras.

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.