8 poemas de Ricardo Reis para conhecer sua obra (com análises)

Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual
Tempo de leitura: 7 min.

Ricardo Reis é o nome de um dos heterônimos de Fernando Pessoa, criado pelo poeta português por volta de 1913. Assim como os outros heterônimos, Ricardo Reis tinha uma personalidade e trajetória únicas, idealizadas pelo talentoso escritor.

No caso de Reis, ele nasceu em 1887 em Porto, teve uma educação jesuíta, formou-se médico e nunca exerceu a profissão, vindo morar no Brasil em 1919. Seu estilo era neoclássico, sendo profundamente inspirado pelo pensamento greco-romano, se tornando a faceta clássica de Fernando Pessoa. Reis possuía uma visão estoica do mundo, com poemas marcados por reflexões sobre a vida, o tempo, o destino e a busca de serenidade e equilíbrio.

1. Segue o Teu Destino

Segue o teu destino. Ricardo Reis

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.

A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nos queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-proprios.

Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.

Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.

Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

Um dos poemas mais conhecidos de Ricardo Reis, Segue o teu destino apresenta uma perspectiva estoica da vida. Ou seja, aconselha que tenhamos resiliência, paciência e serenidade.

O poeta defende uma vida simples e com paz interior, em que possamos nos preocupar somente com nossa própria vida e rotina, sem distrações com a vida alheia. Entretanto, a aparente tranquilidade pode ocultar uma certa melancolia, o que fica mais evidente na passagem "suave é viver só".

2. Para ser grande, sê inteiro

Para ser grande, de Ricardo Reis.

Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.

Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.

Aqui o poeta traz a noção de atenção plena. Ricardo Reis nos convida a cultivar a inteireza, a integridade, estando presente de corpo e alma em cada momento vivido, por mais simples e singelo que seja.

A plenitude é uma ideia que acompanha toda a obra de Reis, ele sugere que cada instante seja aproveitado com intensidade e verdade. Dessa forma, o poema valoriza a totalidade, destacando o conceito de que cada parte de nós deve conter o todo.

3. Vivem em nós inúmeros

Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.

Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.

Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu 'screvo...

Em Vivem em nós inúmeros, o heterônimo de Fernando Pessoa traz a multiplicidade como ideia central. Ele reconhece e afirma a existência de diversas personalidades, identidades e sentimentos em cada ser humano. Dessa forma, sugere uma reflexão sobre a complexidade do eu, o que pode, inclusive, relacionar-se aos diversos heterônimos que criou ao longo da vida.

4. Estás só

Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada esperes que em ti já não exista,
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada.

No texto acima, o poeta aborda a solidão como algo inerente ao ser humano, como uma experiência interior e particular que faz parte da vida de todos. Entretanto, ele recomenda a repressão emocional, a contenção e o equilíbrio como uma maneira silenciosa de aceitação.

No verso "nada esperes que em ti já não exista", há a exaltação da paz interior, buscando a serenidade e alegria em si próprio e não em situações externas.

5. Cada um cumpre o destino que lhe cumpre

Cada um cumpre o destino que lhe cumpre.
E deseja o destino que deseja;
Nem cumpre o que deseja,
Nem deseja o que cumpre.

Como as pedras na orla dos canteiros
O Fado nos dispõe, e ali ficamos;
Que a Sorte nos fez postos
Onde houvemos de sê-lo.

Não tenhamos melhor conhecimento
Do que nos coube que de que nos coube.
Cumpramos o que somos.
Nada mais nos é dado.

Desejo e destino são colocados no poema como elementos contraditórios e contrastantes. O poeta deixa evidente o enorme abismo que existe entre aquilo que queremos e o que realizamos de fato. Ele usa as pedras como metáfora para exemplificar o caráter imutável do destino, trazendo o Fado como uma força inevitável. Assim, para Reis, nos resta aceitar de bom grado o que a vida nos oferece.

6. Colhe o Dia, porque És Ele

Uns, com os olhos postos no passado,
Veem o que não veem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, veem
O que não pode ver-se.

Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.

Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.

O heterônimo de Pessoa, Ricardo Reis, apresenta de variadas maneiras uma visão de mundo onde o momento presente é o que mais importa. Para ele, devemos evitar a prisão ao passado ou a expectativa do futuro. Aqui, a ideia de "carpe diem", traduzida como "aproveite o dia", é exacerbada.

7. Amo o que Vejo

Amo o que vejo porque deixarei
Qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.

No plácido intervalo em que me sinto,
Do amar, mais que ser,
Amo o haver tudo e a mim.

Melhor me não dariam, se voltassem,
Os primitivos deuses,
Que também, nada sabem.

Ricardo Reis reconhece com clareza a impermanência da vida e faz disso objeto de seu poema. Ele tem consciência de que as coisas mudam, de que um dia a morte o encontrará, ou mesmo que as circunstâncias o farão se afastar de pessoas e lugares. Por isso, cultiva o amor como forma de eternizar o que lhe é importante.

8. Aqui

Aqui, neste misérrimo desterro
Onde nem desterrado estou, habito,
Fiel, sem que queira, àquele antigo erro
Pelo qual sou proscrito.
O erro de querer ser igual a alguém
Feliz em suma — quanto a sorte deu
A cada coração o único bem
De ele poder ser seu.

Apesar de sua visão estoica e serena, alguns poemas de Ricardo Reis refletem um tom mais pessimista em relação à existência. No texto ele começa falando em "desterro", sugerindo um deslocamento de si no mundo. É como se o poeta não reconhecesse seu lugar.

Mas ele termina fazendo uma reflexão sobre o fato de cada pessoa ter sua própria verdade, seus sentimentos, seu corpo e experiência de estar viva, o que traz um pouco de esperança e confiança na vida.

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.