6 poemas sobre a consciência negra para celebrar a negritude (comentados)

Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, fotógrafa e artista visual
Tempo de leitura: 7 min.

Em 20 de novembro é celebrado o Dia da Consciência Negra no Brasil. A data foi criada em 2003 como uma maneira de refletir sobre o que é ser negro e negra na sociedade brasileira, exaltando o legado dos povos africanos no país. O dia foi escolhido como homenagem a Zumbi dos Palmares, líder quilombola que morreu nessa data em 1695.

Esse é um momento especial para a população brasileira, sobretudo para os afrodescendentes, já que é uma oportunidade de afirmar e exaltar sua ancestralidade e lutar por políticas e ações antirracistas.

Por isso, selecionamos alguns poemas comentados que abordam a negritude para se pensar a consciência negra.

1. Navio Negreiro, de Solano Trindade

Poema de Solano Trindade

Lá vem o navio negreiro
Lá vem ele sobre o mar
Lá vem o navio negreiro
Vamos minha gente olhar…

Lá vem o navio negreiro
Por água brasiliana
Lá vem o navio negreiro
Trazendo carga humana…

Lá vem o navio negreiro
Cheio de melancolia
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de poesia…

Lá vem o navio negreiro
Com carga de resistência
Lá vem o navio negreiro
Cheinho de inteligência…

Solano Trindade (1908-1974) foi um multiartista pernambucano muito importante no século XX. Desenvolveu uma arte pautada na resistência, sobretudo do povo negro, e nos deixou um legado valioso.

O poema acima, Navio Negreiro, exibe e denuncia de maneira poética e melancólica a tragédia que foi o sequestro de seres humanos do continente africano para trabalhar forçadamente em terras brasileiras. Solano Trindade aponta o navio negreiro como uma embarcação carregada de seres pensantes, com uma trajetória própria e um sofrimento que mais tarde se transformará em resistência e luta.

2. Vozes-mulheres, de Conceição Evaristo

A voz de minha bisavó
ecoou criança
nos porões do navio.
ecoou lamentos
de uma infância perdida.

A voz de minha avó
ecoou obediência
aos brancos-donos de tudo.

A voz de minha mãe
ecoou baixinho revolta
no fundo das cozinhas alheias
debaixo das trouxas
roupagens sujas dos brancos
pelo caminho empoeirado
rumo à favela.

A minha voz ainda
ecoa versos perplexos
com rimas de sangue
e
fome.

A voz de minha filha
recolhe todas as nossas vozes
recolhe em si
as vozes mudas caladas
engasgadas nas gargantas.
A voz de minha filha
recolhe em si
a fala e o ato.
O ontem – o hoje – o agora.
Na voz de minha filha
se fará ouvir a ressonância
o eco da vida-liberdade.

A escritora mineira Conceição Evaristo (1946-) é uma das vozes negras da poesia feminina brasileira de maior reconhecimento atualmente. Seu poema Vozes-mulheres carrega uma força impressionante, exibindo a trajetória das mulheres de sua família, transpassando sua própria existência e chegando em sua filha. Sua história familiar se mistura com a história do povo brasileiro, revelando a dor que suas ancestrais viveram e desejando que suas descendentes vindouras desfrutem a liberdade.

3. Ainda assim eu me levanto, de Maya Angelou

Deixando para trás noites de terror e atrocidade
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto
Trazendo comigo o dom de meus antepassados,
Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto.

Maya Angelou (1928-2014) nasceu nos EUA e foi uma poeta e militante negra de grande importância. Mesmo sendo estadunidense, sua poesia antirracista ecoa em outros países como o Brasil. Afinal, tivemos por aqui quase 400 anos de escravidão e, infelizmente, ainda colhemos os amargos frutos de um racismo estrutural.

Acima vemos um trecho do poema Ainda assim eu me levanto, que mostra toda a força, resiliência, resistência e esperança de uma população oprimida, que teve seus antepassados escravizados, mas que escolhe se levantar e seguir caminhando.

4. Ditadura branca, de Lande Onawale

no Brasil, a ditadura
nunca se extinguiu
para gente de pele escura:
a antilei
o falso indício
o sumiço
a tortura

O poeta, compositor e professor baiano Lande Onawale (1965-) é também militante do movimento negro e possui uma escrita impactante, onde expõe sua revolta e indignação frente ao racismo e opressão. Em Ditadura branca, temos um poema denso que denuncia o genocídio da população negra, traçando um paralelo com um período tenebroso da história brasileira, a ditadura militar.

5. Corpo-África, de Juliana Sankofa

Meu corpo é uma África
e o mundo, um navio negreiro.
Enquanto cantos que não entendo
oscilam dentro de mim,
eu vejo as atrocidades que ainda não tiveram fim.
“Vivemos tempos de Lei Áurea” − assim nos dizem
enquanto socialmente nos constrangem
pelo cabelo crespo que adoramos
pela coroa simbólica que levantamos
e se ofendem quando nos amamos.

Meu corpo é uma África
que ainda grita
todos os crimes contra sua terra
e contra sua gente.
O racismo de nossa era
vem junto com uma boca sorridente
que dissimula
e tudo que é negro anula
como contribuição social.

Meu corpo é uma África
meu Ori vive comigo a resistir
Já que não podemos mais permitir
o silêncio a nos chicotear,
nem os discursos com outros termos a inferiorizar o que somos.

Juliana Sankofa (nome artístico de Juliana Cristina Costa) é uma ativista negra e escritora que usa a palavra como forma de escoar a indignação e criar um conteúdo de resistência. Em Corpo-África, ela traça um paralelo entre o continente africano e seu próprio corpo, a fim de criar metáforas que apontem as opressões vividas pelo povo negro, principalmente pelas mulheres negras.

6. Me gritaram negra, de Victoria Santa Cruz

Tinha sete anos apenas,
apenas sete anos,
Que sete anos!
Não chegava nem a cinco!
De repente umas vozes na rua
me gritaram Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra! Negra!
“Por acaso sou negra?” – me disse
SIM!
“Que coisa é ser negra?”
Negra!
E eu não sabia a triste verdade que aquilo escondia.
Negra!
E me senti negra,
Negra!
Como eles diziam
Negra!
E retrocedi
Negra!
Como eles queriam
Negra!
E odiei meus cabelos e meus lábios grossos
e mirei apenada minha carne tostada
E retrocedi
Negra!
E retrocedi . . .
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
E passava o tempo,
e sempre amargurada
Continuava levando nas minhas costas
minha pesada carga
E como pesava!…

Alisei o cabelo,
Passei pó na cara,
e entre minhas entranhas sempre ressoava a mesma palavra
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Neeegra!
Até que um dia que retrocedia , retrocedia e que ia cair
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra! Negra!
Negra! Negra! Negra!
E daí?
E daí?
Negra!
Sim
Negra!
Sou
Negra!
Negra
Negra!
Negra sou
Negra!
Sim
Negra!
Sou
Negra!
Negra
Negra!
Negra sou
De hoje em diante não quero
alisar meu cabelo
Não quero
E vou rir daqueles,
que por evitar – segundo eles –
que por evitar-nos algum disabor
Chamam aos negros de gente de cor
E de que cor!
NEGRA
E como soa lindo!
NEGRO
E que ritmo tem!
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro Negro
Negro Negro Negro
Afinal
Afinal compreendi
AFINAL
Já não retrocedo
AFINAL
E avanço segura
AFINAL
Avanço e espero
AFINAL
E bendigo aos céus porque quis Deus
que negro azeviche fosse minha cor
E já compreendi
AFINAL
Já tenho a chave!
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO NEGRO NEGRO
NEGRO NEGRO
Negra sou!

Victoria Santa Cruz (1922-2014) foi uma dançarina, escritora e folclorista peruana de grande importância. O poema Me gritaram negra se tornou conhecido como um símbolo de resistência, autoestima e valorização da negritude. Isso porque mostra um verdadeiro levante e tomada de consciência da potência, beleza e vigor do povo negro.

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Laura Aidar
Laura Aidar
Arte-educadora, artista visual e fotógrafa. Licenciada em Educação Artística pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) e formada em Fotografia pela Escola Panamericana de Arte e Design.