O Mulato de Aluísio Azevedo: resumo e análise do livro
Escrito pelo autor Aluísio Azevedo (1857-1913) e publicado em 1881, O mulato inaugurou o movimento literário Naturalismo no Brasil.
O título do livro faz alusão ao personagem principal da obra e a história aborda o enorme preconceito racial que existia no Brasil contemporâneo de Aluísio Azevedo. Outros temas importantes trabalhados no romance são a corrupção do clero, a hipocrisia social e o adultério.
Resumo e análise de O mulato
O mulato apresenta uma história de um amor impossível entre um mulato chamado Raimundo (filho bastardo de um comerciante português com uma escrava negra) com a sua prima, a moça branca Ana Rosa.
Apesar de os dois serem profundamente apaixonados, a sociedade, racista, os impede de ficarem juntos. A própria família se opõe ao projeto dos dois apaixonados por Raimundo ser filho de uma escrava (Domingas).
A história narrada por Aluísio Azevedo se passa na província do Maranhão, que era considerada das mais atrasadas do país. Lá o abolicionismo e a democracia estavam longe de ganharem muitos simpatizantes. Em O mulato, Aluísio Azevedo desmascara a sociedade contemporânea maranhense mostrando como se tratava de uma comunidade extremamente preconceituosa, racista e retrógrada.
O ambiente social do seu tempo, especialmente do interior do Maranhão, era muito marcado pela igreja católica e pelo viés antiabolicionista. O livro denuncia a injustiça social e o preconceito vivido pelos negros e mestiços naquela região do Brasil.
Convém sublinhar que, apesar de ser filho de mãe escrava, Raimundo não apresentava propriamente traços físicos negros tendo fisionomia de branco, inclusive com olhos azuis. O que pesava sobre ele era apenas o estigma social de ser mestiço. Fisicamente o protagonista era descrito da seguinte forma:
Raimundo tinha vinte e seis anos e seria um tipo acabado de brasileiro, se não foram os grandes olhos azuis, que puxara do pai. Cabelos muito pretos, lustrosos e crespos; tez morena e amulatada, mas fina; dentes claros que reluziam sob a negrura do bigode; estatura alta e elegante; pescoço largo, nariz direito e fronte espaçosa. A parte mais característica de sua fisionomia eram os olhos grandes, ramalhudos, cheios de sombras azuis; pestanas eriçadas e negras, pálpebras de um roxo vaporoso e úmido; as sobrancelhas muito desenhadas no rosto, como a nanquim, faziam sobressair a frescura da epiderme, que, no lugar da barba raspada, lembrava os tons suaves e transparentes de uma aquarela sobre papel de arroz.
Raimundo era filho bastardo de José, um fazendeiro, com Domingas, uma escrava da fazenda. Quando descobre o caso do marido, Quitéria, esposa de Raimundo, tortura a escrava.
A obra, com trechos profundamente violentos, inclusive a passagem onde Quitéria manda Domingas ser espancada, fala também sobre a barbárie, sobre a forma como os negros eram tratados com punições físicas severas.
Outra personagem feminina da obra, D.Maria Bárbara, religiosa fervorosa avó de Ana Rosa, é das que mais impunha castigos físicos (“dava nos escravos por hábito e por gosto”). Especialmente as mulheres do romance - encabeçadas por D.Maria Bárbara - são representações de senhoras do tempo de Aluísio Azevedo marcadas pela superficialidade, pelo cinismo e pelo excesso de religiosidade:
viúva, brasileira rica, de muita religião e escrúpulos de sangue, e para quem um escravo não era um homem, e o fato de não ser branco constituía só por si um crime. Foi uma fera! A suas mãos, ou por ordem dela, vários escravos sucumbiram ao relho, ao tronco, à fome, à sede, e ao ferro em brasas. Mas nunca deixou de ser devota, cheia de superstições; tinha uma capela na fazenda, onde a escravatura, todas as noites, com as mãos inchadas dos bolos, ou as costas lanhadas pelo chicote, entoava suplicas à Virgem Santíssima, mãe dos infelizes.
José, ao notar que Domingas estava sendo vítima de tortura com o filho a assistir à cena, manda levar a criança (Raimundo) para a casa do irmão Manuel.
José, pai de Raimundo, numa reviravolta inesperada do destino acaba por ser assassinado e a criança fica sob os cuidados do tio Manuel. O menino é então enviado para a Europa onde se doutora com louvor na prestigiada Faculdade de Direito de Coimbra.
Por mais que fosse culto, no entanto, Raimundo enfrentava o preconceito como qualquer outro mestiço do seu tempo.
Mas que culpa tinha ele em não ser branco e não ter nascido livre?... Não lhe permitiam casar com uma branca? De acordo! Vá que tivessem razão! Mas por que insultá-lo e persegui-lo? Ah! amaldiçoada fosse aquela raça de contrabandistas que introduziu o africano no Brasil! Maldita! Mil vezes maldita! Com ele quantos desgraçados não sofriam o mesmo desespero e a mesma humilhação sem remédio?
Quando regressa ao Brasil depois da temporada na Europa, Raimundo volta para a casa do tio e tutor Manuel e deseja saber mais sobre as suas origens.
É durante esse período que Raimundo se apaixona pela filha de Manuel, Ana Rosa. Mas, como a família da amada conhece a origem de Raimundo, proíbe o casamento porque se recusa a “sujar o sangue da família”.
O estigma de ter sangue negro correndo nas veias condena a vida amorosa de Raimundo. Aqueles que estão ao seu redor e sabem da sua condição de filho bastardo imediatamente o excluem da vida social plena vivida entre os brancos:
Mulato! Esta só palavra explicava-lhe agora todos os mesquinhos escrúpulos, que a sociedade do Maranhão usara para com ele. Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; a conversa cortada no momento em que Raimundo se aproximava; as reticências dos que lhe falavam sobre seus antepassados; a reserva e a cautela dos que, sem sua presença, discutiam questões de raça e de sangue; a razão pela qual Dona
Amância lhe oferecera um espelho e lhe dissera: “Ora mire-se!”
O racista cônego Diogo, amigo da família de Ana Rosa, também se coloca contra Raimundo e chega a usar recursos maquiavélicos para afastar o casal. Ana Rosa é prometida para um empregado do pai apesar da sua recusa veemente.
Decididos a ficarem juntos, Ana Rosa e Raimundo fogem. O cônego Diogo, no entanto, cruza o caminho dos dois e Raimundo é assassinado por um dos homens que estava na sua companhia. A moça, que estava grávida de Raimundo, fica em pânico com a situação e perde o bebê espontaneamente.
Ana Rosa acaba por se casar obrigada com o assassino de Raimundo e com ele tem três filhos vivendo numa tradicional realidade burguesa. Ao contrário do final feliz romântico esperado, Aluísio Azevedo condena o casal a um fim trágico e opta por, no romance, denunciar a hipocrisia social.
Ao saber do casamento da neta Ana Rosa, D.Maria Bárbara suspira uma frase que denuncia todo o preconceito presente na sua geração e contra o qual Aluísio Azevedo se debatia: “Bem! Ao menos tenho a certeza de que é branco!”
Corajosamente Aluísio Azevejo denunciou uma sociedade racista e teve a valentia de falar sobre o preconceito dentro da própria igreja católica colocando como um cônego o maior vilão da narrativa.
Depois da publicação da obra, o escritor sofreu uma série de perseguições tendo inclusive se mudado de vez do Maranhão para o Rio de Janeiro.
Contexto histórico
O mulato foi a segunda obra que Aluísio Azevedo publicou (a primeira foi Uma lágrima de mulher). Aluísio Azevedo era escritor, desenhista, caricaturista e pintor. O jovem, que escrevia para se manter financeiramente, publicou O mulato quando tinha apenas 24 anos.
A obra foi considerada uma história de vanguarda, moderna, antenada com o que se passava na Europa e ultrapassando os padrões românticos que ainda vigoravam no Brasil.
O Naturalismo, um movimento artístico e literário que O mulato inaugurou no Brasil, estava associado a correntes científicas do final do século XIX. Esse foi um período de ebulição marcado pelo positivismo, pelo evolucionismo, pelo darwinismo-social, pelo determinismo e pelo racismo científico. Os autores naturalistas estudavam o indivíduo e pretendiam compreender a sua herança genética e o meio onde o sujeito estava imerso para melhor compreende-lo.
Os artistas pretendiam dar visibilidade a assuntos tabus, especialmente urbanos, trazendo para o debate importantes questões sociais que eram silenciadas. Os autores desse grupo, que eram mais inclinados para escreverem mais romances, tinham interesse em falar principalmente sobre as camadas mais empobrecidas da sociedade ou sobre os socialmente excluídos de alguma forma.
A corrente que começou na Europa usava a literatura como uma espécie de instrumento de denúncia, colocando uma lupa nos dramas sociais. Os naturalistas acabavam, por esse motivo, enfocando basicamente temas de cunho político e social.
Enquanto Aluísio escrevia o Brasil passava por mudanças profundas: ganhava força a campanha abolicionista, a república havia sido proclamada e cada vez mais imigrantes entravam em território nacional.
A Lei do Ventre Livre havia decretado que os filhos de escravas nascidos a partir de 28 de setembro de 1871 fossem livres enquanto a Lei dos Sexagenários (1885) concedia liberdade para os escravos com mais de 60 anos.
Apesar do progresso em termos legais, a própria Lei do Ventre Livre, no entanto, era por muitos proprietários de escravos contornada, como denuncia o livro:
Lembrar-se de que ainda nasciam cativos, porque muitos fazendeiros, apalavrados com o vigário da freguesia, batizavam ingênuos como nascidos antes da lei do ventre livre!
A Lei Áurea, a mais importante delas, só foi assinada, por sua vez, em 1888, alguns anos depois da publicação polêmica do escritor maranhense.
Personagens principais
Raimundo
É um homem de caráter, com valores morais muito rígidos, cheio de princípios, empenhado em fazer o que é correto e que leva a sua vida com muita exatidão. Fisicamente tinha os traços europeus, olhos azuis, e não tinha praticamente aparência de negro apesar de ter mãe escrava. Raimundo é vítima do preconceito racial e simboliza todos aqueles que tiveram que passar por situações de exclusão por conta da herança genética que carregavam.
Ana Rosa
É uma mulher romântica, que só pensa em se casar, cujo maior sonho é estar ao lado do amado Raimundo. Ana Rosa representa o romantismo e a ingenuidade.
Cônego Diogo de Melo
É o padre da região e o vilão da trama, representa todo o racismo social e a hipocrisia do clero por ser um religioso que atua das formas mais cruéis. Faz de tudo para afastar o casal Raimundo e Ana Rosa.
José
É um comerciante português, fazendeiro, casado com Quitéria. Com a escrava que possuía, Domingas, José teve o filho bastardo Raimundo.
Manuel
É o tio e tutor de Raimundo. O personagem também é o pai de Ana Rosa, que será a paixão proibida do sobrinho.
O mulato em pdf
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