12 grandes poemas modernistas brasileiros (comentados e analisados)

Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes
Tempo de leitura: 13 min.

O movimento modernista foi um importante ponto de viragem na arte e na literatura internacional que trouxe a ruptura com as tradições, assim como a liberdade temática e formal.

No Brasil, o modernismo despontou com a Semana de Arte Moderna de 1922 e representou a busca de uma verdadeira identidade nacional que parecia estar faltando nas produções culturais brasileiras.

A corrente artística ditou grandes mudanças no fazer literário e poético, valorizando a linguagem popular e os temas ligados ao cotidiano nacional.

Dividido em três fases bastante distintas, o modernismo brasileiro gerou alguns dos maiores poetas da nossa literatura.

1. Poética (1922)

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto espediente protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.

Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo.

Abaixo os puristas.
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis

Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.

De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar & agraves mulheres, etc.

Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare.

- Não quero saber do lirismo que não é libertação.

A composição de Manuel Bandeira, lida durante a Semana de Arte Moderna de 1922, é uma espécie de arte poética através da qual o artista expõe as suas visões e experiências.

Reclamando o final de normas, regras e modelos ultrapassados, o poeta tece duras críticas à tradição, demonstrando como ela pode ser aborrecida e limitar a criatividade.

Contrariando tudo isso, e em busca daquilo que é novo, Bandeira defende vários princípios do movimento modernista como a liberdade e a experimentação.

2. Moça Linda Bem Tratada (1922)

Moça linda bem tratada,
Três séculos de família,
Burra como uma porta:
Um amor.

Grã-fino do despudor,
Esporte, ignorância e sexo,
Burro como uma porta:
Um coió.

Mulher gordaça, filó,
De ouro por todos os poros
Burra como uma porta:
Paciência...

Plutocrata sem consciência,
Nada porta, terremoto
Que a porta de pobre arromba:
Uma bomba.

Escrito em 1922 por Mário de Andrade, o poema é apontado como uma das primeiras composições modernistas da literatura nacional.

Moça Linda Bem Tratada é um retrato satírico da "alta roda" brasileira; através do humor, o poeta enumera os defeitos da sociedade na qual vivia.

Por trás de uma aparência cuidada, a realidade era bastante diferente: apesar de terem riquezas, costumes e luxos variados, estes indivíduos eram encarados como burros e superficiais.

Porém, a última estrofe do poema vai mais longe e afirma que o "plutocrata", ou seja, o rico que explora o pobre, pode não ser burro mas é perigoso.

3. Canto de regresso à pátria (1925)

Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo.

Composto por Oswald de Andrade, um dos nomes mais célebres do modernismo nacional, Canto de regresso à pátria recupera os versos da Canção do Exílio (1847) de Gonçalves Dias.

Aqui, o elogio saudoso ao Brasil, feito quase um século antes pelo poeta que estava em Portugal, é adaptado à realidade moderna.

Nos versos, Oswald elogia a sua terra, especificando nos versos finais que se refere a São Paulo. O modernista não se foca nos elementos da natureza, mas naqueles que simbolizam o progresso dos centros urbanos.

4. No Meio do Caminho (1928)

No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.

Meio absurdo e difícil de compreender, No Meio do Caminho é um dos poemas mais famosos e marcantes de Carlos Drummond de Andrade.

A composição foi, sem dúvida, uma grande provocação modernista que visava provar que a poesia poderia versar sobre qualquer assunto, até uma simples pedra.

O poema, que tem por base a repetição e o verso livre, é um produto da experimentação da época e veio quebrar barreiras na forma como pensamos a poesia.

Confira a análise completa do poema No Meio do Caminho.

5. Erro de português (1927)

Quando o português chegou
Debaixo de uma bruta chuva
Vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
O índio tinha despido
O português.

Na busca de uma identidade coletiva brasileira, os modernistas estavam tentando se livrar do olhar colonial, refletindo sobre a história do país e a criação da sua cultura.

No maravilhoso Erro de Português, Oswald de Andrade vem lembrar os povos indígenas cujas vidas terminaram ou foram alteradas drasticamente pela invasão dos portugueses.

Com um tom bem-humorado, o modernista repensa esse processo de formação do Brasil. Afirma que teria sido bem mais positivo se o colonizador tivesse aprendido com os indígenas, em vez de os forçar a adotar os seus costumes e valores.

6. Solidariedade (1941)

Sou ligado pela herança do espírito e do sangue
Ao mártir, ao assassino, ao anarquista.
Sou ligado
Aos casais na terra e no ar,
Ao vendeiro da esquina,
Ao padre, ao mendigo, à mulher da vida,
Ao mecânico, ao poeta, ao soldado,
Ao santo e ao demônio,
Construídos à minha imagem e semelhança.

Parte da segunda fase do modernismo brasileiro, ou Geração de 30, Murilo Mendes foi uma figura de relevo na vanguarda nacional.

Se inspirando principalmente nas influências surrealistas, a poesia moderna do escritor mineiro é múltipla e versa sobre temas variados, da religião ao humor.

Defensor da liberdade poética e política, em Solidariedade, Mendes reflete sobre a união da humanidade e o ato de enxergar as pessoas além daquilo que as divide.

Apesar dos rótulos que colocamos uns outros, apesar de termos crenças ou valores diferentes, Murilo Mendes relembra que somos todos iguais, feitos da mesma matéria.

Declarando que todos estamos ligados, o poeta questiona as tradições e hierarquias estabelecidas em função de dinheiro e poder.

7. Motivo (1963)

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.

Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Cecília Meireles foi uma poeta, pintora e educadora que entrou para a história do Modernismo brasileiro, pertencendo à segunda fase do movimento.

Em Motivo, a escritora reflete acerca da sua relação com o trabalho poético. Fica claro que o sujeito lírico é poeta porque isso faz parte da sua natureza.

Confuso acerca das suas emoções, vive prestando atenção nos detalhes e nas coisas efémeras. O poema parece ser a sua forma de lidar com o mundo e aquilo que deixará no final.

8. Pronominais (1925)

Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro.

Como referimos no começo, uma das características do modernismo brasileiro foi a presença de uma linguagem simples, próxima da oralidade. Estas composições prestavam atenção às falas locais, registrando o vocabulário tipicamente brasileiro.

Em Pronominais, Oswald de Andrade chama atenção para a discordância que havia entre as formulações ensinadas na escola e os usos reais da linguagem, no cotidiano nacional. Assim, há a recusa dos modelos que ainda vigoravam e a valorização daquilo que é popular.

9. Mãos Dadas (1940)

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.
Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

Enquanto modernista da segunda geração, Carlos Drummond de Andrade ficou conhecido pelo olhar atento às questões sociopolíticas do seu tempo.

Em Mãos Dadas, ele recusa a tradição, afirmando que não quer ser um poeta que vive preso no passado mas também não quer viver no futuro.

Nesta composição, sublinha a necessidade e a importância de prestar atenção ao tempo presente, ao mundo e às pessoas em redor. O sujeito afirma que ele e seus companheiros estão tristes mas ainda têm esperanças e precisam acreditar na união, caminhar de "mãos dadas".

Por tudo isso, ele rejeita os temas comuns e as grandes abstrações na poesia: quer falar daquilo que lhe interessa, do que está vendo e vivendo.

10. O Poeta Come Amendoim (1924)

(...)
Brasil...
Mastigado na gostosura quente do amendoim...
Falado numa língua corumim
De palavras incertas num remeleixo melado melancólico...
Saem lentas frescas trituradas pelos meus dentes bons...
Molham meus beiços que dão beijos alastrados
E depois semitoam sem malícia as rezas bem nascidas...
Brasil amado não porque seja minha pátria,
Pátria é acaso de migrações e do pão-nosso onde Deus der...
Brasil que eu amo porque é o ritmo do meu braço aventuroso,
O gosto dos meus descansos,
O balanço das minhas cantigas amores e danças.
Brasil que eu sou porque é a minha expressão muito engraçada,
Porque é o meu sentimento pachorrento,
Porque é o meu jeito de ganhar dinheiro, de comer e de dormir.

Por ser extenso, optamos por só apresentar o excerto final deste poema de Mário de Andrade. Nele, o autor relembra a história do Brasil, o processo de miscigenação que está na sua base e as inúmeras influências da nossa cultura.

Enquanto está comendo amendoim, um ato banal, o sujeito reflete sobre o seu país e a relação que mantem com ele. Analisando essa identidade nacional coletiva, um "sentimento de ser brasileiro", percebe que o seu amor à pátria não surge do pensamento nacionalista.

O Brasil faz parte de quem ele é, dos seus gostos, pensamentos e atos do cotidiano, está impresso na sua natureza e forma de ver o mundo.

Para saber mais sobre o escritor, leia: Poemas explicados para conhecer Mario de Andrade.

11. A Rua (1947)

Bem sei que, muitas vezes,
o único remédio
é adiar tudo. É adiar a sede, a fome, a viagem,
a dívida, o divertimento,
o pedido de emprego, ou a própria alegria.
A esperança é também uma forma
de contínuo adiamento.
Sei que é preciso prestigiar a esperança,
numa sala de espera.
Mas sei também que espera significa luta e não,
[apenas,
esperança sentada.
Não abdicação diante da vida.

A esperança
nunca é a forma burguesa, sentada e tranquila da
[espera.

Nunca é a figura de mulher
do quadro antigo.
Sentada, dando milho aos pombos.

Cassiano Ricardo, poeta de São José dos Campos, foi um dos representantes do modernismo brasileiro de cariz nacionalista. Em A Rua, tece um comentário social e político, criticando o cenário da época.

Em um tom disfórico, o sujeito aponta a esperança como um adiamento porque ela faz com que não possamos resolver os nossos problemas.

Expondo os modos de vida da burguesia, declara que os brasileiros precisam esperar lutando e, não sentados, de forma passiva perante a vida.

12. Congresso Internacional do Medo (1962)

Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio porque esse não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,
depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

Em Carlos Drummond de Andrade, Congresso Internacional do Medo é um emocionante retrato dos tempos difíceis que o mundo vivia. Na ressaca da Segunda Guerra Mundial, foram inúmeras as mudanças e transformações sociais e a poesia parecia insuficiente para lidar com o sofrimento.

Drummond cantou o sentimento que paralisava a humanidade e suspendia os seus atos, isolando cada vez mais os indivíduos: um medo avassalador.

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Carolina Marcello
Carolina Marcello
Mestre em Estudos Literários, Culturais e Interartes e licenciada em Estudos Portugueses e Lusófonos pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Apaixonada por leitura e escrita, produz conteúdos on-line desde 2017, sobre literatura, cultura e outros campos do saber.