10 melhores poemas de Fernando Pessoa (analisados e comentados)

Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura
Tempo de leitura: 15 min.

Um dos maiores autores da língua portuguesa, Fernando Pessoa (1888-1935) é conhecido especialmente através dos seus heterônimos. Alguns dos nomes que rapidamente nos vêm a mente são os das principais criações pessoanas: Álvaro de Campos, Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Bernardo Soares.

Além de ter concebido uma série de poemas com os heterônimos acima, o poeta também assinou versos com o seu próprio nome. Uma figura chave do Modernismo, a sua vasta lírica nunca perde a validade e merece ser rememorada sempre.

Selecionamos abaixo alguns dos mais belos poemas do escritor português. Desejamos à todos uma boa leitura!

1. Poema em linha reta, do heterônimo Álvaro de Campos

Talvez os versos mais consagrados e reconhecidos internacionalmente de Pessoa sejam os do Poema em linha reta, uma extensa criação com a qual nos identificamos ainda hoje profundamente.

Os versos abaixo compõe apenas um breve trecho do longo poema escrito entre 1914 e 1935. Vamos percebendo durante a leitura como heterônimo concebe a sociedade e a critica, observando e ao mesmo tempo se diferenciando daqueles que estão ao seu redor.

Aqui encontramos uma série de denúncias às máscaras sociais, à falsidade e à hipocrisia vigente. O eu-lírico confessa ao leitor a sua inadaptação diante desse mundo contemporâneo que funciona baseado nas aparências.

O poema lança um olhar sobre o próprio sujeito poético, mas também sobre o funcionamento da sociedade portuguesa onde o autor estava inserido.

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das
etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante, (...)
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Conheça uma reflexão mais aprofundada do Poema em linha reta, de Álvaro de Campos.

2. Lisbon revisited, do heterônimo Álvaro de Campos

O extenso poema Lisbon revisited, escrito em 1923, é aqui representado pelos seus primeiros versos. Nele encontramos um eu-lírico extremamente pessimista e desajustado, deslocadodentro da sociedade em que vive.

Os versos são marcados pelas exclamações que traduzem a revolta e a negação - o eu-lírico em diversos momentos assume aquilo que não é e o que não deseja. O sujeito poético faz uma série de recusas à vida da sua sociedade contemporânea. Em Lisbon revisited identificamos um eu-lírico simultaneamente revoltado e fracassado, rebelde e decepcionado.

Ao longo do poema vemos alguns pares opositores importantes se consolidarem para estabelecerem as bases da escrita, isto é, enxergamos como o texto se constrói a partir do contraste entre passado e presente, infância e idade adulta, a vida que se costumava viver e a que se vive.

Não: não quero nada
Já disse que não quero nada.

Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer.

Não me tragam estéticas!
Não me falem em moral!
Tirem-me daqui a metafísica!
Não me apregoem sistemas completos, não me enfileirem conquistas
Das ciências (das ciências, Deus meu, das ciências!) —
Das ciências, das artes, da civilização moderna!

Que mal fiz eu aos deuses todos?

Se têm a verdade, guardem-na!

Sou um técnico, mas tenho técnica só dentro da técnica.
Fora disso sou doido, com todo o direito a sê-lo.

3. Autopsicografia, de Fernando Pessoa

Criado em 1931, o breve poema Autopsicografia foi publicado no ano a seguir na revista Presença, um importante veículo do Modernismo português.

Nos apenas doze versos o eu-lírico divaga sobre a relação que mantém consigo próprio e sobre a sua relação com a escrita. Na verdade, escrever no poema aparece como atitude norteadora do sujeito, como parte essencial da constituição da sua identidade.

O sujeito poético ao longo dos versos trata não só do momento da criação literária como também da recepção por parte do público leitor dando conta de todo o processo da escrita (criação - leitura - recepção) e incluindo todos os participantes da ação (autor-leitor).

O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que leem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.

E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

Descubra uma análise do Poema Autopsicografia, de Fernando Pessoa.

4. Tabacaria, do heterônimo Álvaro de Campos

Um dos poemas mais conhecidos do heterônimo Álvaro de Campos é Tabacaria, um extenso conjunto de versos que narram a relação do eu-lírico consigo próprio diante de um mundo acelerado e a relação que mantém com a cidade durante o seu tempo histórico.

As linhas abaixo são apenas a parte inicial desse longo e belo trabalho poético escrito em 1928. Com um olhar pessimista, vemos o eu-lírico discorrer sobre a questão da desilusão a partir de uma perspectiva niilista.

O sujeito, solitário, se sente vazio, apesar de assumir que tem sonhos. Ao longo dos versos observamos um gap entre a situação atual e a que o sujeito poético desejaria estar, entre aquilo que se é e aquilo que gostaria de ser. É a partir dessas divergências que se constrói o poema: na constatação do lugar atual e no lamento da distância para o ideal.

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a pôr humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Conheça o artigo Poema Tabacaria de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) analisado.

5. Isto, de Fernando Pessoa

Assinado pelo próprio Fernando Pessoa - e não por nenhum dos seus heterônimos - Isto, publicado na revista Presença em 1933, é um metapoema, isto é, um poema que discorre sobre o seu próprio processo de criação.

O eu-lírico deixa o leitor assistir a engrenagem que move a construção dos versos, fazendo com que se crie um processo de aproximação e afinidade com o público.

Fica claro ao longo dos versos como o sujeito poético parece usar a lógica da racionalização para construir o poema: os versos surgem com a imaginação e não com o coração. Como se comprova nas últimas linhas, o eu-lírico delega para o leitor a fruição obtida através da escrita.

Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está de pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!

6. Ode triunfal, do heterônimo Álvaro de Campos

Ao longo de trinta estrofes (abaixo apresentam-se apenas algumas delas), vemos características tipicamente Modernistas - o poema deixa transparecer as angústias e novidades do seu tempo.

Publicado em 1915 em Orpheu, o período histórico e as mudanças sociais são o mote que fazem mover a escrita. Observamos, por exemplo, como a cidade e o mundo industrializado são apresentados trazendo uma modernidade dolorosa.

Os versos sublinham o fato da passagem do tempo, que traz mudanças boas, carregar simultaneamente aspectos negativos. Repare, como apontam os versos, em como o homem deixa de ser sedentário, contemplador, para precisar ser uma criatura produtiva, imersa na pressa cotidiana.

Tenho os lábios secos, ó grandes ruídos modernos,
De vos ouvir demasiadamente de perto,
E arde-me a cabeça de vos querer cantar com um excesso
De expressão de todas as minhas sensações,
Com um excesso contemporâneo de vós, ó máquinas!

Ah, poder exprimir-me todo como um motor se exprime!
Ser completo como uma máquina!
Poder ir na vida triunfante como um automóvel último-modelo!
Poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto,
Rasgar-me todo, abrir-me completamente, tornar-me passento
A todos os perfumes de óleos e calores e carvões
Desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável!

7. Presságio, de Fernando Pessoa

Presságio foi assinado pelo próprio Fernando Pessoa e publicado em 1928, já mais para o final da vida do poeta. Se a maior parte dos poemas de amor costuma fazer um homenagem e um elogio a esse sentimento nobre, aqui vemos um eu-lírico desconectado, sem conseguir estabelecer laços afetivos, encontrando no amor um problema e não uma bênção.

Ao longo de vinte versos divididos em cinco estrofes vemos um sujeito poético que deseja viver o amor na sua plenitude, mas parece não saber como conduzir o sentimento. O fato do amor não ser correspondido - de aliás, nem conseguir ser propriamente comunicado - é fonte de imensa angústia para aquele que ama em silêncio.

Chega a ser curioso como um sujeito poético que consegue compor versos tão belos parece não conseguir se exprimir diante da mulher amada.

Com uma pegada pessimista e derrotista, o poema fala a todos nós que algum dia já nos apaixonamos e não tivemos coragem de expor o sentimento com medo da rejeição.

O amor, quando se revela,
Não se sabe revelar.
Sabe bem olhar p'ra ela,
Mas não lhe sabe falar.

Quem quer dizer o que sente
Não sabe o que há de dizer.
Fala: parece que mente...
Cala: parece esquecer...

Ah, mas se ela adivinhasse,
Se pudesse ouvir o olhar,
E se um olhar lhe bastasse
P'ra saber que a estão a amar!

Mas quem sente muito, cala;
Quem quer dizer quanto sente
Fica sem alma nem fala,
Fica só, inteiramente!

Mas se isto puder contar-lhe
O que não lhe ouso contar,
Já não terei que falar-lhe
Porque lhe estou a falar...

Saiba mais sobre o Poema Presságio.

8. Aniversário, do heterônimo Álvaro de Campos

Um clássico da poética de Álvaro de Campos, Aniversário é um poema doloroso, mas que imediatamente provoca identificação com cada um de nós. O aniversário do eu-lírico é o motivo que faz com que o sujeito poético promova uma verdadeira viagem no tempo.

Os versos publicados em 1930 (abaixo você encontrará a passagem inicial do poema) voltam-se para o passado e deixam transparecer uma espécie de nostalgia, de saudades de um tempo que não voltará nunca mais.

Nele lemos a constatação de que nada permaneceu no mesmo lugar: pessoas queridas faleceram, a ingenuidade do eu-lírico perdeu-se, a casa da infância ainda estava de pé. O passado é tido como fonte interminável de alegria enquanto o presente faz-se com um sabor amargo, com uma melancolia.

Não se trata aqui apenas do registro de uma saudade banal, o eu-lírico se apresenta abatido, vazio, triste, pleno de um sentimento mais profundo de desengano, uma vontade de voltar no tempo e no passado permanecer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.
Na casa antiga, até eu fazer anos era uma tradição de há séculos,
E a alegria de todos, e a minha, estava certa com uma religião qualquer.

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu tinha a grande saúde de não perceber coisa nenhuma,
De ser inteligente para entre a família,
E de não ter as esperanças que os outros tinham por mim.
Quando vim a ter esperanças, já não sabia ter esperanças.
Quando vim a olhar para a vida, perdera o sentido da vida.

9. O guardador de rebanhos, do heterônimo Alberto Caeiro

Escrito por volta de 1914, mas publicado pela primeira vez em 1925, o extenso poema O guardador de rebanhos - representado abaixo por um breve trecho - foi o responsável pelo surgimento do heterônimo Alberto Caeiro.

Nos versos o eu-lírico se apresenta como uma pessoa humilde, do campo, que gosta de contemplar a paisagem, os fenômenos da natureza, os animais e o espaço ao redor.

Outra marca importante da escrita é a superioridade do sentimento sobre a razão. Vemos também uma exaltação ao sol, ao vento, à terra, de um modo geral dos elementos essenciais da vida campestre.

Em O guardador de rebanhos é importante sublinhar a questão do divino: se para muitos Deus é um ser superior, no decorrer dos versos vemos como a criatura que nos rege parece ser, para Caeiro, a natureza.

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

10. Não sei quantas almas tenho, de Fernando Pessoa

Uma questão muito cara à lírica pessoana aparece logo nos primeiros versos de Não sei quantas almas tenho. Aqui encontramos um eu-lírico múltiplo, inquieto, disperso embora solitário, que não se conhece bem ao certo e está sujeito a contínuas e constantes mudanças.

O tema da identidade é o centro emanador do poema, que se constrói as voltas da investigação da personalidade do sujeito poético.

Algumas das perguntas que o poema coloca são: Quem sou eu? Como me tornei aquilo que sou? Quem fui no passado e quem serei no futuro? Quem sou eu em relação aos outros? Como me insiro na paisagem?

Em constante euforia e com uma marcada ansiedade, o eu-lírico anda às voltas na tentativa de responder as perguntas que se coloca.

Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem achei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem,
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.

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Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018).