Poema Amor é fogo que arde sem se ver (com análise e interpretação)
Amor é fogo que arde sem se ver é um soneto de Luís Vaz de Camões (1524-1580), um dos maiores escritores portugueses de todos os tempos. O famoso poema foi publicado na segunda edição da obra Rimas, lançada em 1598.
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor
Análise e interpretação
Camões desenvolve o seu poema de amor através da apresentação de ideias opostas: a dor se opõe ao não sentir, o contentamento que é descontente.
O poeta usa esse recurso de aproximação de elementos que parecem distantes para explicar um conceito tão complexo como o amor.
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
Assim, o poeta nos faz uma série de afirmações sobre o amor que parecem contraditórias, mas que são próprias do sentimento amoroso. Esse recurso linguístico é chamado antítese.
Outro ponto importante é que o poema do mestre português é baseado num raciocínio lógico que leva a uma conclusão. Essa argumentação fundamentada em afirmações que levam a uma consequência lógica é chamada silogismo.
No poema de Camões, as afirmações são feitas nos dois quartetos e no primeiro terceto, sendo a última estrofe a conclusão do silogismo, como podemos observar.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor
O formato do soneto clássico e a sonoridade estão diretamente relacionados ao conteúdo do poema. Nas onze primeiras estrofes temos o desenvolvimento de um raciocínio e observamos uma sonoridade próxima por conta das rimas e da pausa na sexta sílaba métrica.
Camões, mais um poeta a falar sobre o amor
Camões usa do pensamento lógico para expor um sentimento profundo e complexo, o amor. O tema é muito caro à poesia, explorado há séculos por diversos escritores.
Um dos pontos abordados é a lealdade daquele que ama em relação ao ser amado. As cantigas medievais versavam constantemente sobre esse sentimento de servidão. O autor não deixa de colocá-lo no seu poema, usando sempre a antítese para construir o argumento.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Camões exprime a dualidade desse sentimento de uma forma exemplar. Alcançando a essência de um dos sentimentos mais complexos; que nos provoca tanto prazer e sofrimento ao mesmo tempo.
Versos atemporais
O poema se torna atemporal enquanto o tema abordado é universal e as figuras usadas para desenvolvê-lo são complexas e belas.
O amor, assim como tudo na vida, é um jogo de dualidades, de ambiguidades.
O soneto de Camões é um exemplo do uso fino da palavra e da criação de figuras e imagens, o que nos ajuda a entender um pouco de nós mesmos.
Estrutura poética
O poema é um soneto italiano, uma forma fixa de poesia que consiste em quatro estrofes: as duas primeiras com quatro versos (quartetos) e as últimas com três versos (tercetos).
A estrutura costuma ser a mesma: começa com a apresentação de um tema, que passa a ser desenvolvido, e, geralmente no último verso, contém uma conclusão que esclarece a questão.
A poesia de Camões segue a fórmula do soneto clássico. É decassílabo, o que significa que contém dez sílabas poéticas em cada estrofe. A sílaba poética, ou sílaba métrica, se diferencia da gramatical porque ela é definida pela sonoridade. A contagem das sílabas em uma estrofe termina na última sílaba tônica.
/é/ um/ con/ten/ta/men/to/ des/con/ten/te
1 / 2 / 3 / 4 / 5 / 6 / 7 / 8 / 9 / 10 / x
Nas primeiras onze estrofes podemos observar uma cesura (corte) na sexta sílaba poética. A cesura é uma pausa rítmica no meio da estrofe. O poema possui um esquema rímico clássico, formado por ABBA, ABBA, CDC, DCD.
A = er; B= ente; C = ade; D = or.
Descubra o poeta Luís de Camões
Luís Vaz de Camões, autor de Os Lusíadas se tornou um dos maiores poetas da literatura portuguesa.
Nascido em Lisboa em torno de 1524, assistiu às conquistas marítimas do grande império português na aquisição de colônias.
O jovem estudou num convento e mais tarde se tornou professor de história, geografia e literatura. Camões chegou a entrar no curso de Teologia, mas acabou desistindo da empreitada. Por fim ingressou no curso de Filosofia.
Camões era boêmio e teve uma vida agitada, repleta de confusões e casos amorosos. Uma das suas paixões mais ardentes foi com D.Catarina de Ataíde, dama da rainha D.Catarina da Áustria (mulher de D.João III).
Num dos duelos que Camões protagonizou, acabou preso e desterrado durante um ano de Lisboa. A fim de fugir das inimizades, em 1547 se voluntariou para serviu como soldado na África. Durante os dois anos de serviço em Ceuta combateu contra os mouros, o que lhe custou a perda do olho direito.
Após a atuação militar, Camões regressou a Lisboa, onde voltou a ter a sua vida boêmia e com complicações.
Durante essa nova temporada na capital portuguesa redigiu o clássico poema épico Os Lusíadas - a obra considerada a maior poema épico da língua portuguesa. Em paralelo, seguiu escrevendo os seus versos, muitos deles dedicados à lírica amorosa.
Camões faleceu em Lisboa no dia 10 de junho de 1580.
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