12 grandes poemas de Castro Alves

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura
Tempo de leitura: 12 min.

O poeta baiano Castro Alves (1847-1871) fez parte da última geração romântica. O principal nome do Condoreirismo ganhou a fama de ser o Poeta dos Escravos por defender de corpo e alma o abolicionismo.

Um escritor engajado, motivado a defender os ideais de justiça e liberdade, Castro Alves faleceu aos apenas 24 anos, mas deixou uma vasta obra que merece ser estudada.

Poemas abolicionistas

Os poemas de Castro Alves que ficaram mais famosos foram aqueles que se debruçaram sobre o tema do abolicionismo. Com um tom panfletário, declamativo, o poeta os recitava em comícios e eventos.

Com um tom indignado, Castro Alves dissertava sobre temas políticos e sociais e cantava ideais liberais fazendo uma apologia à República e militando a favor da abolição da escravatura.

Em 1866, quando estava no segundo ano do curso de Direito, Castro Alves chegou a fundar, ao lado de Rui Barbosa e de amigos do curso da Faculdade de Direito, uma sociedade abolicionista.

Grande parte dessas composições engajadas foram influenciadas pela lírica do poeta francês Vitor Hugo (1802-1885).

1. O navio negreiro (trecho)

'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.

'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...

'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dois é o céu? qual o oceano?...

Conheça uma análise completa do poema O Navio Negreiro, de Castro Alves

2. Ode ao dois de julho (trecho)

recitado no Teatro de S.Paulo

Não! Não eram dois povos, que abalavam
Naquele instante o solo ensangüentado...
Era o porvir—em frente do passado,
A Liberdade—em frente à Escravidão,
Era a luta das águias — e do abutre,
A revolta do pulso—contra os ferros,
O pugilato da razão — com os erros,
O duelo da treva—e do clarão!...

No entanto a luta recrescia indômita...
As bandeiras — como águias eriçadas —
Se abismavam com as asas desdobradas
Na selva escura da fumaça atroz...
Tonto de espanto, cego de metralha,
O arcanjo do triunfo vacilava...
E a glória desgrenhada acalentava
O cadáver sangrento dos heróis!...

3. Canção do africano (trecho)

Lá na úmida senzala,
Sentado na estreita sala,
Junto ao braseiro, no chão,
Entoa o escravo o seu canto,
E ao cantar correm-lhe em pranto
Saudades do seu torrão ...

De um lado, uma negra escrava
Os olhos no filho crava,
Que tem no colo a embalar...
E à meia voz lá responde
Ao canto, e o filhinho esconde,
Talvez pra não o escutar!

"Minha terra é lá bem longe,
Das bandas de onde o sol vem;
Esta terra é mais bonita,
Mas à outra eu quero bem!

Poemas de cunho social

Em grande parte dos poemas de Castro Alves encontramos um eu-lírico que questiona o mundo e se pergunta qual é o seu lugar nele. Ao avesso da geração romântica que o antecedeu (que se debruçava nos dramas do próprio indivíduo), aqui o sujeito poético olha ao redor e tenta provocar mudanças na sociedade.

O eu-lírico questiona a justiça e procura cantar a liberdade de imprensa e de modo geral. Esse tipo de poética, carregada de um discurso político, era feita com a intenção de ser declamada em salões e fazia uso de um discurso retórico.

Muito verborrágica, inflamada, a poesia fazia uso de hipérboles, antíteses e metáforas, e continha um exagero de palavras e de imagens.

Essa poesia comprometida, em sintonia com o projeto condoreirista, procurava influenciar o leitor, mobiliza-lo, fazendo com que ele tomasse atitudes concretas no mundo real.

Foi durante a faculdade que Castro Alves passou a se envolver com o ativismo escrevendo em periódicos universitários. Em 1864 esteve envolvido inclusive num comício republicano que foi rapidamente abafado pela polícia.

4. O livro e a América (trecho)

Talhado para as grandezas,
P'ra crescer, criar, subir,
O Novo Mundo nos músculos
Sente a seiva do porvir.
—Estatuário de colossos —
Cansado doutros esboços
Disse um dia Jeová:
"Vai, Colombo, abre a cortina
"Da minha eterna oficina...
"Tira a América de lá".

Molhado inda do dilúvio,
Qual Tritão descomunal,
O continente desperta
No concerto universal.

5. Pedro Ivo (trecho)

República!... Vôo ousado
Do homem feito condor!
Raio de aurora inda oculta
Que beija a fronte ao Tabor!
Deus! Por qu'enquanto que o monte
Bebe a luz desse horizonte,
Deixas vagar tanta fronte,
No vale envolto em negror?!...

Inda me lembro... Era, há pouco,
A luta!... Horror!... Confusão!...
A morte voa rugindo
Da garganta do canhão!..
O bravo a fileira cerra!...
Em sangue ensopa-se a terra!...
E o fumo — o corvo da guerra —
Com as asas cobre a amplidão...

Poemas de amor

Na lírica amorosa Castro Alves transparece o poder da paixão que move a escrita e a intensidade do afeto. Encontramos ao longo dos versos um eu-lírico encantado pelo seu objeto de desejo não só no plano físico como também no intelectual.

Como poeta romântico, ao contrário do que produziu a sua geração, nota-se uma pulsão para realizar o amor carnal. Lemos, portanto, uma poesia muitas vezes sensual, sensorial. Ao avesso de outros poetas românticos, aqui o amor é realizado, reverbera na prática, se concretiza.

Há nesses poemas uma inegável influência autobiográfica. Muitos dos versos de louvação da mulher amada foram compostos em homenagem à famosa atriz portuguesa Eugênia Câmara, dez anos mais velha que o rapaz, seu primeiro e grande amor.

6. O gondoleiro do amor

Teus olhos são negros, negros,
Como as noites sem luar...
São ardentes, são profundos,
Como o negrume do mar;

Sobre o barco dos amores,
Da vida boiando à flor,
Douram teus olhos a fronte
Do Gondoleiro do amor.

Tua voz é cavatina
Dos palácios de Sorrento,
Quando a praia beija a vaga,
Quando a vaga beija o vento.

E como em noites de Itália
Ama um canto o pescador,
Bebe a harmonia em teus cantos
O Gondoleiro do amor.

7. Adormecida (trecho)

Uma noite eu me lembro... Ela dormia
Numa rede encostada molemente...
Quase aberto o roupão... solto o cabelo
E o pé descalço do tapete rente.

'Stava aberta a janela. Um cheiro agreste
Exalavam as silvas da campina...
E ao longe, num pedaço do horizonte
Via-se a noite plácida e divina.

De um jasmineiro os galhos encurvados,
Indiscretos entravam pela sala,
E de leve oscilando ao tom das auras
Iam na face trêmulos — beijá-la.

8. Onde estás (trecho)

É meia-noite. . . e rugindo
Passa triste a ventania,
Como um verbo de desgraça,
Como um grito de agonia.
E eu digo ao vento, que passa
Por meus cabelos fugaz:
"Vento frio do deserto,
Onde ela está? Longe ou perto? "
Mas, como um hálito incerto,
Responde-me o eco ao longe:
"Oh! minh'amante, onde estás?...

Vem! É tarde! Por que tardas?
São horas de brando sono,
Vem reclinar-te em meu peito
Com teu lânguido abandono!...
'Stá vazio nosso leito...

9. O vôo do gênio (trecho)

A ATRIZ EUGÊNIA CÂMARA

Um dia em que na terra a sós vagava
Pela estrada sombria da existência,
Sem rosas—nos vergéis da adolescência,
Sem luz d'estrela—pelo céu do amor;
Senti as asas de um arcanjo errante
Roçar-me brandamente pela fronte,
Como o cisne, que adeja sobre a fonte,
As vezes toca a solitária flor.

Poemas autocentrados

A lírica de Castro Alves bebia muito da experiência de vida do autor. O poeta teve uma história dura, ficou órfão de mãe aos 12 anos e viu o irmão tirar a própria vida quando ainda era jovem. Muito dessa dor pode ser lida nos seus poemas mais autocentrados, que transparecem um evidente traço autobiográfico.

Em grande parte dos seus versos identificamos um eu-lírico solitário, ensimesmado, com muitas fases deprimidas e angustiadas (especialmente quando a vida amorosa corria mal).

Nos poemas também encontramos o seu lado ativista e político e observamos como Castro Alves foi um sujeito a frente do seu tempo defendendo o fim da escravatura e demonstrando ser um amante da liberdade acima de todas as coisas.

Outra característica que merece ser ressaltada na sua poética é a forte presença da doença, que teve de enfrentar desde muito cedo, e também a imagem da morte, que o atravessou desde a infância com a perda da mãe.

10. Quando eu morrer (trecho)

Quando eu morrer... não lancem meu cadáver
No fosso de um sombrio cemitério...
Odeio o mausoléu que espera o morto
Como o viajante desse hotel funéreo.

Corre nas veias negras desse mármore
Não sei que sangue vil de messalina,
A cova, num bocejo indiferente,
Abre ao primeiro o boca libertina.

Ei-la a nau do sepulcro—o cemitério...
Que povo estranho no porão profundo!
Emigrantes sombrios que se embarcam
Para as plagas sem fim do outro mundo.

11. Canção do boêmio (trecho)

Que noite fria! Na deserta rua
Tremem de medo os lampiões sombrios.
Densa garoa faz fumar a lua,
Ladram de tédio vinte cães vadios.

Nini formosa! por que assim fugiste?
Embalde o tempo à tua espera conto.
Não vês, não vós?... Meu coração é triste
Como um calouro quando leva ponto.

A passos largos eu percorro a sala
Fumo um cigarro, que filei na escola...
Tudo no quarto de Nini me fala
Embalde fumo... tudo aqui me amola.

Diz-me o relógio cinicando a um canto
"Onde está ela que não veio ainda?"
Diz-me a poltrona "por que tardas tanto?
Quero aquecer-te rapariga linda."

12. Mocidade e morte (trecho)

Oh! Eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh'alma adejar pelo infinito,
Qual branca vela n'amplidão dos mares.
No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
Árabe errante, vou dormir à tarde
A sombra fresca da palmeira erguida.

Mas uma vez responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.

Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma um cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher—camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas.
Minh'alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas...

Biografia de Castro Alves (1847-1871)

Antônio de Castro Alves nasceu no dia 14 de março de 1847 na Fazenda Cabaçeiras (cidade de Curralinho, Estado da Bahia).

Era filho de um médico e professor universitário (Antônio José Alves) e ficou órfão de mãe (Clélia Brasília da Silva Castro) quanto tinha apenas 12 anos.

Depois do falecimento de Clélia, a família se mudou para Salvador. Castro Alves também viveu no Rio de Janeiro, no Recife e em São Paulo.

Castro Alves

A família do poeta tinha um histórico de ativismo político e havia oferecido combatentes tanto no processo de independência da Bahia (em 1823) quanto na Sabinada (1837). Em 1865, o jovem publicou o poema A canção do africano, a sua primeira composição abolicionista.

No ano a seguir, Castro Alves começou a escrever para o jornal O Futuro, enquanto cursava a Faculdade de Direito, em Recife. Ao longo desse período declamou uma série de poemas da sua autoria e mobilizou os jovens para a questão política.

O autor ficou conhecido como o poeta dos escravos por defender o fim da escravatura. Ao lado de amigos, Castro Alves chegou a fundar uma sociedade abolicionista. Foi também um progressista, um defensor convicto da liberdade e da República.

O poeta se apaixonou pela atriz portuguesa Eugênia Câmara, dez anos mais velha. A breve relação motivou a escrita de uma série de poemas de amor. Com Eugênia o escritor viveu um relacionamento conturbado, profundamente marcado pelo ciúme, que se iniciou em 1866 e terminou dois anos mais tarde.

Castro Alves faleceu no dia 6 de julho de 1871, aos apenas 24 anos, vítima de tuberculose. O escritor se tornou o patrono da cadeira número 7 da Academia Brasileira de Letras.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).