O que é Literatura de Cordel: características e exemplos da poesia nordestina
A literatura de cordel é uma manifestação artística que combina vários elementos, como a escrita, a oralidade e a xilogravura.
Essa expressão cultural brasileira é típica do nordeste do país, mais precisamente das regiões da Paraíba, Pernambuco, Pará, Alagoas, Rio Grande do Norte e Ceará. Os cordelistas são os poetas responsáveis por essa arte tradicional e popular.
O que é um cordel?
O cordel nordestino é um tipo de literatura que se utiliza de folhetos tradicionalmente vendidos em feiras populares. Esses folhetos também são chamados de cordéis.
Essa é uma expressão muito importante da cultura popular nordestina, pois consegue aliar diversas linguagens da arte e trazer histórias geralmente bem humoradas abordando temas do cotidiano.
E de onde surgiu o cordel?
A literatura de cordel é uma das heranças lusitanas que herdamos. Ela surgiu em Portugal por volta do século XII, com o trovadorismo medieval.
Nessa época haviam artistas que declamavam histórias cantadas para o público, visto que o analfabetismo era praticamente generalizado e uma das formas de transmissão de conhecimento e diversão era através da oralidade.
Mais tarde, no século XV e XVI, já no Renascimento, é criada a prensa, o que viabilizou a impressão mais rápida e em quantidade de textos no papel.
A partir disso, as histórias que eram contadas apenas oralmente pelos trovadores, passaram a ser gravadas em folhetos e tomaram as ruas, penduradas em cordas - os cordéis, como é conhecido em Portugal. A princípio, peças de teatro também eram impressas nesses livretos, como, por exemplo, as obras do escritor português Gil Vicente.
Então, com a chegada dos portugueses ao país, veio também a prática da literatura em cordel, que se instalou no nordeste. Dessa forma, no século XVIII essa expressão cultural se solidifica no Brasil.
Poemas de cordel: exemplos
Veja alguns exemplos de cordéis pequenos para entender essa literatura.
1. Todos os caminhos, de Marco Aurélio
Pra quem nasceu pra viver
não há pregação que sirva
pra quem nasceu pra morrer
carece crer noutra vida
e se não fosse o sermão
seria a lei do cão
com passagem só de ida.
Eu mesmo nunca reclamo
da vida que se me deu
não assinei promissória
meu prazo não se venceu
enquanto vivo estiver
faço meus queréquequé
bem longe de quem morreu.
Se você for de igreja
me perdoe a petulância
não acredito no céu
pode ser ignorância
mas eu prefiro viver
sem mais fortuna querer
do que essa extravagância.
Menino, prepare a vida
chega de notícia ruim
esse mundo tá lotado
de quem quer chegar no fim
pois eu mesmo quero é mais
quem quiser olhe pra trás
e se esqueça lá de mim.
2. A Magia das Chuvas, de Dalinha Catunda
Quando as torres do nascente
No céu começam a subir,
O nordestino se alegra,
Fica feliz a sorrir.
É sinal que a chuva esperada
Não vai demorar a cair.
Quando o céu escurece,
O povo agradecido,
Aumenta as suas preces.
De oração em oração
Vê a chuva molhar o chão
Que de umidade carece.
É água pra todo lado,
É muito sapo a coaxar,
Vegetação vestindo verde,
É o inverno a chegar.
É a esperança brotando,
No chão do meu Ceará.
O agricultor com a enxada
Cantarola pelo caminho.
A rolinha acasalada
Na árvore ajeita seu ninho.
O gado pasta com gosto,
Gorjeiam os passarinhos.
É tempo de alegria,
É tempo de plantação,
Mais um pouco na panela,
Fartura de milho e feijão
É inverno e vida nova,
Chegando ao meu sertão.
Só sabe, mesmo, da alegria,
Da água molhando o chão,
Quem, como eu, já morou
Lá pras bandas do sertão,
E viu a seca inclemente
Queimando o seu torrão.
3. Apego de Tangedor, de Jessier Quirino
Vaqueiro que é bom vaqueiro
Cabôco trabalhador
Se apega pela boiada
Na vida de tangedor
Pulum boi, puluma vaca
Véve naquela fuzaca
Num causo grande de amor.
Com Nena de Zé de Shell
E com a vaquinha Amarela
Divide sua paixão
Chama na xinxa a donzela
Bem distante da cancela
Pra não se ver traição.
Adoece de avexo
Vendo o patrão sem amor
Negociar a boiada
Mode comprar um trator
Chora no pé da cancela
Vendo a vaquinha Amarela
Saindo pro matador.
Poetas de cordel e repentistas
Figuras importantes para a popularização do cordel são os repentistas, violeiros que cantam histórias rimadas em locais públicos, de maneira parecida ao que faziam os antigos trovadores. São muitos cordelistas no nordeste brasileiro. Alguns dos nomes que se destacam são:
- Apolônio Alves dos Santos
- Cego Aderaldo
- Firmino Teixeira do Amaral
- João Ferreira de Lima
- João Martins de Athayde
- Manoel Monteiro
- Leandro Gomes de Barros
- José Alves Sobrinho
- Homero do Rego Barros
- Patativa do Assaré (Antônio Gonçalves da Silva)
- Téo Azevedo
- Gonçalo Ferreira da Silva
Conheça um pouco da história e relevância de dois desses poetas, assim como um exemplo de poema de cada um deles.
Leandro Gomes de Barros (1865-1918)
O paraibano Leandro Gomes de Barros foi reconhecido como o maior dos poetas populares do século XIX. Tanto que, o dia de seu aniversário, 19 de novembro, foi escolhido como o "Dia do cordelista", em homenagem a esse grande artista.
As obras O dinheiro, O testamento do cachorro e O cavalo que defecava dinheiro foram inspiração para o escritor Ariano Suassuna compor O auto da compadecida.
O mal e o sofrimento
Se eu conversasse com Deus
Iria lhe perguntar:
Por que é que sofremos tanto
Quando viemos pra cá?
Que dívida é essa
Que a gente tem que morrer pra pagar?
Perguntaria também
Como é que ele é feito
Que não dorme, que não come
E assim vive satisfeito.
Por que foi que ele não fez
A gente do mesmo jeito?
Por que existem uns felizes
E outros que sofrem tanto?
Nascemos do mesmo jeito,
Moramos no mesmo canto.
Quem foi temperar o choro
E acabou salgando o pranto?
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Patativa do Assaré (1909-2002)
Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré, foi uma figura essencial para a poesia popular e literatura de cordel. Nascido no Ceará, Patativa era filho de uma família pobre e trabalhava na roça.
Nunca deixou sua terra natal, mesmo com o sucesso que fez através de sua arte.
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Características do cordel nordestino
O cordel nordestino tem como marca a maneira irreverente e coloquial de contar as histórias. Ele utiliza a simplicidade e a linguagem regional, o que o torna uma expressão de fácil compreensão para a população em geral.
Temáticas recorrentes na literatura de cordel
As narrativas normalmente contam histórias fantásticas de personagens regionais ou situações do cotidiano, trazendo lendas do folclore, temas políticos, sociais, religiosidade, temas profanos, entre outros.
A xilogravura no cordel
Outra característica que se destaca é o uso de desenhos impressos nos folhetos, que servem para ilustrar as histórias. Esses desenhos são feitos usando, principalmente, a técnica da xilogravura.
Nesse método, as figuras são feitas a partir do entalhe de uma matriz de madeira, que recebe uma fina camada de tinta e depois é "carimbada" no papel, transferindo assim o desenho.
As xilogravuras se tornaram uma marca dos folhetos de cordel, e possuem uma estética bastante própria, com grandes contrastes, formas simplificadas, uso intenso da cor preta e muitas vezes a presença dos veios da madeira no resultado final.
Oralidade, métrica e rima no cordel
A oralidade também é um elemento importantíssimo na literatura de cordel. É através da declamação que o cordelista se expressa plenamente e se comunica com o público.
Apesar de ser uma expressão popular e coloquial, o cordel possui uma métrica específica, com o emprego de versos, e requer também o uso de rimas. Sendo assim, é necessária muita criatividade, técnica e sagacidade para ser um bom cordelista.
Como se faz um cordel?
Para se fazer um cordel, é necessário seguir algumas regras. Essa literatura é estruturada em formato de versos rimados, assim, sua poética pode ser feita de algumas maneiras. A saber:
- Quadra – estrofes contendo 4 versos
- Sextilha – estrofe contendo 6 versos
- Septilha – estrofe contendo 7 versos
- Oitava – estrofe contendo 8 versos
- Quadrão – nesse tipo de cordel os versos ocorrem da seguinte forma: os 3 primeiros rimam entre si, o 4º e o 8º da mesma forma rimam entre si, assim como o 5º, 6º e 7º.
- Décima – estrofe com 10 versos
- Martelo – estrofes feitas com decassílabos
Depois do poema pronto, pode-se criar um folheto de cordel em estrutura de zine. Se possível, é bacana complementá-lo com ilustrações em xilogravura, ou mesmo elaborar desenhos com tinta preta. Essa é uma atividade interessante para propor para as crianças e adolescentes.
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