Realismo: características, obras e autores
O realismo foi um movimento cultural ocorrido na segunda metade do século XIX na Europa. Caracterizava-se por uma visão de mundo objetiva e comprometida com a realidade, como oposição ao romantismo, escola que valorizava a idealização da vida e a fantasia.
A vertente esteve presente em diversas linguagens, como na pintura e escultura, entretanto, foi na literatura que encontrou terreno fértil, sendo o escritor Gustave Flaubert o primeiro a escrever um romance realista.
Na pintura, são nomes de destaque os franceses Jean-François Millet e Gustave Courbet, que tinham como principal tema a representação de trabalhadores.
O realismo desenvolveu-se também no Brasil, tendo como maior representante o escritor Machado de Assis.
Características do realismo
No campo da literatura, onde essa vertente teve grande força, podemos elencar algumas características recorrentes, como:
- narração em terceira pessoa;
- análise psicológica das personagens;
- descrições detalhadas de pessoas e situações;
- exibição de fracassos humanos (traições, comportamentos controversos e miséria);
- embasamento na ciência, como nas teorias: Positivismo, Darwinismo, Empirismo, Evolucionismo, Socialismo Utópico e Socialismo Científico.
O movimento destacou-se pela busca por uma arte mais compatível com a realidade, assim como a comunicação direta, sem rodeios, procurando trazer um retrato objetivo e questionador da sociedade.
Essas motivações surgiram em decorrência de discordâncias à arte romântica e seu caráter subjetivo, que sugeria um mundo idealizado, egocêntrico e sentimentalista.
Assim, as obras realistas buscam traçar um paralelo com todos os indivíduos, abordando os temas de maneira coletiva e dando ênfase a problemas sociais.
Realismo na literatura
O berço da corrente realista foi a França. É lá que surge o primeiro romance realista, escrito por Gustave Flaubert, em 1857. Trata-se da obra Madame Bovary.
O livro foi um marco, pois exibia uma narrativa que ia contra os valores pregados na época, trazendo um enredo que aborda a infelicidade matrimonial e a infidelidade, colocando em xeque o amor romântico.
Posteriormente, a vertente estendeu-se para outros países europeus. Em Portugal, em 1865, houve a Questão Coimbrã, uma situação que expôs o embate que havia entre escritores do romantismo e do realismo.
Nessa ocasião, o escritor romântico Feliciano de Castilho fez críticas à nova geração de escritores realistas, estudantes da Universidade de Coimbra, entre eles Antero de Quental, Teófilo Braga e Vieira de Castro. Castilho alegava que faltava aos jovens "bom senso e bom gosto".
Foi a partir desse confronto que Antero de Quental escreveu uma obra em resposta, intitulada Bom senso e bom gosto, a qual se tornou um símbolo de referência do realismo português.
A escola literária despontou também no Brasil, sendo Machado de Assis seu maior representante.
Principais artistas do realismo literário e suas obras
Algumas obras que se destacaram no movimento realista mesclaram referências também de outro movimento literário, o naturalismo, que se aprofunda nas ideias do realismo.
Escritores Franceses
- Gustave Flaubert (1821-1880): Madame Bovary (1857), A Educação Sentimental (1869) e Salambô (1862).
- Emile Zola: Thérese Raquin (1867), Les Rougon-Macquart (1871)
Escritores portugueses
- Eça de Queiroz (1845-1900): O Primo Basílio (1878), O Mandarim (1879), Os Maias (1888).
- Antero de Quental (1842-1891): Sonetos de Antero (1861), Odes Modernas (1865), Bom Senso e Bom Gosto (1865)
Escritores ingleses
- Mary Ann Evans - pseudônimo George Eliot (1818-1880): Middlemarch (1871), Daniel Deronda (1876) e Silas Marner (1861)
- Henry James (1843-1916): Os europeus (1878), Retrato de uma Senhora (1881), As asas da pomba (1902)
Escritores russos
- Fiódor Dostoiévski: Os Irmãos Karamázov (1880) e Crime e Castigo (1866)
- Liev Tolstói (1828-1910): Guerra e Paz (1865), Anna Karenina (1877),
- Anton Tchekhov (1860-1904): As três irmãs (1901), O jardim das cerejeiras (1904)
Escritores brasileiros
- Machado de Assis (1839-1908): Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), O alienista (1882), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899)
- Raul Pompeia (1863-1895): O Ateneu (1888)
- Visconde de Taunay (1843-1899): Inocência (1872)
Um exemplo da linguagem realista
À noitinha, quando Charles voltava para casa, ela tirava de debaixo das cobertas os longos braços magros, passava-os em torno do pescoço dele e, tendo-o feito sentar-se na beirada da cama, punha-se a falar de seus infortúnios: ele se esquecia dela, amava alguma outra! Bem que lhe haviam dito que ela seria infeliz; e acabava por pedir a ele algum xarope para a saúde e um pouco mais de amor.
Este trecho de Madame Bovary, de Flaubert, exemplifica a linguagem realista. Note que há a descrição detalhada da cena, tanto de aspectos físicos, quanto psicológicos.
Há ainda o contexto infeliz do casamento, nada idealizado, exibindo uma realidade crua e objetiva.
Contexto histórico do realismo
A escola realista surge na segunda metade do século XIX, momento de intensa transformação mundial.
É o período em que há o crescimento da classe burguesa e o aprofundamento do sistema capitalista, ocasionando a chamada Segunda Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra e disseminada em demais países.
Assim, avanços tecnológicos e científicos surgiram junto com a intensificação da exploração dos trabalhadores, sujeitos a estressantes cargas de trabalho. Além disso, surge a poluição oriunda das fábricas e demais problemas urbanos.
A vertente reflete os desejos da sociedade, disposta a quebrar as idealizações do movimento anterior, o romantismo. O enfoque dos escritores estava na representação da realidade objetiva.
Havia também a preocupação de explicar o que estava acontecendo no mundo, questionar valores burgueses e provocar o pensamento crítico do público.
O realismo literário no Brasil
No Brasil, o movimento teve a preocupação em denunciar os abusos da monarquia, da burguesia e da Igreja.
Assim, as obras exibiam um ponto de vista objetivo e que incentivava os leitores ao questionamento, dando enfoque à crítica social.
O primeiro romance realista brasileiro foi Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), do célebre escritor carioca Machado de Assis, considerado como o maior escritor brasileiro, para além de sua escola literária.
Além de escritor, Machado desenvolveu trabalhos como jornalista e crítico de literatura. Ele foi também um dos responsáveis pela fundação da Academia Brasileira de Letras.
Outras obras significativas de Machado são: Quincas Borba (1886), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908).
Selecionamos um trecho de Memórias Póstumas de Brás Cubas no qual podemos analisar o caráter crítico da obra. Aqui é exibido o comportamento da elite brasileira e o desprezo aos trabalhadores, numa óbvia separação de classes sociais.
O comportamento vil é de uma criança, mas se mantém em toda a vida adulta de Brás Cubas.
Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de "menino diabo"; e verdadeiramente não era outra coisa; fui dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer à minha mãe que a escrava é que estragara o doce "por pirraça"; e eu tinha apenas seis anos. Prudêncio, um moleque de casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia - algumas vezes gemendo -, mas obedecia sem dizer palavra, ou, quando muito, um "ai, nhonhô!" - ao que eu retorquia: - "Cala a boca, besta!"
Outro escritor importante do período é Raul Pompeia, autor de O Ateneu (1888), seu romance de maior destaque e que mescla influência da escola naturalista também.
Contexto histórico do movimento realista no Brasil
No Brasil, vivíamos o Segundo Reinado, governado por Dom Pedro II. Nessa época é assinada a Lei Áurea.
A nova lei determina o fim da escravidão no país, processo que deixou à margem um contingente grande de pessoas anteriormente escravizadas e que não tiveram acesso a oportunidades de inserção na sociedade.
Assim, a chegada de imigrantes vindos de diversas partes do mundo para atuar como mão de obra é um fator que causa também muitas mudanças e adaptações no país.
É nesse caldeirão de acontecimentos que surge uma nova maneira de enxergar e retratar o mundo na literatura e em outras linguagens artísticas.
Como o realismo ocorreu nas artes visuais?
Nas artes visuais, o movimento realista ocorreu alinhado com os ideais literários. Da mesma maneira que os escritores, os artistas buscavam retratar um mundo livre da alienação e idealização dos românticos.
Na pintura, é comum cenas exibindo trabalhadores, além da preocupação em denunciar as desigualdades sociais, trabalhando a realidade de maneira "crua" e direta.
Principais artistas e obras do movimento realista
Gustave Courbet (1819-1877)
Courbet foi um artista francês que fez uso da pintura como forma de denúncia. Sua produção é bastante engajada, tendo influência de ideias anarquistas do sociólogo e economista Proudhon.
Além disso, o pintor foi atuante em movimentos sociais e teve participação importante na Comuna de Paris, em 1871.
Certa vez declarou:
Só espero realizar um milagre: viver toda minha vida para minha arte, sem me afastar de meus princípios, sem ter por um só instante mentido à minha consciência, e sem ter nunca executado um palmo de pintura para agradar a alguém ou para vender.
Jean-François Millet (1814-1875)
O francês é tido como um dos precursores da pintura realista. Sua obra valorizava, sobretudo, a classe trabalhadora rural, e trazia certo lirismo e delicadeza. São muitas cenas de homens e mulheres trabalhando a terra, como em Plantadores de Batatas (1862), Pastora com seu rebanho (1864), Angelus (1858), entre outras.
Millet teve uma trajetória que incluiu a fundação da Escola de Barbizon, um coletivo de pintores que saem de Paris e isolam-se em uma área rural chamada Barbizon com o objetivo de retratar cenas naturais e paisagens.
Almeida Júnior (1850-1899)
No Brasil, a escola realista na pintura não foi tão significativa, entretanto, houve alguns artistas que podem ser inseridos nessa classificação.
É o caso de Almeida Júnior, que tinha em sua obra a temática regionalista bastante presente.
Caipira picando fumo (1893) é um dos seus trabalhos mais significativos, outras telas conhecidas são O Violeiro (1899) e Saudade (1899).
August Rodin (1840-1917)
Rodin foi um escultor francês importante para a arte moderna, considerado um precursor desse novo estilo.
Mas ele pode também ser inserido no grupo dos artistas do realismo, devido aos temas que abordava em suas obras, às vezes com posicionamento crítico, e a estética realista, exibindo corpos humanos com exatidão.
Diferenças entre realismo e romantismo
O realismo surge como uma resposta ao movimento romântico, sendo uma vertente com características opostas.
Realismo | Romantismo |
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Objetividade e explicação da realidade | Escapismo e fuga da realidade |
Embasamento na ciência | Exaltação da religiosidade |
Valorização da coletividade | Individualismo e egocentrismo |
Retratos de fracassos humanos | Idealização da sociedade |
Aceitação do mundo como se apresenta | Busca por liberdade |
Temas urbanos e sociais | Valorização da natureza |
Crítica à elite e instituições | Patriotismo e nacionalismo |
Valorização do presente | Nostalgia e apego ao passado |
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