Poemas escolhidos de Gregório de Matos (análise da obra)
A obra Poemas escolhidos de Gregório de Matos é uma compilação de textos poéticos do escritor baiano que viveu no século XVII e foi um importante nome do barroco brasileiro.
A antologia foi organizada pelo professor de literatura brasileira da USP José Miguel Wisnik, sendo publicada nos anos 70.
As vertentes poéticas de Gregório de Matos: 4 poemas analisados
Poesia satírica
A poesia satírica de Gregório de Matos é a mais conhecida de sua produção. Por meio dela, o poeta não hesitou em reprovar a sociedade e o comportamento de pessoas importantes.
Citou, inclusive, nomes de políticos, como o de Antônio Luís da Câmara Coutinho, que governava o estado da Bahia no período.
À cidade da Bahia
Triste Bahia! ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando, e tem trocado,
Tanto negócio e tanto negociante.
Oeste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.
Oh se quisera Deus, que de repente
Um dia amanheceras tão sisuda
Que fora de algodão o teu capote!
No poema em questão podemos observar uma lamentação sobre a situação da Bahia. A palavra "dessemelhante" aqui tem o sentido de "desigual", expondo a contradição econômica do lugar.
Segundo o poeta, o local já foi próspero um dia e, por conta de maus negócios, acabou empobrecendo. A palavra "brichote" significa aqui "gringo" ou "estrangeiro".
O cantor e compositor baiano Caetano Veloso produziu a música Triste Bahia utilizando parte do poema em questão. Além do poema, incluiu pontos de umbanda, canções populares e outras referências. A faixa integra o álbum Transa, de 1972.
Poesia religiosa
Na vertente religiosa de sua poesia, Gregório de Matos também expõe sentimentos conflitantes. No poema abaixo, o escritor pede perdão a Deus e busca redimir-se de toda a culpa que carrega.
Esse poema exemplifica o pensamento cristão que rondava a sociedade da época barroca, na qual o catolicismo e a instituição religiosa exercia grande poder.
A Jesus Cristo Nosso Senhor
Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque, quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
Poesia lírico-amorosa
A poesia lírico-amorosa do poeta exibe a figura de musas de maneira romanceada, comparada a elementos da natureza. Traz ainda sentimentos dúbios, onde o pecado e a culpa se mostram presentes.
Aos afetos, e lágrimas derramadas na ausência da dama a quem queria bem
Ardor em firme Coração nascido;
pranto por belos olhos derramado;
incêndio em mares de água disfarçado;
rio de neve em fogo convertido:
tu, que em um peito abrasas escondido;
tu, que em um rosto corres desatado;
quando fogo, em cristais aprisionado;
quando cristal, em chamas derretido.
Se és fogo, como passas brandamente,
se és neve, como queimas com porfia?
Mas ai, que andou Amor em ti prudente!
Pois, para temperar a tirania,
como quis que aqui fosse a neve ardente,
permitiu parecesse a chama fria.
No caso de Aos afetos, e lágrimas derramadas na ausência da dama a quem queria bem, o amor é visto como uma luta entre a dor e a paixão.
O verso "rio de neve em fogo convertido" expõe um eu-lírico que transita entre os extremos do sentimento amoroso, ora gélido como a neve, ora ardente como o fogo.
Convém comparar esse tipo de linguagem a do célebre poema de Camões, que diz: "O amor é fogo que arde sem se ver. É ferida que dói e não se sente."
Poesia lírico-erótica
Gregório de Matos, apesar de escrever sobre o amor de forma delicada, mostra também seu lado mais áspero sobre as relações humanas em alguns poemas considerados eróticos.
E isto é o amor?
Mandai-me Senhores, hoje
que em breves rasgos descreva
do Amor a ilustre prosápia,
e de Cupido as proezas.
Dizem que de clara escuma,
dizem que do mar nascera,
que pegam debaixo d’água
as armas que o amor carrega.
O arco talvez de pipa,
a seta talvez esteira,
despido como um maroto,
cego como uma toupeira
E isto é o Amor? É um corno.
Isto é o Cupido? Má peça.
Aconselho que não comprem
Ainda que lhe achem venda
O amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias
Uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa é besta.
Em E isso é o amor? o escritor questiona o sentimento amoroso colocado de forma romântica e com inspiração mitológica. Ele afirma que o amor é, na realidade, um acontecimento carnal, que envolve os prazeres da junção dos corpos dos amantes.
Finaliza, ainda, de forma desaforada, dizendo que quem não concorda com ele é estúpido.
Quem foi Gregório de Matos?
Gregório de Matos Guerra (1636-1695) nasceu em Salvador, Bahia, durante o período colonial no Brasil.
Vindo de uma família rica de senhores de engenho, Gregório tinha personalidade forte e retratava em poemas as angústias e inquietações de uma sociedade fortemente marcada pelos contrastes do período colonial.
Recebeu a alcunha de "Boca do Inferno", por conta de sua poesia satírica, em que maldizia todas as camadas da sociedade baiana, desde as classes baixas até a classe dominante, com críticas ácidas à corrupção vigente.
Entretanto, além da poesia satírica, Gregório escreveu poemas líricos, eróticos e religiosos. Todos esses estilos estão presentes na obra Poemas escolhidos de Gregório de Matos.
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