Poema O Tempo de Mario Quintana (análise e significado)

Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes
Tempo de leitura: 5 min.

Conhecido popularmente como "O Tempo", o poema de Mario Quintana tem como título original "Seiscentos e Sessenta e Seis". Foi publicado pela primeira vez na obra Esconderijos do Tempo, em 1980.

O livro, escrito quando o autor estava com setenta e quatro anos, exprime a sua visão madura e sábia sobre a vida. Reflete sobre temas como a passagem do tempo, a memória, a existência, a velhice e a morte.

SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Talvez pela mensagem inspiradora que transmite, o poema ganhou várias releituras e adaptações ao longo dos tempos. A composição foi popularizada numa versão maior, cujos versos não pertencem todos a Mario Quintana.

Apesar das inúmeras versões do poema que podemos encontrar e dos problemas de falsa autoria que acarretam, as palavras do poeta se mantêm sempre atuais e pertinentes para os seus leitores.

Análise e interpretação do poema

"Seiscentos e sessenta e seis" é uma composição curta, de verso livre, na qual sujeito lírico reflete acerca da condição humana e a passagem inevitável do tempo.

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

O verso inicial apresenta a vida como "uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa", ou seja, transmite a ideia de que os indivíduos nascem com uma missão para cumprir. Assim, a própria existência é encarada como uma tarefa ou uma obrigação que vamos adiando.

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!

Estes versos mostram o modo como os ponteiros do relógio parecem funcionar. Primeiro, nos distraímos e “já são 6 horas”, mas ainda “há tempo”. De repente, quando nos distraímos de novo, passaram dias, e “já é 6ª feira”. Do nada, o tempo voa e quando reparamos passaram décadas (“60 anos”) e continuamos adiando a vida.

Os números referidos nessa passagem formam o título do poema: "Seiscentos e sessenta e seis". É evidente a simbologia bíblica presente na escolha deste número, associado ao Mal, à destruição. Deste modo, a efemeridade da vida e o ritmo inevitável do tempo surgem como uma condenação para o sujeito poético e para toda a Humanidade.

Agora, é tarde demais para ser reprovado…

Quando nos damos conta da velocidade impiedosa com que o tempo passa, "é tarde demais". O sujeito não quer "ser reprovado", tem que cumprir sua missão, completar "os seus deveres" o mais rapidamente possível.

Com este verso, Quintana nos transmite a urgência de viver, a necessidade de pararmos de adiar a própria vida, de fazermos logo aquilo que queremos ou precisamos. Esta ideia vai ganhando cada vez mais força até o final da composição.

E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…

Na sequência de tudo o que dissera antes, o sujeito poético torna explícito o seu desejo de poder voltar atrás, ter "uma outra oportunidade" para viver de forma diferente.

Dando a entender que já está num estágio avançado da sua vida, diz que se fosse jovem de novo, nem se preocuparia em vigiar a passagem do tempo. Pelo contrário, viveria sem adiar ou desperdiçar nada, "sempre em frente".

E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

O último verso do poema transmite aquela que parece ser a sua mensagem fundamental: a importância de aproveitarmos verdadeiramente cada momento que temos diante de nós.

Se a vida é fugaz, de nada adianta batalhar contra o tempo ou tentar controlá-lo, pois essa luta está perdida à partida. Segundo o sujeito lírico, o melhor a fazer é seguir em frente, atravessar a vida espalhando pelo nosso percurso "a casca dourada e inútil das horas".

É também a brevidade do tempo que temos na Terra que lhe confere beleza e valor. As horas são inúteis porque são passageiras, mas é isso que as torna preciosas.

Significado do poema

Com "Seiscentos e Sessenta e Seis" ou "O Tempo", Mario Quintana combina a sua produção poética com a reflexão existencial, partilhando com o leitor a sua experiência e as suas aprendizagens.

Aos setenta e quatro anos, quando escreve Esconderijos do Tempo, reflete sobre o seu percurso. Percebe que aproveitar a vida é uma emergência, é verdadeiramente tudo o que precisamos fazer.

Desta forma, o poema se aproxima da frase de Horácio que acompanha a Humanidade há séculos: Carpe Diem ou "Aproveite o dia presente". Todos nascemos sabendo que nossa passagem por este Mundo é curta; Quintana vem nos lembrar que devemos experienciá-la da forma mais intensa e verdadeira que encontramos.

Mario Quintana, o autor

Retrato de Mario Quintana.

Mario Quintana nasceu no Rio Grande do Sul, no dia 30 de julho de 1906. Foi um escritor, poeta, jornalista e tradutor de renome, vencendo inúmeros prêmios, incluindo o Prêmio Jabuti e o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras.

Nunca tendo casado nem constituído família, Mario teve uma velhice solitária, se dedicando à escrita até uma idade muito avançada. Morreu em Porto Alegre, dia 5 de maio de 1994, deixando um vasto legado literário, composto por obras poéticas, livros infantis e traduções literárias.

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.