5 obras para conhecer Euclides da Cunha

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura
Tempo de leitura: 11 min.

Euclides da Cunha (1866-1909) é um dos grandes nomes da literatura brasileira.

Apesar da sua obra mais conhecida ser Os sertões (1902), que retrata a guerra de Canudos, o escritor carioca tem outras obras importantes para a literatura nacional.

Os sertões

Os sertões

Os sertões (1902) é a obra mais famosa de Euclides da Cunha, que o consagrou como um dos maiores escritores da literatura brasileira.

O livro teve a importante função de apresentar para um Brasil urbano o Brasil rural, agreste, até então pouco conhecido, onde se sofria em silêncio.

Na obra lemos os bastidores da guerra de Canudos, que ocorreu no interior da Bahia entre 1896 e 1897, liderada por Antônio Conselheiro.

A história pessoal que levou o escritor a criar Os sertões começou ainda durante a juventude de Euclides da Cunha. Depois de ser expulso da escola do exército na Urca (Rio de Janeiro) por ser antimonarquista, Euclides da Cunha, que era republicano, começou a escrever para o jornal.

Devido às suas convicções políticas foi convidado para ir a Canudos, no interior da Bahia, ver de perto o conflito entre os militares e a população local. Foi na região que testemunhou o embate violento sobre o qual decidiu escrever.

A comunidade religiosa, guiada por Antônio Conselheiro, se envolveu numa sangrenta batalha no sertão. Supostamente se tratava de uma revolta contra a República (a favor da monarquia), mas, chegando lá, Euclides se deparou com um massacre feito pelos militares contra a população local.

Quatro expedições do exército foram enviadas a Canudos para combaterem os 20 mil habitantes da região que estavam munidos com apenas armas rústicas (pedras e paus). Os militares, mais numerosos, portavam granadas e armas de fogo. O conflito, desproporcional, foi um dos maiores derramamentos de sangue da nossa história e, graças a Os sertões, sabemos mais sobre as injustiças que se passaram na região.

A convite do jornal O Estado de São Paulo, Euclides da Cunha fez na ocasião uma série de reportagens como correspondente denunciando o ocorrido. Em paralelo, anotava o que via numa caderneta - o material serviria para construir a sua grande obra: Os sertões.

O livro é dividido em três partes: na primeira delas, A Terra, é narrada a realidade agreste, árida, do sertão. Há aqui uma descrição minuciosa das plantas típicas, do clima e das questões que se referem ao ambiente sertanejo.

Na segunda parte (O Homem), se fala sobre o sujeito que habita esse espaço, o sertanejo. É de Euclides da Cunha a famosa frase “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”, elogiando a resiliência desses habitantes do sertão. O autor, especialmente nessa parte, registra as expressões culturais e as peculiaridades dos seres humanos que viviam com enormes dificuldades

A última parte do livro (A Luta), por sua vez, é tida como a mais importante da obra porque é nela que o autor descreve ao pormenor o massacre de Canudos, com toda a brutalidade que assistiu pessoalmente.

Graças a sua empreitada valente - a cobertura da guerra de Canudos e a publicação das reportagens e do livro Os sertões - Euclides da Cunha ganhou enorme fama e reconhecimento público na sua geração.

Depois do lançamento da obra, a história foi adaptada tanto para o cinema quanto para a televisão e para o teatro.

Descubra uma explicação aprofundada da obra lendo o artigo Os sertões de Euclides da Cunha: resumo e análise.

Leia Os sertões na íntegra em formato pdf.

Amazônia - Um paraíso perdido

Amazônia

Uma das obras mais importantes de Euclides da Cunha é Amazônia. Entre 1907 e 1908 o escritor se mudou para a região norte do país e é dessa viagem que resulta o livro Amazônia.

Ao contrário de Os sertões, que foi uma obra concluída, Amazônia (que idealmente Euclides queria que se chamasse “Um paraíso perdido”) consiste numa série de escritos fragmentados e inacabados que Euclides da Cunha foi escrevendo sem ter dado uma unidade final ao trabalho porque teve a vida interrompida por uma morte inesperada.

A primeira vez que o escritor trabalhou com a temática da amazônia foi quando publicou, em 14 de novembro de 1898, um artigo para o jornal O Estado de S.Paulo, para o qual trabalhava, com o título “Fronteira Sul do Amazonas: questão de limites”.

Se em Os sertões Euclides da Cunha apontava para questões internas do próprio país, em Amazônia o escritor se centrou no drama das fronteiras, nos conflitos externos entre Brasil e Peru para delimitarem a linha divisória entre os países

A escrita sobre a amazônia estava intimamente ligada ao jornal, foi no Estado de S.Paulo que Euclides divulgou uma série de reportagens sobre o tema denunciando o conflito de interesses na região e destacando a importância do governo brasileiro se posicionar para não perder a amazônia para o país vizinho.

Amazônia é uma obra que está intimamente ligada a desgraça que se passou na vida pessoal de Euclides da Cunha. Naquela época o escritor era casado com Ana Emília Ribeiro da Cunha. Enquanto Euclides passou dois anos viajando pela amazônia para criar a sua obra, Ana Emília, que ficou no Rio de Janeiro, teve uma série de casos extraconjugais e se apaixonou por um militar, o cadete Dilermando de Assis, tendo inclusive engravidado e tido um filho.

Ao retornar para casa depois da viagem, Euclides da Cunha se deu conta do que aconteceu e, desesperado, foi atrás do amante de Ana Emília. Numa briga com Dilermando de Assis, o escritor acabou levando tiros e morreu assassinado no dia 15 de agosto de 1909.

A tragédia não termina por aí. No dia 4 de julho de 1916, Dilermando de Assis, que tirou a vida do autor, estava num cartório quanto foi atacado por Euclides da Cunha Filho. Para vingar a morte do pai, o filho disparou sobre Dilermando. Os tiros não tiram a sua vida, mas, ao se defender, Dilermando atirou de volta e esse tiro, sim, matou Euclides da Cunha Filho.

Castro Alves e seu tempo

A conferência dada por Euclides da Cunha em 1907 virou obra literária e é o mais importante ensaio publicado do escritor.
Na ocasião a diretoria do Centro Acadêmico XI de Agosto (da Faculdade de Direito da USP) convidou Euclides da Cunha, que já era muito reconhecido pelo seu trabalho literário, para falar sobre a produção do poeta romântico Castro Alves.

Meus jovens compatriotas. No cativante ofício que me dirigistes convidando-me a realizar esta conferência sobre Castro Alves, trai-se afeição preeminente do vosso culto pelo poeta.

O escritor aceitou o convite e deu a palestra a convite dos alunos. Mais tarde, a apresentação foi transcrita e transformada em livro e a ela se juntaram textos do próprio Castro Alves (conhecido como o poeta dos escravos) e também de Euclides da Cunha.

Com a ideia era aproximar os dois escritores, o livro aborda as semelhanças das histórias de vida dos dois mestres da literatura brasileira. E são muitas: ambos eram republicanos, abolicionistas, escreviam de forma engajada, estavam ligados a cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras (Castro Alves era patrono e Euclides foi o segundo ocupante).

Isso sem contar com as parecenças em relação à vida pessoal: os dois tinham uma saúde frágil, tiveram tuberculose, viveram experiências amorosas trágicas (Castro Alves com Eugênia e Euclides com Ana), morreram jovens com mortes relacionadas a arma de fogo (Castro Alves atirou em si próprio de forma acidental e Euclides foi assassinado).

O ciclo de palestras que contou com Euclides da Cunha tinha como objetivo arrecadar fundos para construir estátuas de três antigos alunos da faculdade de direito (os poetas românticos Álvares de Azevedo, Castro Alves e Fagundes Varela).

Correspondência de Euclides da Cunha

Durante a vida Euclides da Cunha se correspondeu com os amigos através de inúmeras cartas, muitas delas redigidas enquanto estava numa das suas longas viagens.

Há, por exemplo, trocas de correspondência com Machado de Assis, que era um grande mestre e amigo e em uma das suas cartas felicitou Euclides da Cunha pela sua eleição na Academia Brasileira de Letras:

Não é mister dizer-lhe o prazer que tivemos na sua eleição para a Academia, e pela alta votação que lhe coube, tão merecida. Os poucos que, por anteriores obrigações, não lhe deram o voto, estou certo de que ficaram igualmente satisfeitos.

As correspondências testemunham não só a vida profissional do autor e a sua importância no meio literário, como também dão notícia sobre a sua conturbada vida pessoal. Há cartas, por exemplo, trocadas com a mulher Ana Ribeiro, com o pai e com o cunhado.

Euclides da Cunha nasceu no Rio de Janeiro em 1866, ficou órfão de mãe muito cedo e entrou na Escola Militar da Praia Vermelha. Aos 17 anos escreveu os seus primeiros poemas e artigos em jornal, mas, por falta de dinheiro, resolveu seguir a carreira militar.

Abolicionista e republicano, Euclides da Cunha foi expulso rapidamente da escola militar tendo ido trabalhar em um jornal onde se aproximou ainda mais do universo da escrita.

Idealista, o escritor ansiava por um novo Brasil, especialmente sem escravidão. Muito da sua história pessoal pode ser conhecida através dessas cartas.

A publicação das correspondências que escreveu ao longo da vida reúne cerca de 400 exemplares escritos por Euclides de Cunha (107 delas cartas inéditas), e mostram para o leitor um pouco da vida do autor antes e depois da fama.

As correspondências foram trocadas durante 17 anos com os mais diversos interlocutores (Joaquim Nabuco, Coelho Neto, Machado de Assis, amigos e familiares) e trazem à tona as ideologias políticas e literárias de Euclides, além dos seus dramas íntimos.

À margem da história

À margem da história

Publicado postumamente, À margem da história é uma obra resultado do trabalho de Euclides da Cunha na região norte do país.

O autor foi nomeado em 1904 pelo Barão do Rio Branco como chefe da Comissão Brasileira de Reconhecimento do Alto Purus para assessorar a diplomacia dos dois países. Graças ao cargo, Euclides da Cunha teve uma enorme experiência de campo na região da amazônia, até então desconhecida para grande parte dos brasileiros.

À margem da história reúne uma série de reportagens e artigos menos conhecidos que foram sendo publicados em jornais e revistas. Os textos esparsos foram publicados na imprensa na ocasião e acabaram reunidos em formato de livro postumamente.

Em À margem da história podemos conhecer muito da região e das problemáticas políticas envolvidas (especialmente em relação à discussão das fronteiras com o Peru) sendo um retrato da sua época. Euclides da Cunha esteve na região durante bastante tempo e só regressou para o Rio de Janeiro em 1906 porque contraiu malária.

À margem da história é um registro entre o literário e o não literário e fala não só sobre questões políticas como também sobre a natureza, os habitantes locais, a cultura da região norte do país:

A impressão dominante que tive, e talvez correspondente a uma verdade positiva, é esta: o homem, ali, é ainda um intruso impertinente. Chegou sem ser esperado nem querido - quando a natureza ainda estava arrumando o seu mais vasto e luxuoso salão.

Leia À margem da história na íntegra em formato pdf.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).